Fátima Lourenço da Silva

As Fases do Ensino em Angola

Fátima Lourenço da Silva, foi identificada no início do projecto pela educação ser a força motriz do desenvolvimento. Formada em história pedagógica pertence à uma família malanjina, onde as meninas estudaram, foram professoras e desempenharam diversos cargos no Ministério da Educação de Angola ao longo da sua carreira, hoje reformadas.

© História Social de Angola

Sua irmã Filomena Kitumba[1] já depositou memórias sobre Malange, infância, educação e a experiência pedagógica. O segundo malanjino a partilhar suas memórias foi José Mena Abrantes[2]. A leitura dos três textos e a visão e audição de dois audiovisuais representa uma descrição de Malange até os primórdios da Independência de Angola  1945-1953.

Enquanto historiadora pedagógica após a transcrição da entrevista em áudio, modificou o diálogo neste texto, resumindo e apresentando claramente o seu conhecimento e suas memórias. A História Social de Angola prevê o depósito de memórias escritas pelo depoente e embora a entrevista tenha seguido os passos dos depoimentos anteriores, recebemos esta versão que é  publicada fidedignamente, sendo a original preservada como prova mas sobretudo pela riqueza e indicações de outras fontes secundárias.

A depoente orienta as suas memórias com base no sistema colonial do Estado Novo assente na descriminação dos indígenas e dos outros angolanos, cujos eixos principais eram o ensino e a produção.

Enquanto parte deste sistema, estudou e acompanhou a formação de angolanos em várias províncias, transformando o depoimento em uma descrição de uma aluna, estudante, colega, professora e pedagoga.

Começa por descrever o ensino em Angola a partir da década de 1940, detalhando a descriminação imposta aos angolanos assentes em escolas das Missões católicas e em  escolas públicas e os instrumentos de controlo e descriminação. Sendo um deles, pedagógico: O Exame de Admissão às escolas técnico profissionais e aos Liceus após a 4ª classe (I Nível de Escolaridade).

A Igreja Católica, dominava os registos de nascimento, através do baptismo, cuja descriminação se consubstanciava em filhos legítimos: Nascidos após o casamento dos pais na Igreja ou na Conservatória Civil; legitimados nascidos antes do casamento dos pais, e ilegítimos nascidos de pais solteiros ou vivendo maritalmente, ou mesmo casado de acordo com as regras tradicionais (casamento africano).

O Ensino não era abrangente a todas as classes sociais. Os indígenas não tinham esse direito.

O acesso à escola era muito limitado para os filhos de pais solteiros. Também existia na época, o registo de pais incógnitos.

Eram as crianças cujos pais eram desconhecidos ou se furtavam a registá-los. É de salientar que essas crianças eram muito discriminadas e cresciam com muitos traumas. Orgulhosamente, destaco três conquistas da independência:

– O fim da ilegitimidade paternal e seus benefícios;

– O acesso à educação sem qualquer descriminação para todas as crianças;

– O direito ao repouso de parto para todas as mães de todos os Estados Civis e de todas as condições sociais.

Sublinha que, a luta contra a descriminação social da mulher prevalece em todo períodopós-independência.

E sublinha que o malogrado bispo de Benguela Dom Óscar Braga, criou uma organização denominada PROMAICA (Promoção da Mulher Angola na Igreja Católica), cujo objectivo é a inclusão de todas as mulheres em todas as organizações sociais e promoção da alfabetização.

Também se referiu a criação da obra social da Maxinde, uma obra criada pelos padres BASCOS (espanhóis), em Malanje, no Bairro da Maxinde, em 1964. Esta obra visava a promoção social dos jovens adultos e crianças. E desenvolveu o desporto, a formação, o profissional e a formação académica dos mais desfavorecidos, inclusive, desenvolveu muitas acções de formação feminina. Entre elas, uma equipe de basquetebol feminina juvenil que se destacou no país, antes da independência.

E sublinha que o império português mantinha a mulher em níveis sociais mais baixos e iletradas.

Apresenta outra conquista relevante da independência: o “Intercâmbio Cultural”, entre os diversos povos e as diversas culturas nacionais e o enfraquecimento do tribalismo.

O privilégio de circular e viajar pelo país era limitado até 1975 e os angolanos só foram percebendo a sua diversidade geográfica, cultural e social no fim do colonialismo.

© História Social de Angola

Introdução

Eu me chamo, Noémia de Fátima Lourenço da Silva, nasci em Malanje no dia 13 de Maio de 1953, fiz o Ensino Primário na Escola n.º 108 e o curso complementar dos liceus, tendo terminado em 1973; licenciei-me em História Pedagógica em 1985 no ISCED do Lubango.

Fui professora durante 30 anos. Leccionei o Ensino Primário, as disciplinas de História, Geografia, Língua Portuguesa e Inglês do Ensino Secundário. E também, leccionei História e Geografia no ensino médio IMNE – Cte. Cuidado em Malanje.

E trabalhei no Ministério da Educação durante 10 anos.

Actualmente, desenvolvo actividades culturais e religiosas na paróquia São João Paulo II, no Sequele, Município de Cacuaco.

Período Colonial

O sistema colonial era repressivo e fascista, havia muita discriminação entre angolanos e portugueses, no que concerne a deveres e direitos. A maioria dos angolanos fazia o trabalho básico. Eram serviçais mal remunerados.

O ensino nunca foi abrangente.

Havia dois tipos de escolas para o ensino primário: as Escolas Primárias Oficiais para os portugueses e assimilados e as Escolas das Missões, para os indígenas.

As escolas primárias oficiais, eram designadas por números, a nível de todo território. A escola n.º 1, foi implementada em Luanda e os números foram consecutivos noutras localidades.

A primeira escola primária de Malanje foi a n.º 25.

No fim do colonialismo, havia em Malanje, cinco (5) Escolas Primárias Oficiais: a N.º 25, a n.º 74, a n.º 87, a n.º 108 e a n.º 234.

A Igreja Metodista Unida, entrou no território angolano no século XIX, e foi instalada pela administração colonial na região do Quéssua, em Malanje. Esta região era exclusiva para a Igreja.

Lá foram construídos um hospital, uma Escola Primária e Secundária do I Ciclo e dois Internatos (um masculino e outro feminino) e, uma Escola de Formação Feminina (a Escola Doméstica), onde as meninas aprendiam a costurar, a bordar, a cozinhar diversos pratos. Também aprendiam puericultura e higiene.

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O Hospital do Quéssua

No início do Séc. XX a igreja Metodista Unida, construiu no Quéssua, um hospital já apetrechado com laboratórios, bloco operatório e outros meios. Onde funcionavam médicos e outro pessoal técnico, belgas e americanos. Muita gente de várias regiões ia lá tratar-se. Os técnicos falavam com os doentes (comunicavam), em Kimbundu. E construíram umas pequenas palhotas ao redor do hospital para albergar os familiares dos doentes, quando estes ficassem internados.

A minha mãe, em 1957, sofreu uma cirurgia naquele hospital, tinha eu quatro anos e nós, meus dois irmãos mais novos, um bebé, a minha avó e uma tia nossa na altura jovem, permanecemos lá três meses. A residência tinha apenas um quarto que servia de dormitório e cozinha.

As missionárias, diariamente, traziam leite para o meu irmão bebé. A volta das palhotas, foram construídas latrinas colectivas que eram higienizadas diariamente pelos utentes.

No Quéssua, os missionários, ao contrário dos portugueses, que celebravam o culto em latim, até 1964, o culto era celebrado em Kimbundu.

Toda sua missionação foi feita na língua nacional. A utilização da nacional Kimbundu, permitiu aos missionários belgas desenvolverem melhor o seu trabalho que os portugueses.

Sublinho, muitos jovens que estudaram no Quéssua, foram dos primeiros a enfileiraram-se nos Movimentos de Libertação Nacional e começaram a lutar pela independência nacional.

Entre eles, destacam-se Agostinho Neto, Deolinda Rodrigues e Hoji Ya Henda.

Muitos dirigentes do nosso governo actual, foram estudantes do Quéssua, entre eles consta, o ex-vice-presidente da República, o Sr. Bornito de Sousa. Também os missionários belgas e americanos formaram muitos enfermeiros neste hospital.

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O ensino na Missão Católica

A Igreja Católica abria escolas nas aldeias e nas comunas em muitas localidades do território angolano.

Em Malanje, concretamente, no centro da cidade, ao lado da Sé Catedral, abriu uma Escola Primária só para rapazes e bem próximo, havia outra escola primária, só para raparigas.

Também, as irmãs da congregação São José do Cluny, construíram um internato para as meninas, onde aprendiam a ler, a escrever, a costurar e os princípios da Igreja Católica.

É de salientar que, nessas escolas, eram marginalizados (aceites ou não), os filhos de pais incógnitos e mesmo alguns ilegítimos.

Friso que, embora só se estudasse o Ensino Primário, os jovens saiam de lá lendo e escrevendo corretamente e falando português com fluência.

A minha mãe, só fez nesta escola, a 3ª Classe e apesar dos seus noventa (90) anos de vida, lê e escreve muito bem.

Em todas as escolas primárias, de todos os tipos, nem todos os alunos tinham direito ao exame final.

Um mês antes dos exames, os professores apuravam os mais habilitados e os que apresentavam mais debilidades, geralmente 15% não eram admitidos ao exame.

E, nos exames finais eram feitas duas provas: A escrita e a oral. Primeiro fazia-se a escrita, caso aprovasse fazia-se a oral e, caso não, reprovava.

Também, na prova oral, se reprovava.

Portanto, após ser admitido para o exame, ainda eram avaliados em duas provas.

Por essa razão, devido ao nível de exigência e ao nível dos conhecimentos adquiridos, quando uma criança ou jovem fizesse a 4ª classe, era aplaudida e a sua comunidade toda festejava.


[1] Lourenço Kitumba é o nome oficial de um dos filhos do Soba Quitumba de Malange e avô das irmãs  Noemia de Fatima da Silva Lourenco e de Filomeno da Luz da Silva Lourenço Fernandes, o sobrenome paterno foi preservado como pseudônimo, familiares , amigos e a comunidade malanjina continua a chamar os membros da família  e a família por “os Kitumbas”. Filomena Kitumba filha de uma numerosa família oriunda da província de Malanje é uma das cinco filhas de Lourenço Manuel da Silva, teve quatro filhas todas formadas pelo Magistério Primário, Josefina, Fátima, Assunção e Filomena foram professoras do segundo ciclo no período colonial nas província de Malange, Kuanza Norte, Kuanza Sul, Cabinda e Luanda tendo sido professoras no ensino médio no período pós colonial. Seus irmãos seguiram outras profissões tendo se destacado como políticos de fortes convicções  que se juntaram à causa de libertação nacional antes do 25 de Abril e ascenderam a cargos importantes no partido no poder até 27 de Maio de 1977. Cresceu no Bairro Maxinde em Malanje e depois da independência foi para Luanda com a sua família onde reside na Vila Alice até à data presente. https://historiasocialdeangola.org/2022/11/07/depoimento-de-filomena-kitumba-memorias-de-uma-professora/

[2] Um filólogo nas artes cênicas e no jornalismo Angolano, José Mena Abrantes Meu nome é José Manuel Feio Mena Abrantes, nasci em Malange no dia 11 de Janeiro de 1945, sou o sétimo de oito filhos. Passei toda a minha infância em Malange, até aos 15 anos com algumas saídas, a primeira grande viagem foi ter ido com a minha mãe a Lisboa de barco com quatro ou cinco anos, depois até aos quinze anos, nas férias grandes vinha a Luanda com a família passar férias em casa da minha irmã.https://historiasocialdeangola.org/2023/04/04/depoimento-de-jose-mena-abrantes-um-filologo-nas-artes-cenicas-e-no-jornalismo-angolano/

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico


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