Grande Entrevista Flávio Martins

Presidente do Conselho das Comunidades Portuguesas

Fotografia ©Tiago Araújo

As Comunidades Portuguesas são um importante ativo para Portugal e para os seus territórios, além de verdadeiros promotores e embaixadores do nosso país no mundo. Ninguém as conhece melhor que o Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), o órgão consultivo do Governo para as políticas relativas às Comunidades Portuguesas no estrangeiro. Como tal, estivemos à conversa com o seu Presidente, Flávio Martins, que em entrevista nos deu a conhecer a realidade deste Conselho, os seus desafios e objetivos, e o importante trabalho que vem desenvolvendo no apoio e defesa dos interesses das Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo.

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Conta com um vasto currículo profissional de onde se destacam, entre muitos outras experiências, a passagem pela Presidência da Casa do Distrito de Viseu do Rio de Janeiro ou ainda da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para começar a nossa conversa pergunto-lhe: quem é Flávio Martins?

Sou um cidadão português e brasileiro, de dupla nacionalidade, nascido no Rio de Janeiro. Os meus pais emigraram para o Brasil na década de 50 e sou filho de uma família de classe média. Estudei a vida inteira em instituições públicas, o que também caracteriza um pouco a minha formação. Fui sempre, desde cedo, muito ligado às questões relacionadas à Comunidade Portuguesa no Rio de Janeiro. A minha ligação às Comunidades Portuguesas começou quando passei a frequentar a Casa do Distrito de Viseu, não por conta da região, mas sim porque ficava próxima da minha casa. Depois, os meus pais acabaram também eles por passar a frequentar essa associação, tendo o meu pai sido, inclusive, presidente da Casa do Distrito de Viseu. Para além disso, também integrei desde cedo o rancho folclórico e sempre estive também muito ligado às questões da cultura popular portuguesa. Aliás, ainda hoje integro o corpo técnico da Federação de Folclore de Portugal, onde atualmente desenvolvo as minhas atividades associativas.
No que diz respeito à minha vida profissional, sou Licenciado em Geografia e também em Direito. Fui professor de Geografia durante algum tempo, mas acabei por passar a exercer advocacia. Ao longo de toda a minha vida, tenho procurado desempenhar da melhor forma possível a minha atividade como cidadão. Sou uma pessoa muito ligada ao seu núcleo familiar, casado e pai de duas filhas, que estão também já muito envolvidas com as questões portuguesas e com a Comunidade Portuguesa no Rio Janeiro. Acho que consegui passar esse legado para elas. No fundo, sou uma pessoa totalmente comum, que apenas procura desempenhar as suas atividades com dedicação.

Assume a Presidência do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP) desde 2016. Que balanço faz desta experiência à frente do Conselho Permanente do CCP?

Considero o balanço é positivo, por vários aspetos. Primeiro, porque hoje temos um Conselho mais coeso. Anteriormente, haviam posições distintas que, pelos relatos que escuto, não fortaleciam o Conselho, muito pelo contrário. Isto não significa que hoje não tenhamos divisões, pensamentos divergentes, mas isso nós guardamos para a internalidade do Conselho. Em segundo, porque hoje conseguimos realizar reuniões online, remotas, a cada mês e temos produzido assim uma vasta série de documentos do CCP. Inclusive, compusemos um grupo de trabalho e conseguimos resgatar, em função dos 40 anos, um pouco da história do Conselho. Pelo que sei nunca ninguém tinha conseguido reunir isso. Hoje, temos esse vasto material documentado no nosso site. Em terceiro, porque o Conselho tem hoje maior visibilidade. Temos conseguido promover bons diálogos com diversos órgãos, partidos políticos e não só. Esta é uma avaliação partilhada também pelos meus colegas de Conselho. Aliás, talvez eles até pudessem responder a essa questão com mais isenção do que eu. Mas, sem dúvida, que considero o balanço desses anos ser muito positivo.

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Em julho de 2022, foi reeleito como Presidente do Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas. Quais os prinicipais desafios que se esperam neste mandato?

O primeiro desafio, penso que está posto: precisamos ter uma estrutura que possamos utilizar. Embora hoje tenhamos, evidentemente, o apoio da Secretaria e da própria DGACCP, temos escutado, inclusive dos próprios partidos políticos com quem temos conversado, a importância de termos essa estruturação. Assim, o primeiro desafio passa, então, por ter uma estrutura melhor que nos permita desempenhar um pouco melhor as nossas atividades.
O segundo desafio passa por dar ainda mais visibilidade ao Conselho. Sabemos que existem, certamente, muitas pessoas, inclusive nas Comunidades Portuguesas, que desconhecem a existência do Conselho. Isso é algo em que precisamos mesmo trabalhar. No entanto, penso que este não deverá ser um trabalho só nosso, mas sim um trabalho conjunto. Devemos dar mais ênfase às Comunidades Portuguesas e desmistificar a retrógada ideia de que os emigrantes são portugueses que não deram certo no seu país.

Recentemente, afirmou que Portugal precisa olhar com mais atenção para os problemas que os emigrantes atravessam. Na sua opinião, quais são atualmente as principais dificuldades que as comunidades portuguesas enfrentam?

Estruturalmente, diria que o grande problema é conseguir fazer com que as pessoas lá fora sintam que também fazem parte de Portugal, que pertencem ao seu país. Este não é um desafio deste ou daquele Governo, é sim um desafio permanente, um desafio de Estado. Se por um lado temos hoje um milhão e meio de eleitores portugueses espalhados pelo mundo, por outro lado, pouquíssimos são aqueles que se sentem, de facto, ligados a Portugal. Assisto muitas vezes que, quando precisamos pensar em alguma coisa para as comunidades, as ações partem de pessoas que vivem em Portugal e que nunca viveram lá fora. Como é que alguém pode falar, plenamente, a respeito de algo que não sentiu, que não viveu? Esse é o primeiro grande problema, que merece a nossa total atenção.
Em termos conjunturais, não nos podemos esquecer que acabámos de passar por uma pandemia e se isso ainda repercute em Portugal, o mesmo acontece nas comunidades. É verdade que hoje temos pessoas que vivem dificuldades sociais e económicas, e que são, na grande maioria das vezes, invisíveis para o resto da sociedade. O movimento associativo e empresarial lá fora também tem vivido sérias dificuldades. Portanto, parece-me que há aqui dois aspetos. Um mais transversal, permanente e estrutural, e outro decorrente do período que vivemos recentemente. Nós sabemos que Portugal não vai nem consegue resolver isto tudo, por se tratar de uma comunidade muito forte e espalhada pelo mundo. Trata-se de uma grandiosidade que o Estado, naturalmente, não consegue abarcar. Acho que temos de ir caminhando e resolvendo esses problemas aos poucos.

Indicou que, em certos casos, esses problemas se poderiam solucionar com mais organização e empenho do Estado. Necessitamos dar mais voz às comunidades portuguesas e que elas sejam mais “ouvidas” em Portugal?

Considero que esse seria um caminho. Se me perguntarem: com isso conseguimos resolver todos os problemas? Provavelmente, não. No entanto, não deixa de ser um possível caminho a seguir, não apenas por meio do Conselho das Comunidades Portuguesas, mas também por outras redes que se têm, formado nos últimos anos.

O CCP continua em desacordo com o Governo em relação ao ensino do português no estrangeiro. Como sabemos, a Língua Portuguesa tem um papel agregador e de coesão da nossa identidade. É um fator de unidade nacional, em particular nas nossas comunidades espalhadas pelo mundo, sendo muito importante o investimento do seu ensino no estrangeiro, em particular aos lusodescendentes. A promoção de um dos elementos dessa afirmação, a nossa língua, deve ser uma das principais missões do Governo?

Sim. Como sabemos, qualquer língua, qualquer idioma, tem várias matrizes. No caso do Português Europeu temos verificado que, nos últimos anos, vem sendo utilizado maioritariamente como uma segunda língua. Nós consideramos, e em especial os meus colegas que não vêm de Países de Língua Oficial Portuguesa, que deveria ser dada uma importância mais económica ao Português, na área científica e empresarial. Para além disso, é também necessário dar ao Português a função de fazer a ligação cultural das pessoas com o país. Se as pessoas não se sentirem ligadas a Portugal, teremos muitas pessoas que apenas são portuguesas “no papel” e não na alma, não no sentimento. Acho que isso deveria ser uma preocupação, mas entendemos que esta não tem sido uma preocupação apenas deste Governo. Nos últimos anos, qualquer que seja a cor partidária, temos percebido que esta é cada vez menos uma preocupação. Há muito mais uma preocupação com os negócios estrangeiros do que com as Comunidades Portuguesas.

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O Plano de Recuperação e Resiliência terá um papel extraordinário neste esforço de consolidação do ensino do português no estrangeiro. Mas será suficiente?

Qualquer reforço é bem-vindo. Será certamente uma ajuda, mas se me perguntar se será suficiente? Não sei. Acho que a resposta a essa questão dependerá da forma como serão implementadas as políticas que virão. Vamos aguardar, mas estaremos atentos a isso.

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Em carta enviada ao Ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal voltou a cobrar ao Estado português o cumprimento do acordo de resolução, assinado em setembro deste ano, que visa solucionar a questão da desfasagem dos ordenados da rede consular lusa no Brasil. Quais as informações que o Conselho das Comunidades Portuguesas tem acerca do ponto de situação desta problemática?

Zero. As informações que me chegam são trazidas pelos trabalhadores dos postos consulares no Brasil. As minhas manifestações, e faço questão de escrever isso, têm sido como qualquer outro conselheiro. Eu não falo em nome do Conselho Permanente, nem assino como Presidente do Conselho Permanente. Tenho-me manifestado, sempre, individualmente acerca de uma situação local. Esta não, certamente, uma situação impactante em outras comunidades, mas no Brasil é e eu tenho acompanhado esta realidade. Já tive a oportunidade de falar com o Presidente da República, que tem acompanhado estas questões, e tivemos também a oportunidade de conversar com o Secretário das Comunidades sobre este assunto.
As informações que nos chegam são que houve um acordo, aceite pelas partes. E como sabemos, acordo bom é aquele que é feito e cumprido. Se as pessoas chegaram a um acordo foi porque abriram mão das suas posições iniciais. Houve a promessa de que haveria uma Portaria, assinada pelo Sr. Ministro das Finanças, para que houvesse esse pagamento, inclusive retroativo, até ao mês de janeiro deste ano. O que se passou é que isso não aconteceu.
Estamos a falar de pessoas que deixaram, por exemplo, de pagar o seu Plano de Saúde, tiraram os seus filhos da escola particular, ou deixaram de ter dinheiro para pagar as suas contas de luz, água e gás. Isso é muito preocupante. Já não estamos a falar de direitos laborais, estamos a falar de direitos da dignidade dessas pessoas. Como é que estas pessoas prestarão um serviço, em representação do Estado Português, adequado? É uma situação terrível para eles e assimétrica, uma vez que, não está a acontecer com todos os trabalhadores no Brasil. Há informações de que alguns trabalhadores nos postos consulares, conforme a sua função, continuam a receber com o câmbio atualizado. Ou seja, para além de haver uma discrepância, uma assimetria, com outros trabalhadores em outros países, há também em relação a outros trabalhadores do Brasil.

Para além disso, a pandemia trouxe ainda dificuldades acrescidas ao nível do funcionamento dos postos consulares. Esta é uma situação que necessita ser acompanhada com proximidade e atenção?

Há determinados temas que são recorrentes. E são recorrentes porque nunca foram efetivamente resolvidos. Este é um deles, um dos temas que há 40 anos o Conselho das Comunidades Portuguesas tem procurado tratar.
O funcionamento dos postos consulares acaba por ser a presença do Estado Português nos serviços para as comunidades. Percebemos que há cada vez mais afluência aos serviços dos postos consulares, o que demonstra que as pessoas têm interesse por Portugal. No entanto, apesar desta demanda ter aumentado a oferta do serviço dos postos consulares tem retorcido. Apesar de já ter havido melhorias e os Governos se terem mantido atentos a isso, ainda não é suficiente. É claro que há situações mais críticas que outras, mas consideramos que deveriam ser implementadas medidas com vista à resolução desta problemática como, por exemplo, diminuindo a necessidade das pessoas de se dirigirem aos postos consulares. Temos defendido há algum tempo, por exemplo, o aumento da validade do Cartão de Cidadão e, desde 2018 que isso já ocorre para quem tem mais de 25 anos. Temos defendido também a possibilidade do passaporte ter uma validade ampliada de cinco para dez anos. Acho que isso desafogaria um pouco a necessidade das pessoas recorrerem tanto aos serviços dos postos consulares.
Já há um trabalho a ser feito nesse sentido, nomeadamente, com a criação da Plataforma Consular. E neste seguimento, acho importante ressalvar que, desde a época da Dra. Berta Nunes e do Embaixador Júlio Vilela, que temos apresentado a nossa total disposição para colaborar com algum tipo de informação ou proposta que possa melhorar a utilização da plataforma pelas comunidades. É como já disse: ninguém conhece melhor a vida das comunidades do que aqueles que já viveram ou vivem lá fora. Queremos que a nossa experiência ajude, se for o caso, a melhorar.

Em novembro, lamentou que a mudança na Lei que regulamenta o Conselho das Comunidades Portuguesas e com a qual todas as forças políticas concordam, ainda não tenha saído do papel. Na sua perspetiva o que tem motivado o atraso na efetivação desta mudança?

De todas as propostas que já apresentámos, talvez a que cause mais apreensão, tanto em quem está no Governo como em outros partidos da oposição, é a questão do voto eletrónico. Para mim, é a única grande questão que pode estar a causar dúvidas em alguns grupos políticos. Não lhes sei dizer neste momento, com toda a certeza, quais os motivos para que ainda não tenha sido efetivada essa mudança. Uma coisa é certa, quando estivemos em Portugal, em julho, foi-nos dito que todos concordavam que para irmos a eleição no CCP era fundamental que houvesse alteração da lei, adaptando o CCP à nova realidade das nossas comunidades, e que isso avançaria nesta legislatura, a partir de setembro. Como nada aconteceu, procuramos informações sobre o que poderia estar a ocorrer para essa demora, o que não nos foi respondido por quem quer que fosse. Entretanto, conversámos também com alguns grupos parlamentares e, na própria segunda comissão e na reunião da segunda comissão, foi-nos dito que, tanto o PS como o PSD, avançariam e apresentariam até ao final do mês, no caso do PSD, e até ao final do ano, no caso do PS, as suas propostas de alteração à lei. O que pedimos, então, nessa reunião da segunda comissão, foi que avancem rapidamente para que até junho possamos ter isso aprovado e ir a eleição no segundo semestre do próximo ano. Esperemos que isso, efetivamente, ocorra para que possamos virar essa página.

O arrastar das conversas em torno deste propósito preocupa-o. Quais as implicações que este atraso poderá ter?

Mais do que as implicações que já ocorreram é impossível. É muito ruim para quem hoje integra o CCP ter que ouvir a toda a hora um comentarista a reclamar que o mandato nunca mais termina. Primeiro, não nos tiram a legitimidade. Até porque não somos nós que convocamos e organizamos as eleições, mas acho que é uma crítica que não precisávamos escutar neste momento. Evidentemente, nós éramos para ter ido a eleições no primeiro semestre de 2020, mas em março veio a pandemia e tivemos que ficar quase dois anos num compasso de espera. Depois, estava tudo indicado para que as eleições ocorressem no primeiro semestre deste ano, mas por causa do Orçamento não ter sido aprovado e o Governo ter ido abaixo houve a necessidade de haver eleições antecipadas. Contudo, acredito que não há mais porque esperar.

Com lugar cativo na agenda do CCP está também a discussão de uma ampliação dos representantes das comunidades portuguesas. Assim, o CCP propõe um aumento do número de deputados eleitos pelo círculo da emigração, uma vez que houve um crescimento do número total de eleitores (para 1,5 milhões) na emigração. Podemos afirmar que o, atual, número de deputados existente não é representativo das comunidades portuguesas de hoje?

Nós temos há 40 anos o mesmo número de deputados. São quatro deputados e dois círculos, independentemente de quantos eleitores existem hoje lá fora. Esta é uma reivindicação que temos apresentado. Consideramos importante que haja esse incremento, não apenas pelo facto de hoje termos cinco vezes mais eleitores do que tínhamos há seis/sete anos, mas também porque as comunidades têm se apresentado como um aspeto importante, não apenas para a vida social, mas para a vida económica e política. Apesar de termos consciência de que o número não e representativo, deixaremos isso para deliberação soberana da Assembleia da República. É claro que não é aumentando o número de deputados que as comunidades portuguesas deixarão de ser sub-representadas, mas já é um começo.
Muitas pessoas dizem que temos um absentismo muito grande lá fora e que não se deve considerar apenas o número de eleitores, mas sim o número de pessoas que votam. Ora, na última eleição para a Assembleia da República, tivemos tantos votos quanto a maior parte dos círculos eleitorais em Portugal. Portanto, não estamos só a falar do número de eleitores, mas do número de votantes, efetivos. E nós temos um grande número. Sei que a maioria dos grupos parlamentares concorda que deveríamos aumentar o número de deputados representantes das Comunidades Portuguesas e nesse caminho propusemos também o aumento do número de conselheiros do CCP.

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Hoje, é incontornável falar do impacto da pandemia e, mais recentemente, da guerra na Ucrânia tiveram e continuam a ter nas comunidades portuguesas que vivem no estrangeiro. Recentemente, alertou que a vida dos emigrantes, nomeadamente fora da Europa, “piorou bastante” e que há associações que arriscam nunca mais abrir, deixando incerto o destino do seu património material. Qual é atualmente a realidade conhecida pelo CCP?

Temos conhecimento que algumas associações tentam hoje voltar às suas atividades. A grande parte delas não tem conseguido e algumas delas não conseguiram ainda voltar para aquilo que havia antes. A verdade é que não nos podemos esquecer que antes já havia uma crise, especialmente fora da Europa. Ao analisarmos o fluxo migratório de Portugal, percebemos que hoje é bem mais reduzido para países fora da Europa e que, quando ocorre, apresenta um perfil diferente. Falamos de pessoas que vão trabalhar, viver ou estudar noutro país, mas que desejam voltar a Portugal. Normalmente, estas pessoas não costumam participar nos movimentos associativos, o que resulta, obviamente, em problemas para as associações. Ou seja, a crise já existia, a pandemia apenas veio aumentar ainda mais esta situação.
Perante esta realidade, não podemos deixar de considerar que as pessoas que vivem este movimento associativo, talvez tenham responsabilidades em relação a isso. Provavelmente, não fizeram bem o seu trabalho. Não deram a conhecer este espírito associativo a outras gerações, não lhes transmitiram a vontade de participar e de fazer parte deste movimento. Perante isto, hoje grande parte das associações que existem lá fora estão envelhecidas e o mais certo é que daqui a uma década ou duas acabem, mesmo, por desaparecer. Isto é preocupante, porque se o património material é importante, o imaterial é insubstituível.
Na sua opinião, urge repensar medidas com vista a minimizar esta situação? Por onde deveria passar essa estratégia?
Se há um problema devem ser pensadas soluções. Uma solução que tenho defendido muito é a unificação, a fusão dessas associações. Na minha cidade, pelo menos, tenho falado bastante nos últimos anos sobre esta ideia. Acredito que este seria um caminho. Outro, seria passar esse legado para os mais jovens. No entanto, é necessário saber, antes de tudo, se as pessoas estão interessadas em passar esse legado e se os mais jovens estão interessados em recebê-lo. Não nos podemos esquecer que a vida associativa há 20 anos era muito diferente do que é hoje. Se antigamente, eram as pessoas que se dirigiam às associações, hoje grande parte delas já não sente necessidade de o fazer, porque tem outros interesses. Temos que repensar tudo isso e delinear o melhor caminho a seguir.

De que forma o trabalho desenvolvido por entidades e associações como é exemplo a Associação Internacional dos Lusodescendentes e a revista Descendências Magazine, que têm contacto privilegiado com um público abrangente, nomeadamente com as comunidades portuguesas, se reveste de extrema importância numa altura como esta?

Essas estruturas são muito importantes para as comunidades, porque fazem com que haja intercomunicação e porque valorizam e trazem uma visão, para além daquela estereotipada, do que são as comunidades. São importantes, porque ajudam a revelar que também nas comunidades temos potencialidades, temos diversidade. Por isso é que defendo que devia haver maior interesse por parte dos órgãos de comunicação em relação às comunidades. Eles, juntamente, com as associações têm um papel determinante para as comunidades, porque permitem dar a conhecê-las. Necessitamos deixar de lado aqueles estereótipos, aquela visão consolidada e, diria até, “engessada” que temos em relação às comunidades. Precisamos conhecer mais sobre elas e, sobretudo, valorizá-las.

A Associação Internacional dos Lusodescendentes inaugurou recentemente uma nova delegação, desta feita em São Paulo, Brasil, com o objetivo de fomentar projetos nas áreas de cultura, educação, voluntariado e negócios, além de promover a troca de informações entre as associações das diferentes comunidades portuguesas que já existem no Brasil. Qual a importância que este passo representa para toda a comunidade portuguesa presente no país?

Acho importante, porque será mais uma rede a funcionar no sentido de agregar os diversos perfis que hoje fazem parte das Comunidades Portuguesas. Ter uma representação da Associação Internacional dos Lusodescendentes no Brasil, ou em qualquer outro país, é muito importante porque permite agregar diversas áreas, diversos conhecimentos, diversas experiências.

Que mensagem gostaria de deixar a todos os nossos leitores, em especial, aos milhões de portugueses espalhados pelo mundo?

Primeiro, gostaria de agradecer a parceria que a Associação Internacional dos Lusodescendentes e a Descendências Magazine têm mantido connosco e que tem sido extremamente importante para a divulgação dos nossos temas, da nossa voz.
Em relação às comunidades, gostaria de dizer que elas precisam sentir-se valorizadas. Não porque isso seja um favor de Portugal, mas porque isso deveria ser, e é, um dever de Portugal, da sociedade portuguesa. As comunidades também são parte da sociedade portuguesa. São pessoas que, apesar de naquele momento, ou durante algum tempo, estarem geograficamente noutra área, mantém os interesses, os sonhos, e o objetivos da Comunidade Portuguesa, de Portugal e da chamada “portugalidade”.

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