Grande Entrevista Paulo Teixeira de Morais

Presidente da Frente Cívica

Fotografia ©Joana Silva

É licenciado em Matemática, tem um MBA em Comércio Internacional e é doutorado em Engenharia e Gestão Industrial pela Universidade do Porto. Passou ainda pelo setor empresarial e foi vice-presidente da Câmara Municipal do Porto, de 2002 a 2005, tendo sido responsável pelos pelouros do Urbanismo, Acção Social e Habitação. Regressou então ao ensino e ao seu combate de sempre pela denúncia dos mecanismos de corrupção em Portugal. É professor na Universidade Portucalense. Integrou o grupo de trabalho para a revisão do Índice de Perceções da Corrupção, levada a cabo pela Transparency International. Foi perito no Comité Europeu Económico e Social. É Presidente da Frente Cívica, Associação de Intervenção Cívica, que fundou em 2016. É perito do Conselho da Europa em missões internacionais sobre boa governação pública, luta anticorrupção e branqueamento de capitais.

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Agradecemos muito a honra desta entrevista.

Muito obrigado, tenho todo o prazer em estar aqui com vocês nesta conversa.

Obviamente que a corrupção vai ser objeto desta entrevista ou não estivéssemos nós perante a voz que mais vezes se tem levantado sobre este tema, mas gostávamos muito de dar a conhecer o seu percurso de vida aos nossos leitores. O seu lado mais pessoal. Como foi a sua infância, o seu percurso profissional, enfim quem é o Paulo Teixeira de Morais.

Começando pela infância: eu nasci em Viana do Castelo numa família de classe média, com algum conforto económico nos anos 60. Portanto nasci numa cidade do Alto Minho que era uma zona muito pobre, eu nasci em 1963 e não tinha obviamente consciência política até aos 5 anos, mas tinha a percepção de que em toda aquela região as pessoas viviam muito mal. Nas aldeias as pessoas andavam descalças, passavam fome e estávamos num período de muita emigração, que eu assistia no bairro industrial da zona, com muitas pessoas que trabalhavam na fábrica do meu pai.

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O que produzia a fábrica do seu pai?

Plásticos. Chamava-se fábrica de plásticos “Papa Léguas”, aliás, era uma empresa conhecida que já vinha do meu avô. E o que eu me apercebia na altura, muito miúdo, era que essas pessoas que em Viana do Castelo, enfim, em todas aquelas aldeias em torno da cidade, passavam fome, sem ter sequer a quarta classe, iam para a Alemanha e ao fim de seis meses ou um ano alguns deles eram dirigentes de linhas de produção de fábricas do sector automóvel.
Sempre me interroguei, porque razão é que as pessoas ali viviam em condições deploráveis e quando emigravam, ao fim de pouco tempo viviam bem.
Eu questionava-me porque é que estas pessoas não podiam viver bem na sua terra.
Tinha por volta de doze ou treze anos quando os meus pais me ofereceram um telescópio, deliciava-me com os meus amigos a olhar para o céu e é esse gosto pela astronomia que me leva ao curso de matemática. Para tirar o curso de astronomia tinha de entrar no curso de matemática e fazer uma variante da variante da matemática. Como fui muito bom aluno no Ensino Secundário, tive a facilidada de ter notas e entrar no curso de matemática, com a perspetiva de vir a ser estudante de astronomia. Ainda asssim gostava mais de estatística do que astronomia e fiz aí um desvio de preferência, e acabei por vir a ser estatístico como aliás ainda hoje sou. A minha área de investigação chama-se “Estatística e Investigação Operacional” que trabalha muito em identificação de boas práticas, mais conhecido como Benchmarking e ainda na avaliação de eficiência.
Na universidade fui Presidente da Associação de Estudantes da Faculdade de Ciências, estávamos nos anos 80 – e foi aí que eu entrei na política – que sendo eu matemático e conhecendo os números, percebi que o discurso político não coincidia com os verdadeiros números, até hoje.
Sendo eu representante dos alunos, notei que nos serviços sociais o orçamento era gigantesco e depois nas cantinas a comida era miserável, o que acontecia ali?
Obviamente corrupção.
Foram detetados comigo na fiscalização dos serviços sociais um caso de corrupção que depois teve as consequências de investigação da Judiciária.

E teve consequências?

Sim, sim, sucesso. É um caso que teve alguns episódios mais tristes, mas o que é facto é que foi investigada a corrupção nos serviços sociais. Nessa época em 1986/87.

Foi a sua primeira intervenção em relação à corrupção?

Não, como dirigente da JSD de Viana do Castelo, denunciei casos de corrupção na instalação do Hospital de Viana do Castelo.

Também conduziu alguma investigação, houve consequências?

Não, não houve consequências. Como à boa maneira Portuguesa não aconteceu nada.

Um dos problemas que o Professor habitualmente levanta em relação às autarquias é precisamente o problema dos recursos humanos. Nomeadamente o facto das vagas de emprego serem ocupadas não pelo mérito e currículo, mas pelo simples facto de pertencerem a este ou aquele partido e mesmo em relação aos movimentos independentes também percebemos que uma grande parte desses cargos, já são ocupados pelos seus simpatizantes e apoiantes. Como se resolvem os “jobs for the boys”?

Tem de se resolver. Os movimentos independentes ainda não têm histórico para se fazer essa análise.
O que tem acontecido com os Partidos? Os autarcas só têm dois tipos de preocupações: arranjar empregos para os seus apaniguados e negócios para os seus financiadores. Isto destruiu o poder local. No modelo americano há debates nas tvs locais para as pessoas participarem na gestão municipal, é assim que se cria massa crítica. Em Portugal a vida municipal impede as pessoas de participar, porque os executivos e o Presidente da Câmara, decidem tudo que é do interesse, não do colectivo mas dos negócios a que estão ligados. Os Boys são uma consequência deste modelo. Há muitos lugares que são criados artificialmente, que não são necessários.

Como é que resolvemos isto?

Implementando em todos os municípios de Portugal sistemas de combate à corrupção, em que uma das áreas essenciais de intervenção seja a readequação dos recursos humanos. Ou seja, tem de haver uma reengenharia total dos recursos humanos de todas as autarquias. Não é despedir as pessoas, é tentar manter os empregos, dando formação e realocando-as em funções que saibam desempenhar. Torná-las úteis.

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Portugal desceu 3 lugares no índice de percepção da corrupção, ocupando hoje a 33ª posição. O combate à corrupção em Portugal é uma luta infrutífera?

Essa pergunta é difícil. Portugal, de facto, desceu 3 lugares, mas o mais grave, quando estudamos este tipo de indicadores, subir ou descer 1 ou 2 lugares não é relevante. O que é grave é continuar nestes lugares ao longo dos anos. Desde 2010 Portugal foi o País do mundo que mais degradou esta posição. Não saímos do sítio porque a corrupção está aí. Se eu começar a citar casos de corrupção começo nos Submarinos, no BPP, BPN, nas parcerias público-privadas rodoviárias, no Banif, na Expo 98, no Euro 2004 e pronto isto não acaba nunca. O combate à corrupção em Portugal é muito muito difícil, porque é um combate da sociedade civil contra uma máquina gigantesca que tem o aparelho de Estado a favor da corrupção, as grandes empresas e a comunicação social a favor e a branquear a corrupção. Não é infrutífera, na medida em que se vão abrindo algumas brechas e vai-se denunciando a corrupção, que antigamente não existia. Eu recordo que nos anos 2000 haviam três ou quatro pessoas em Portugal que falavam sobre corrupção e não havia uma estrutura para que se organizassem, e hoje a Fundação para a Transparência e Integridade criada em 2010 veio dar algum respaldo institucional às pessoas que combatem a corrupção. Mas é um combate desigual, porque o sistema está todo preparado para alimentar a corrupção.

Comparou o negócio do urbanismo ao negócio do tráfico de estupefacientes, a única diferencia é que no tráfico de estupefacientes existem pessoas que são condenadas e vão presas. Podia enumerar alguns desses escandalosos negócios do urbanismo em que ninguém vai preso ou condenado em sede judicial?

Aqui bem perto, em Alfena, Valongo, há um conjunto de terrenos que estão em reserva agrícola e ecológica e que são caracterizadas como zonas não edificantes, onde não se pode construir porque existem veios de água. Em determinado momento um promotor imobiliário compra os terrenos às pessoas todas e faz uma escritura de compra por 4 milhões de euros. Passado meia hora, vende esse terreno a um fundo imobiliário por 20 milhões de euros. O que é que aconteceu nessa meia hora milagrosa? Apareceu um papelinho na Câmara de Valongo a dizer que afinal já se podia construir. Hoje é o maior centro logístico da Jerónimo Martins em Portugal.
Agora, vamos um bocadinho ao lado. Quinta do Ambrósio em Gondomar, foi comprada por um filho do Valentim Loureiro e mais uns amigos, por cerca de 800 mil euros, passados seis dias venderam o mesmo terreno à STCP por 4 milhões de euros. Quem presidia a STCP na altura era um amigo do Major Valentim Loureiro. O terreno nunca foi construído e hoje está abandonado, fisicamente não aconteceu nada, há é um prejuízo do erário público por uns cavalheiros que beneficiaram 3 milhões de Euros. Há exemplos de Norte a Sul.

Como é que acabamos com este tipo de negócios?

Isto não tem uma solução simples, mas tem solução. No urbanismo tem de haver uma forma rápida de tratar as mais valias urbanísticas. Quando uma pessoa tem um terreno e quer construir um prédio o negócio tem de ser de construção e não de tráfico de solos. Quando se elaboram planos diretores municipais, tem que se ter em linha de conta o interesse do colectivo e não dos promotores imobiliários.
Só se consegue de duas maneiras: ou utilizamos o modelo inglês em que ninguém tem solo ou utilizamos o modelo holandês em que existe uma tributação das mais valias na valorização dos terrenos. Só se resolve quando deixar de haver vantagem na valorização do terreno.

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Citando uma sua intervenção “a nossa dívida pública resulta de um conjunto de operações de corrupção através do Orçamento do Estado”. Como sustenta a sua afirmação?

Muito daquilo que se gasta via Orçamento do Estado resulta de negócios de corrupção, dou um exemplo que são as parcerias público-privadas rodoviárias, negócios feitos desde o tempo da ponte Vasco da Gama, enfim, é a primeira grande PPP da era moderna. Aliás, a legislação que consagra tudo isto é de 2010 com Sócrates a Primeiro Ministro. É aprovada legislação primeiro pelo Governo, depois pelo Parlamento, que garantiu aos concessionários das PPP’s rodoviárias taxas internas de rentabilidade para usar o termo técnico de 12%, 13%, 14% e 15%. Não havia negociação, os privados mandavam para o Governo, que se limitava a assinar. Só para ter uma ideia, a autoestrada que vai do Porto para Viana, A28 é uma PPP e no fim deste ano de 2021, faça chuva ou faça sol o concessionário vai receber 50 Milhões de euros. Haja trânsito ou não! E nem que esteja fechada vão receber na mesma essa verba, porque tem uma taxa de disponibilidade diária, que é no fundo um aluguer diário. Este tipo de negócios depois pagam-se no orçamento e pagam-se forte. O orçamento está a cativar esta verba em concreto para pagar um negócio que foi um negócio de corrupção, mas além disso, e aqui é a parte complementar da pergunta, há todo um conjunto de despesas extraordinárias no orçamento de Estado que estão também previstas para pagar fenómenos de corrupção de forma acumulada. Só para termos uma ideia, este ano que está em curso, o orçamento tem cerca de 10 000 milhões de euros para despesas extraordinárias, para fazer empréstimos a empresas privadas ou públicas que carecem, aumentos de capital, para pagar 50 Milhões de uma dívida do papel comercial do BPN – que foi iniciada no início do século – ou seja tudo isto é para pagar casos de corrupção. Neste momento, a entidade Portuguesa que mais beneficia de empréstimo do Estado, chama-se Parvalorem S.A. que foi o Banco que resultou dos ativos tóxicos do BPN. O maior devedor do Estado Português é a Parvalorem S.A., um sucedâneo das vigarices do BPN. Em cada ano uma parte significativa dos nossos impostos é para pagar a corrupção do passado, do presente e futuro.

Foi aprovado em abril, a estratégia nacional anti-corrupção 2020-2024, segundo o Governo com o objetivo prioritário de combater a corrupção e a fraude. Reconhece nesta estratégia o caminho para detetar e reprimir a prática de atos corruptivos?

Não, por duas razões: A primeira tem a ver com a autoria. A autoria vem da Ministra da Justiça que é uma pessoa a quem eu não reconheço credibilidade para combater a corrupção, sem querer ser ofensivo, mas é assim, as pessoas têm de ter credibilidade e prestígio para desenvolver uma atividade. Vou dar um exemplo, mas podia dar cinco ou seis: a Senhora Ministra escolheu para assessorar na Presidência Portuguesa da União Europeia na área da justiça o Procurador Lopes da Mota, que foi repreendido disciplinarmente há anos, porque enquanto procurador, condicionou os seus colegas que estavam a investigar o caso Freeport, ameaçando-os que se o PS perdesse a maioria absoluta, alguém iria pagar por isso. Além disso convém não esquecer que a Ministra é casada com um dos maiores lobistas portugueses chamado Eduardo Paz Ferreira, que faz negócios em permanência com o Estado e tem um escritório de advogados que faz negócios com os privados. A Ministra tem alguma responsabilidade nos negócios do marido? Obviamente que tem. Como não lhe reconheço credibilidade nem que o projeto fosse bom, eu achava que não ia ser implementado. Este projeto que a Ministra apresenta, não tem nada disso, é um documento extensíssimo que tem algumas intenções piedosas, como achar que se as pessoas forem mais educadas, são menos corruptas, o que sendo verdade só tem efeito ao fim de uma geração, não resolvendo o problema no imediato.
No meu ponto de vista, este projeto tem que ter dois eixos de intervenção:
Tem que atuar no sentido de que, quem esteja envolvido em fenómenos de corrupção ou crimes conexos, como o peculato de uso, a prevaricação ou tráfico de influências, todos esses crimes, têm de ser alvo de uma intervenção rápida da justiça. Ponto número dois, todos os ativos levados pela corrupção têm de ser recuperados. Tudo o que vá neste sentido, deve ser feito e já.

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Relativamente aos milhões prometidos da bazuca Europeia que está a caminho, o Português comum já vaticinou que vão cair no bolso de alguns, acha que o controlo da UE é suficiente?

A UE não vai fazer controlo nenhum a esse nível, a UE vai controlar a alocação dos fundos à agricultura ou à pesca… No essencial houve uma alteração ao código dos contratos públicos onde vai tornar tudo mais permissivo, ou seja quando vamos ter mais dinheiro, onde deveria haver um controlo mais eficaz, sob a capa da necessidade de maior rapidez, deixou de haver controlo, então diminui-se o controlo e houve uma alteração ao código que foi tão permissivo que o Prof. Marcelo vetou o diploma, voltou ao Parlamento e as alterações foram em 2 sentidos: primeiro fazer com que todos os contratos que têm a ver com fundos europeus devem ir ao Tribunal de Contas, acima de 750 000 têm de ir para obtenção de visto prévio, abaixo têm de ir todos. Nessa alteração, prevê-se no artigo, que haja uma fiscalização concomitante do Tribunal de Contas, onde este pode impedir até que os processos, ou uma obra se execute, etc.
Só que na alínea seguinte diz que a avaliação concomitante pode ser feita em qualquer momento, mesmo depois da obra feita, ou seja, uma avaliação concomitante que não é concomitante.
Portanto, as pessoas que fizeram as alterações, ou não sabem o que quer dizer concomitante e precisam de dicionário ou estão a gozar com a nossa cara, porque dizer que uma avaliação concomitante pode ser feita a posteriori, isto é, mais ou menos como fazer prevenção à posteriori. Segunda alteração: vai haver uma comissão independente de gente seguramente muito séria, prestável e muito útil, mas que só tem duas funções: dar recomendações, e fazer avaliações semestrais. Sinceramente, é assim, vir tanto dinheiro, nesta primeira fase vem cerca de 16000 milhões de euros aproximadamente, em que acima de 750000€ o código contratação pública obriga um visto prévio para o Tribunal de Contas, enfim, mas abaixo de 750000€ vai ser um forrobodó completo.

Já agora, e aproveitando em seguimento deste assunto, gostávamos de saber qual é a sua opinião sobre o Plano de Recuperação e Resiliência.

Em termos do seu controlo, digamos que é a matéria que eu mais estudo, foi o que eu já referi na resposta anterior. Quanto ao plano em si, acho que não é um plano, quer dizer um plano pressupõe objetivos, e depois existem mecanismos de controlo e avaliação. Este PRR não tem nada disso, é uma lista de compras; o António Costa deve ter perguntado aos seus colaboradores “digam lá o que querem comprar”. Perguntou às pessoas que colaboram com ele, para é que precisam do dinheiro e depois dão um ar muito pomposo chamando inovação energética, inovação ambiental, que são nomes muito interessantes mas isto tudo é cosmética.

Os portugueses, na sua maioria, reconhecem que temos de facto um problema sistémico de corrupção em Portugal, mas o Governo continua com as sondagens em alta. Acha que os portugueses estão de alguma forma resignados?

A resposta rápida: realmente as sondagens mantêm este governo, com boa performance com um bom score eleitoral e a acreditar nas sondagens, enfim, podemos dar-lhes bastante credibilidade.
Isto quer dizer que os portugueses maioritariamente não vêem a alternativa, ou então estão-se nas tintas, que são os abstencionistas, portanto, entre os que não têm alternativa, ou seja, entre aqueles que não acreditam na oposição e aqueles que não acreditam em nada, a conjugação permite que a maioria atual se mantenha no poder. Porque é que chegamos aqui?
Porque, de facto, o nível de participação cívica em Portugal é muito baixo.
Se não houver um escrutínio da justiça, por um lado, e o escrutínio da sociedade através da participação cívica o eleito faz o que lhe apetece e até ultrapassando os limites da lei, que é o que acontece em Portugal, deixando de ser um mandatário do poder popular para ser o mandante ao serviço dos interesses económicos a que está associado.
E temos a partidocracia portuguesa, que é uma partidocracia corrompida e até prostituída pelos interesses económicos. Este é o nosso problema. Portanto, a justiça tem que funcionar – temos estado aqui a falar muito tempo sobre isso – e tem que haver também uma participação cívica mais atuante.
A nossa democracia está muito doente por causa disso.

Fotografia ©Joana Silva

Qual é a sua análise sobre os negócios do lítio em Portugal? Por um lado, há quem diga que se nós temos recursos devem ser explorados. Por outro, temos também as consequências ambientais. Qual é a sua posição em relação a esta questão, que é muito polémica? Aliás, inclusivamente tem alguns movimentos em Viana do Castelo, nomeadamente em defesa da Serra de Arga. O que é que podemos fazer? Vamos explorar o lítio? Já existem negócios estranhos que estão associados a isso como é do conhecimento público…

A minha opinião sobre isso é a seguinte : A exploração de recursos de qualquer tipo, ambientais, geológicos, etc, deve ser resultado sempre de iniciativas particulares. E depois deve haver um controlo sério por parte do Estado, nomeadamente ao nível ambiental, bastava isto. Eu não tenho capacidade técnica para decidir se os negócios do lítio, do ponto de vista ambiental são bons ou maus, eu não tenho essa competência. O que nós temos é que ter entidades públicas que nos dêem essa capacidade e a confiança nas suas decisões, que não temos, porque repare, ainda agora bem recentemente aqui na praia do Ourigo, estava-se a construir uma plataforma em cimento, uma coisa sem pés nem cabeça e, portanto, numa primeira fase, as entidades públicas deram pareceres positivos. Como houve muito furor público, passaram a dar pareceres negativos. Quer dizer, confiamos em quê? Se os pareceres funcionam em função das manifestações públicas, de pressões económicas, de cunhas ou de favores, que credibilidade é que eu dou a essas entidades? Tem que haver em primeiro lugar a concordância das populações, portanto, se não houver, não se explora. Ponto Final! Quando houver dúvidas sobre isso deve-se fazer um referendo.

Qual o papel do Presidente da República em relação ao combate à corrupção?

Sabe, o Presidente da República devia ser no meu ponto de vista, o impulsionador do combate à corrupção. Tanto acho isso que me candidatei nas Presidenciais de 2016. Se tivesse sido eleito, o que teria feito era convocar extraordinariamente o Parlamento para implementar a estratégia nacional de combate à corrupção. O Professor Marcelo fez alguma coisa nesse sentido? Não, pelo contrário. O Professor Marcelo, até pelas ligações que tem tido ao longo da sua vida é ele próprio um produto do sistema e nunca será ele a combater a corrupção.

Deseja fazer alguma declaração especial dirigida aos leitores da Descendências que estão espalhados pelas Comunidades no mundo inteiro?

Acho que eles devem reclamar em muito pela estrutura diplomática que nós temos. Na União Europeia as embaixadas não tem missão, porque como bem sabem, existe a livre circulação de pessoas, bens, serviços e capitais, por isso, as embaixadas para a atuação política já não servem, porque isso é feito entre Ministros. Quer dizer, qualquer colaboração entre Espanha e França, Portugal e Alemanha, etc, dentro da União Europeia não precisa de diplomacia. As embaixadas na europa deviam fechar.
O que as Comunidades precisavam na europa e fora dela, era de uma forte rede consular, com duas componentes fundamentais: uma administrativa, com pequenas lojas de cidadão com os mesmos serviços que encontramos em Portugal, e uma outra cultural, em que nas mesmas instalações existam escolas de ensino de português.
Não é bem o que é que a gente deve pedir às Comunidades, é o que lhes devemos dar.
O nosso povo é muito maior que o nosso chão.
Eu vejo Portugal nessa perspetiva, não como um território, mas sobretudo como uma comunidade de pessoas que estão interligadas pela mesma história, pela mesma cultura etc. Mas para que isso aconteça, é necessário que o Estado se organize para projetar essa cultura no sítio onde eles estão. A mensagem que eu gostaria de lhes transmitir é que sejam exigentes. Mantenham a paixão pela nação portuguesa, mas sejam exigentes com o Estado Português.

A Descendências Magazine agradece-lhe novamente a honra desta entrevista.

Foi um gosto muito grande. Muito obrigado.

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