As grandes cheias de Lisboa e “outras inundações”
As grandes cheias de 1967 foram, tão só, a pior catástrofe que assolou a capital portuguesa, desde o grande terramoto de 1755. Em finais de 2022 o fenómeno repetiu-se, ainda que numa escala deveras inferior e com consequências menos gravosas, é certo. Todavia, as causas mantêm-se e preocupam, sobretudo a falta de manutenção e limpeza dos canais de escoamento das águas pluviais e as graves falhas de planeamento urbano e de ordenamento do território.
Na madrugada de 25 para 26 de Novembro de 1967, abateu-se sobre Lisboa uma rápida e forte precipitação, com níveis nunca antes vistos, correspondendo a cerca de um quinto da precipitação média anual registada. A depressão meteorológica rapidamente percorreu todo o Vale do Tejo. O elevado número de mortes – cerca de 700 – assim como os danos em 20 mil casas, apanharam os governantes desprevenidos, tanto que, Salazar, através dos mecanismos de censura do estado Novo, tudo tentou para abafar o caso, temendo eventuais consequências para a sua governação. À época, várias causas foram invocadas, para tão trágico desfecho, desde a falta de limpeza dos rios e das ribeiras da zona ribeirinha; passando pela construção ao longo dos cursos de água; pelas reduzidas bacias hidrográficas; assim como, pela insuficiente dimensão das canalizações subterrâneas.
Um paradigma que se repete
Passados 55 anos, o paradigma parece repetir-se ad aeternum – se há elevados níveis de pluviosidade, há cheias, deslizamento de terras e inundações, quer seja em Portugal, na Europa, ou no resto do Mundo. Da Alemanha à Bélgica, da China ao Japão, dos Estados Unidos ao Brasil, os fenómenos atmosféricos extremos sucedem-se, ano após ano, sem que se aprenda com os erros cometidos no passado.
As cheias podem ocorrer devido a vários factores e, muitas vezes, podem ser simultâneos. No entanto, como o próprio nome sugere, as causas mais frequentes resultam do rápido aumento dos níveis de água devido a chuvas intensas em áreas baixas, num curto espaço de tempo. Quando nas zonas baixas dos aglomerados urbanos, a capacidade de absorção do solo é menor que a pluviosidade, a altura da água aumenta rapidamente, resultando em cheias. Esses eventos climáticos são muito perigosos e muitas vezes podem levar a fatalidades, devido ao seu poder destrutivo e à rapidez com que ocorrem, impedindo que as pessoas tenham tempo suficiente para escapar para terrenos mais altos ou para adoptarem as medidas de protecção tidas como adequadas.
Para além dos rios, também o transbordamento do mar, assim como o rápido derretimento da neve e do gelo, podem causar inundações.
Cheias vs inundações
Se, por um lado, todas as cheias provocam inundações, por outro, nem todas as inundações são provocadas pelas cheias. As cheias são fenómenos temporários; por exemplo, um rio que transborda as suas margens e inunda determinada área envolvente. Por seu lado, as inundações poderão ter caracter permanente; como é o caso das áreas do globo inundadas pela subida do nível das águas do mar.
O rebentamento de uma barragem também pode provocar uma cheia com forte poder de destruição. Importa recordar uma das mais devastadoras da história da humanidade, ocorrida em 1889, na Pensilvânia. Após vários dias de chuvas anormalmente intensas, uma das barragens locais, cedeu, libertando cerca de 20 milhões de litros de água para a cidade de Johnstown, matando, em poucos minutos, mais de 2.200 pessoas.
Todos os anos, mais de 20 milhões de pessoas são atingidas pelas cheias dos rios. As cheias e as inundações têm consequências desastrosas, paralisam cidades, colapsam infra-estruturas e obrigam à deslocação de milhares de pessoas, que perdem as suas casas e os seus haveres.
Por sua vez, essas deslocações em massa, vão provocar outros problemas, tais como: a sobrelotação populacional nas grandes cidades e o consequente aumento das desigualdades sociais.
O que pode ser feito para minimizar o efeito das cheias?
Segundo vários especialistas, uma das soluções de curto prazo mais importantes para minimizar as graves consequências das cheias passa pelo investimento em estratégias de adaptação a inundações, nomeadamente pela construção de infra-estruturas mais resilientes aos efeitos provocados pelo aumento do nível das águas, tais como: paredões de protecção costeira e modelos de cidades similares às ecológicas cidades-esponja chinesas, que utilizam soluções baseadas na natureza como forma de incorporarem o ciclo da água no planeamento urbanístico. Também as bacias de retenção, são muito úteis para controlar as cheias e para servirem de reservatórios de água em períodos de maior seca. Por outro lado, é importante apostar-se na restauração de ambientes degradados, na criação de mais áreas verdes dentro das cidades, na limpeza dos cursos de água (naturais e artificiais) e, na proibição de construções nos limites desses mesmos cursos. Outra medida preventiva a considerar – esta menos consensual, mas, porventura menos traumática – seria a retirada ordenada ao longo do tempo das populações localizadas nos leitos das cheias e nas zonas afectadas pelas inundações, instalando-as em locais mais seguros.
Para finalizar, paralelamente, às medidas acima referidas, importa reduzir as emissões globais dos gases com efeito estufa, tendo em vista a mitigação dos efeitos provocados pelas alterações climáticas.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico