A outorga de testamento para escolha da lei da sucessão

Sabia que, em certos casos, pode escolher a lei que virá a ser aplicável à sua sucessão?

O Regulamento (UE) n.º 650/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, que entrou em vigor em 17 de agosto de 2015, e que se aplica à vasta maioria dos Estados-Membros da União Europeia, determinou que a sucessão de um cidadão se rege, em princípio, pela lei da sua residência habitual.
Todavia, o cidadão pode eleger, através de testamento, a lei da(s) sua(s) nacionalidade(s) como a lei competente para tal, afastando assim a lei da residência habitual.
Esta escolha de lei é aplicável a todos os ativos e passivos que venham a integrar a sucessão, independentemente de se tratar de direitos, bens móveis ou imóveis e até da sua localização.
No caso de dupla ou múltiplas nacionalidades, poderá ser escolhida a lei de qualquer um dos Estados em causa, mesmo que não seja um Estado-Membro da União Europeia, ou sendo, ainda que não esteja vinculado a este normativo.
Assim, por exemplo, um cidadão português que tenha residência habitual noutro Estado pode outorgar testamento, escolhendo a lei da nacionalidade como a aplicável à sua sucessão, no caso de tal lei se apresentar mais favorável aos seus intuitos que a aplicação da lei da sua residência habitual.
Na verdade, a aplicação do critério da residência habitual ou da nacionalidade para determinação da lei aplicável em matéria sucessória pode ter efeitos completamente distintos na distribuição de uma herança.
Veja-se o exemplo de um cidadão inglês, residente habitual em Portugal, com três filhos e cônjuge (casado sob o regime da separação de bens), que falece sem testamento que eleja

a lei aplicável à sua sucessão. Perante a sua morte, Portugal aplica à sucessão lei da residência habitual e, portanto, este cidadão inglês verá a sua eventual vontade relativa à disposição dos seus bens post mortem muito condicionada pela aplicação das regras imperativas portuguesas, especificamente pela existência de herdeiros legitimários e quota indisponível, ou seja, herdeiros que não podem ser afastados, recebendo obrigatoriamente ativos (e passivos) equivalentes ou superiores aos mínimos legais previstos. Na presente situação, admitindo que os três filhos e o cônjuge lhe sobrevivem, cada um deles tem direito a receber ¼ da sucessão; havendo testamento que não afaste a lei portuguesa, 1/3 da sua herança pode ser deixado a quem o testador quiser e nos termos que entender; contudo, os restantes 2/3 são divididos, em partes iguais, pelos 4 herdeiros legitimários supra identificados.
Se, diversamente, o cidadão inglês outorgar testamento em que escolhe como lei aplicável à sua sucessão a lei inglesa, então já não terá herdeiros obrigatórios, podendo livremente deixar a totalidade da sua herança a quem e como entender.
Logo, o mesmo cidadão pode dispor livremente de 1/3 da sua herança no caso de não fazer testamento, ou da totalidade da mesma se outorgar testamento com escolha expressa da lei da sua nacionalidade para o efeito, o que pode ser uma vantagem muito significativa para o testador.
Assim, face à internacionalização crescente dos cidadãos e às diferenças legislativas de país para país em matéria sucessória, entendemos que a outorga de testamento se apresenta atualmente como uma necessidade real.

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