Connie Brathwaite

Representante nos anos 90 da África Humanitarian Aid, trabalhou em consultorias em projetos sociais para mulheres e crianças até ao início deste Século. Amiga de Angola, viveu em outros países africanos como a Zâmbia e participou na luta pela independência de vários países da SADC onde trabalhou e estabeleceu amizade com importantes líderes entre os quais António Agostinho Neto. Aposentada em Angola reside na Funda onde produz frutos e sucos exóticos de Angola.

© História Social de Angola

O seu depoimento retrata o papel das organizações internacionais na ajuda alimentar e o trabalho de integração e auto suficiência alimentar de refugiados e mais recentemente das comunidades do município da Funda na fronteira entre a capital de Angola, Luanda e a província do Bengo. Esta amiga de Angola escolheu a Funda para viver no país onde trabalha há trinta e cinco anos.
O projeto História Social de Angola está a juntar as memórias de angolanos, memórias de amigos de Angola cujo contributo é relevante e escolheram este país para residirem. Naquele tempo o sector social nacional era emergente e havia cidadãos de outros países que nos vieram ajudar e tem memórias sobre períodos e setores nacionais.

Angola e o apoio aos refugiados Angolanos na Zâmbia

O meu nome é Constance Brathwaite (Connie) sou de Guiana, América do Sul. Eu vim para Angola em 1987, mas antes trabalhei na Zâmbia com a Federação Lutherana Mundial, onde trabalhávamos com os refugiados da SWAPO[1], do IMC[2] e também com o povo angolano durante a guerra. Por exemplo, a igreja Lutherana daquele tempo levava a assistência comunitária para a Zâmbia e era da sua responsabilidade distribuir para a Swapo e nós aqui tínhamos que continuar com este trabalho com o povo angolano.
O nosso primeiro projeto com o povo angolano, chamava-se BITA, que integrava os refugiados angolanos que estavam no centro de Mareeba, na Zâmbia e nós regressamos com eles e começamos a trabalhar com eles na BITA em projetos sociais e mais tarde, depois dos Acordos de Bicesse, em 1990/1991 nós começamos a espalhar para as outras províncias, sendo a Moxico a primeira beneficiária, porque tinha muitos refugiados angolanos e começamos nas cidades de Cazombo, Luau e Lubala.Primeiro começamos com os refugiados que demos formação na Zâmbia, sim eles iam para a escola, muitos deles foram bebés ou nasceram nos campos de Mareeba e muitos não conheciam Angola.
A minha vinda para Angola partiu do convite dos Assuntos Sociais em Genebra. Quando nós chegamos em Angola, não foi fácil, porque era tempo de partido único, não podíamos alugar casa, eu e a minha colega zimbabuana ficamos a viver no hotel Costa de Sol durante 18 meses. Neste período não havia pão, era muito difícil conseguir os alimentos, havia lojas do povo, lojas dos técnicos, por exemplo, o IMC muitas vezes trazia pão de Viana até ao hotel, mas uma coisa interessante é que naquele tempo havia união entre as pessoas, partilhava-se as coisas. Eu nunca tinha tido uma experiência assim, foi a primeira vez aqui em Angola.
Durante o tempo que vivi no hotel, havia cubanos e estes na altura estavam a negociar a paz entre Angola e a África do Sul para a independência da Namíbia, havia muitas pessoas de fora hospedada no hotel Costa de Sol, mas foi um tempo difícil, embora para mim tenha sido menos porque tinha um cartão diplomático que me dava acesso ao hipermercado Jumbo.

A União do Povo Angolano

Uma coisa que me marcou muito, foram os tempos difíceis para o povo, mas eles eram unidos, havia mais amor ao próximo, por exemplo se o meu carro parasse, as pessoas vinham ajudar e agora não, perguntam logo quanto é que eu vou pagar. Eu conduzia o carro Lada, uma desgraça… depois chegaram os nossos carros, eu tinha Toyota Long Mile e só as pessoas da Swapo é que tinham este tipo de carros, nem mesmo o governo de Angola tinha esse tipo de carro, também BITA, era mato, não tinha nada, isso tudo para dizer que valeu a pena viver esta experiência porque eu estava perto do povo, trabalhava o dia a dia com o povo e não com as pessoas nos gabinetes, com o povo, tu sabes o que eles estão a pensar, talvez porque eu vivi com eles na Zâmbia, eu os conheci em Mareeba, muitos deram o meu nome “Connie” aos filhos, são os meu netos. Tenho um médico no hospital do Caxito que eu conheço de Mareeba.
Naquela altura não havia pobreza como agora, as pessoas podiam não ter, mas ajudavam uns aos outros, os bairros eram mais organizados, as pessoas tinham disciplina e respeito. Muitas pessoas fugiram por causa da guerra, para mim o governo deveria começar por disciplinar essas pessoas, porque em Viana (no sítio das 500 casas), tinha um campo onde viviam as pessoas que vieram de Malanje e eu trabalhei com eles. Vou partilhar um episódio que aconteceu, uma vez fui visitar o projeto, havia uma campanha de vacinação, mas as pessoas não queriam deslocar-se até ao centro de Viana para vacinar as crianças e começaram a morrer. Quando cheguei, começaram a gritar “tia Connie, tia Connie”, estão a preparar os pneus para queimar as velhas, eu estava a visitar o campo com a esposa do Ministro Malungo. Entrei no carro, fui até lá e tive de os ameaçar dizendo que eles é que iam ser queimados e não às velhas, consegui que eles desistissem dessa ideia e eu percebi que eles iam fazer isso porque achavam que as velhas eram feiticeiras e que estavam a matar as crianças, mas isso só estava a acontecer porque as crianças não foram vacinadas.
Isso para dizer que devemos continuar a trabalhar com isso, foi o que eu fiz em Mbanza Congo, eu vivi 18 anos na Zâmbia a trabalhar com isso, eu saí de casa aos 21 anos, fui para Londres estudar e depois fui para Zâmbia trabalhar.
Eu não sei, mas acho que a transição depois da guerra não foi bem feita, mas também ninguém tinha essa experiência, mas devíamos tentar aprender com os outros, por exemplo… eu posso falar? No outro dia eu tinha uma reunião sobre a cooperativa na Funda, no ano passado as pessoas aguentaram nas lavras, eles não têm condições para pagar as contas, um dirigente da Funda disse “ah vocês não têm dinheiro para pagar as contas, mas têm dinheiro para a dar à igreja”, eu não disse nada durante a reunião, mas no dia seguinte encontrei me com ele e disse-lhe que ele não devia ter dito aquilo às pessoas, porque quando qualquer o povo sai de um sítio onde estava a viver, a fugir, a primeira coisa, pode ser muçulmano ou cristão, há uma igreja, ela dá consolo, pode não ter dinheiro nem comida, só para dizer que Deus gosta de ti… as pessoas que supostamente deviam trabalhar com o povo, não estão a trabalhar com o povo, precisam saber como é que o povo pensa, a igreja é o primeiro pensamento, antes mesmo de pensarem nas suas casas.

Deixe um Comentário

Your email address will not be published.

Start typing and press Enter to search