40 anos pelo Diálogo e a Cooperação

Um louvor ao trabalho do Conselho das Comunidades Portuguesas

O Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) é o órgão consultivo do Governo para as políticas relativas às comunidades portuguesas no estrangeiro. Compete-lhe, em geral, emitir pareceres, produzir informações, formular propostas e recomendações sobre as matérias que respeitem aos portugueses residentes no estrangeiro e ao desenvolvimento da presença portuguesa no mundo, seja através da educação, da cultura ou do empreendedorismo, abordando tanto questões sociais como questões consulares.
O CCP é composto por um máximo de 80 membros, eleitos por círculos eleitorais correspondentes a áreas de jurisdição dos postos consulares ou, quando não possível, por grupos de áreas consulares, países ou grupos de países, por mandatos de quatro anos, através de sufrágio universal, direto e secreto, convertendo os votos em mandatos segundo a média mais alta do método de representação proporcional de Hondt.
O Conselho surgiu na década de 80, tendo sido instituído por um Decreto-lei em setembro de 1980, com início de atividade eletiva em abril de 1981, sendo o segundo mais antigo da Europa. Desta feita, 2021 representa o incontornável marco dos 40 anos de existência deste órgão nacional que, tem feito um percurso determinado e persistente, porém pautado por recorrentes desafios e obstáculos que, mesmo com a crescente popularidade de Portugal e da portugalidade em todo o mundo, parecem continuar a demarcar o caminho e o propósito do CCP.
A filosofia que tem presidido ao Conselho baseia-se no diálogo e na cooperação entre partes iguais: Governo e representantes das comunidades. Nas palavras do seu atual presidente, Flávio Martins, o papel do CCP para a lusofonia, para a nossa cultura e para as comunidades portuguesas espalhadas pelo globo é ser “um catalisador de ideias, esperanças, necessidades, críticas e de outros importantes sentimentos ou estados que as nossas Comunidades nos apresentam”. Ainda sobre este tema salienta que, “um dos pilares da nossa ação é fazer com que uma verdadeira política de reconhecimento e valorização das Comunidades por qualquer Governo, parta dialeticamente da auscultação e do aprendizado do que é viver fora de Portugal (mesmo que integrado ao país de acolhimento), sem deixar de estar ligado à portugalidade”.

Importa ainda salientar a ênfase dada à participação do movimento associativo dos portugueses no estrangeiro com o propósito de reconhecer o seu papel central na organização e desenvolvimento das Comunidades, na sua capacidade de preservar a língua, a cultura e a identidade nacional. Contudo estes 40 anos de existência, como já foi referido, têm sido demarcados por diversos desafios que, de um modo geral, segundo o testemunho de muitos dos seus membros ao longo dos tempos, impedem o pleno desempenho do propósito deste Conselho. Trata-se, assim, de um percurso algo sinuoso e irregular devido, sobretudo, ao escasso interesse demonstrado por vários Governos e outros órgãos do nosso país, em cumprir com os objetivos ínsitos para este Conselho. Daí o CCP ter tido, até ao presente, uma existência assaz periclitante, com debilidades e dificuldades de reconhecimento e legitimidade, contra o que o CCP tem historicamente formulado propostas.
O conselheiro Pedro Rupio explica que neste quase meio século de existência, a principal função que o CCP deve desempenhar tem sido “bastante condicionada com a vontade, ou falta de vontade, da tutela de ver no CCP o seu natural interlocutor”. Pedro Rupio diz, no entanto, acreditar “que o caminho dos últimos anos tem ido no sentido do amadurecimento dessa relação institucional” e que “o desafio que se segue será a consolidação dessa relação”. Ademais, para este conselheiro, o seu próprio percurso ajuda a revelar uma outra faceta, igualmente importante do Conselho. Neste caso, mais concretamente, o papel de aprendizagem e enriquecimento que só através da existência e persistência desta instituição, se torna possível. “A aprendizagem foi constante”, afirma Rupio, “no domínio das políticas públicas das Comunidades, no conhecimento de outras Comunidades, naquilo que pude aprender com demais Conselheiras e Conselheiros, na forma como evolui enquanto indivíduo”. O conselheiro recorda ainda o papel das pessoas que, mesmo fora das comunidades “têm levado a algumas vitórias importantes”.

Para conseguirmos perceber em maior profundidade o que estas dificuldades que o CCP e os seus membros, dos mais vetustos aos mais jovens, têm sentido ao longo destas 4 décadas, bem como as suas implicações práticas, vamos enquadrá-las no contexto histórico, cultural e social, desde a sua criação até à atualidade. Entre o início da década de 80 e meados dos anos 90, muitos portugueses voltaram a procurar além-fronteiras, por novas oportunidades e esperanças. Espalhados pelo globo, estas comunidades compostas por indivíduos e famílias, dos mais altamente qualificados aos funcionários mais técnicos e operacionais com menores qualificações académicas, à semelhança dos seus antepassados marinheiros, foram com o peito e a coragem em busca de uma vida melhor.
Não muito tempo depois, com o rebentar da crise económico-financeira à escala mundial e a entrada da Troika para orientar o Governo na recuperação das contas públicas, voltou-se a verificar uma das maiores vagas de emigração da história mais recente do nosso país. No decorrer desse período, mais de 5 milhões de portugueses viviam então no estrangeiro, criando novas raízes, abrindo negócios, ajudando outros empreendimentos a crescer, integrando-se na vida e na cultura dos países que os acolheram. No entanto, esta etapa da nossa história mais recente, foi demarcada por muitas incertezas e o Conselho das Comunidades Portuguesas, poderia ter tido um papel muito mais ativo e facilitador, não fossem justamente os entraves já enunciados, que tiveram de enfrentar.
Em entrevista ao LusoJornal, Maria Manuela Aguiar, antiga Secretária de Estado e uma das principais agentes na frente da criação do CCP, explica que a maioria das vezes a dificuldade em estabelecer o diálogo com o Governo, derivava de um desconhecimento da medida em que o diálogo era oportuno e em aceitarem as críticas que eram feitas no sentido de melhorar e facilitar a vida das comunidades. Além das dificuldades no diálogo, nesta entrevista, Manuela Aguiar refere ainda o desconhecimento generalizado do objetivo com que o CCP foi criado: a codefinição de políticas de emigração, para que estas fossem mais eficazes. “Nós não estávamos a funcionar como um estereótipo das comunidades, mas como seus verdadeiros representantes, com provas dadas” afirma.
Sobre esta visão aparentemente generalizada dos diversos governos sobre o próprio CCP, ao longo destes 40 anos, o atual presidente deixa-nos o seguinte testemunho:

É de reconhecimento geral (dos atuais e dos antigos conselheiros/as) que os maiores desafios sempre foram, e continuam a ser, superar a pouca visibilidade à qual diversos Governos lançaram o CCP – muitas vezes visto como um grupo que só critica e reclama. Outro enorme desafio, que talvez decorra desse primeiro, foi a falta de estrutura: desde os orçamentos os quais, mesmo tendo aumentado nos últimos anos, revelam-se insuficientes para realizarmos as atribuições legais que este Conselho tem, até a falta de um local e de um grupo técnico exclusivo e permanente. Não é nada fácil estarmos espalhados nos 4 cantos do mundo, em diversos fusos horários e ainda termos de realizar reuniões, documentação e contatos em Portugal e entre as diversas Comunidades. É verdade que temos o apoio compartilhado de abnegados técnicos da DGACCP ou do GSECP, mas eles também têm suas outras atividades junto ao Governo.

Face a todos estes desafios homéricos poderíamos desesperar e cair na tentação de salientar os ciclos viciosos, aparentemente padronizados, dos governos portugueses em criarem as dificuldades e obstáculos para os próprios organismos, instituições e serviços que criam afim de tornar Portugal um país de referência pela sua qualidade política, na atenção aos detalhes para melhoria da qualidade de vida da sociedade que o compõe (dentro e fora das nossas fronteiras), ou da abertura para um diálogo construtivo onde os egos são postos de lado para manter o foco onde realmente importa – o bem-estar geral de todos os portugueses. No entanto, o que aqui se pretende destacar é, efetivamente, a determinação e persistência de todos os membros deste Conselho ao longo dos anos, para conseguir ficar mais perto de cumprir com indiscutível qualidade e rigor, o seu propósito de existência.
Se em duas palavras tivéssemos de definir o CCP, seriam sem dúvida ‘resiliência’ e ‘arrojo’. Ouvindo e lendo os testemunhos e histórias dos vários conselheiros e presidentes do CCP percebemos que apesar de haver um certo desalento perante as adversidades que têm de enfrentar perante as instâncias governativas, podemos entender que esse sentimento é derivado de uma genuína e inabalável empatia e ligação com as comunidades portuguesas em todo mundo. Como nos relembra Manuela Aguiar “o associativismo nas nossas comunidades constituía a base da vida coletiva, da preservação da língua, dos costumes e tradições, da identidade portuguesa – fortíssimo a nível de cada cidade, ou, quando muito, de cada país, todavia, sem dimensão internacional”. É este espírito que o CCP encarna e é este sentido de união, aliado a uma vontade incansável de se fazer ouvir, para favorecer a federalização do movimento associativo, a nível mundial, sem a interferência do Estado, e, por outro lado, trazer ao Governo, pela livre voz da das Comunidades, a valoração das políticas públicas, na sua maior ou menor adequação a realidades diversificadas, com um apelo à sua cooperação em projetos partilhados.

Quando questionámos Flávio Martins sobre os seus desejos para o futuro do CCP, o seu presidente atual diz-nos que espera que o Conselho “seja efetiva e dignamente reconhecido como o interlocutor das nossas Comunidades”, pondo um fim a qualquer tentativa de “minimizar, secundarizar ou deslegitimar o CCP”, tornando claro que a derradeira preocupação deste órgão é “a globalidade das nossas Comunidades”. Para esta finalidade, Flávio Martins vê como maiores desafios para o futuro próximo a melhoria da estrutura do Conselho e a melhoria da comunicação interna e externa, especialmente com outros órgãos de soberania, com partidos políticos, com movimentos sociais das Comunidades e em Portugal, e com a comunicação social.
Para conseguirem alcançar estes objetivos o CCP tem atualmente trabalhado, essencialmente, em 3 grandes projetos:

1) A participação cívica nas Comunidades, especialmente agora com o enorme capital político em decorrência do número de eleitores reconhecidos;
2) O atendimento atempado e simplificado do Estado a quem vive no estrangeiro (funcionamento dos Postos Consulares, documentação, tributação, apoios sociais etc);
3) A língua e a cultura serem o alicerce na ligação à Portugalidade.

40 anos de história – com inúmeras restruturações e desafios, com tantas vozes, desejos e sentimentos que podiam trazer tanto mais valor se mais abertura houvesse para que ele fosse acrescentado – são difíceis de colocar em poucas páginas. Nas palavras da própria Manuela Aguiar, todo o trabalho do CCP, sobretudo nos últimos anos merecia uma biblioteca.
“Na emigração, a língua e, mais latamente, a Cultura estão sempre no centro das preocupações, com um reflexo direto na vida do CCP, que é, verdadeiramente, uma grande instituição do mundo da lusofonia”, diz-nos Manuela Aguiar como introdução para a sua visão de futuro do CCP. “Espero que, para além de agregar os Portugueses de passaporte, possa, também, unir, um dia, outras comunidades lusófonas e lusófilas, como propunha a legislação original, que não exigia aos Conselheiros o requisito da nacionalidade”. Contudo a reforma mais ambicionada por esta grande figura do Conselho das Comunidades Portuguesa, que há muito defende, e estima agora que se concretize é a “constitucionalização do CCP, um maior grau de autonomia e de recursos funcionais e a obrigatoriedade de ser consultado em matérias relevantes para as comunidades portuguesas”.
É de esperar que, tamanha resiliência ao longo de tantos anos demonstrada, mais cedo do que mais tarde, venha a tornar-se realidade. O nosso país (sobretudo os portugueses que aqui ainda habitam, embora pouco ou nada cientes disto) precisa de recuperar o orgulho nacional e de perceber a qualidade do que é feito pelo seu povo aqui e além-fronteiras. E que melhor forma pode haver de fomentar este espírito, que não seja através do incentivo a esta união e diálogo, entre todos os portugueses e todas as comunidades, que o CCP tenta tão diligentemente promover? Esperamos, sem fatigar a esperança, e sonhamos, conservando-nos acima do sonho, que os governos vindouros, venham a fazer justiça ao propósito e missão deste Conselho.

1987 CCP reunião do Conselho Permanente

Nota: Um especial agradecimento à Dra. Manuela Aguiar pela cedência das fotografias do seu arquivo pessoal

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