Grande Entrevista Cláudia Pereira

Secretária de Estado para a Integração e as Migrações

Licenciada e doutorada em antropologia pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa – Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), fez na mesma universidade o pós-doutoramento em sociologia.
Investigadora e professora auxiliar convidada no ISCTE-IUL, tem estado integrada no Centro
de Investigação e Estudos de Sociologia.
Foi coordenadora executiva do Observatório da Emigração de 2017 a 2019. Foi diretora da Pós-Graduação em Ação Humanitária no ISCTE-IUL. Foi representante do CIES-IUL na IMISCOE, rede de excelência de investigadores de migrações. Co-coordenou a Rede Migra, uma rede internacional de investigadores e responsáveis por políticas públicas de migrações. Tem colaborado como especialista de migrações em projetos de capacitação de governos de países de fora da Europa, financiados pela Comissão Europeia (CE). É avaliadora de projetos europeus, financiados pela CE, sobre migrações. Entre outras publicações, co-organizou o livro «New and Old Routes of Portuguese Emigration. Uncertain Futures at the Periphery of Europe».

Tendo em conta que é uma académica com trabalho desenvolvido de investigação, muito específico na área das migrações, acompanhamento e orientação de trabalhos académicos nestes temas e também, com algumas publicações, o convite para o cargo de Secretária de Estado para a Integração e as Migrações não foi com certeza uma surpresa. Faz sentido que assim seja, o titular de uma pasta governativa ter competências e conhecimentos técnicos da pasta que vai assumir responsabilidades?

A criação pela primeira vez de uma área governativa específica para a Integração e as Migrações revela a prioridade do Governo para este tema. Conhecer as políticas e o território, nomeadamente através da investigação levada a cabo em muitos municípios é certamente um privilégio e uma oportunidade na definição das medidas de política que abrangem as populações que servimos – populações ciganas, imigrantes e refugiadas.

Quando assumiu funções que desafios e prioridades definiu para o mandato? O estado português assumiu uma política clara em matéria de migrações ou limita-se as cumprir as orientações comunitárias e mundiais?

O programa do Governo é muito claro no que concerne a migrações e integração. Tem uma abordagem transversal que inclui educação, emprego, saúde, habitação e participação cívica. A visão é a de incluirmos nas medidas do governo as populações ciganas, refugiadas e imigrantes, o que passa por lhes fazer chegar a informação, a que muitas vezes têm dificuldade em aceder. Deste modo, alargamos as oportunidades e, consequentemente, reduzimos as desigualdades – que consiste num dos quatro desafios estratégicos do governo. Gostaria de realçar que em 2019 o contributo dos imigrantes foi muito importante para a segurança social, entre o que contribuíram e o que receberam em subsídios, houve um saldo positivo de 884 milhões de euros. Por outras palavras, a segurança social de Portugal beneficiou 884 milhões de euros com os imigrantes.
Um segundo contributo dos imigrantes é demográfico, que coincide com um outro desafio estratégico do programa do governo, respondermos ao desafio demográfico. Na Europa, em geral, e no caso de Portugal, em particular, enquanto um dos países mais envelhecidos, a questão demográfica é central já que em 2019 foi o 3º país da UE28 com maior proporção de pessoas com mais de 65 anos (21,8%), apenas ultrapassado pela Grécia (22%) e pela Itália (22,8%). Se não fosse a imigração, a sociedade portuguesa seria mais diminuta e mais envelhecida.
O governo de Portugal é, no panorama internacional, reconhecido pelas suas políticas de acolhimento e de integração. Tem sido destacado pelo papel pioneiro e humanista que tem desempenhado na luta pelos direitos sociais das populações imigrantes, na promoção de canais legais de migração e no combate ao tráfico, sempre na defesa dos direitos humanos. Neste sentido, o Índice Medidor de Políticas Públicas de Migrações – MIPEX -, situa Portugal no terceiro lugar em termos internacionais, o que significa que o governo está muito direcionado em termos de políticas públicas. Todavia, sabemos que ainda há várias práticas a serem melhoradas na integração e, por isso, foi criada pela primeira vez esta área governativa. Foi também o único país europeu considerado Champion Country, pelas Nações Unidas, na implementação das medidas do Pacto Global para as Migrações. Estas distinções mostram que tem havido um progresso assinalável nas políticas públicas e nas práticas de integração de imigrantes em Portugal.
O atual contexto pandémico é disso exemplo. Ao pretender minimizar os impactos da Covid-19, o Governo concedeu aos estrangeiros o acesso aos mesmos direitos dos cidadãos nacionais, ao garantir, ao abrigo do primeiro despacho, que mais de 246 mil cidadãos estrangeiros com processos pendentes no SEF ficassem temporariamente regularizados. No alargamento deste despacho em novembro, mais de 166 mil cidadãos estrangeiros foram abrangidos. Salvaguardou, assim, o acesso à saúde e aos benefícios sociais da população estrangeira que reside no nosso país. O governo teve também outras medidas como a simplificação da renovação das autorizações de residência e o alargamento da extensão da sua duração, só para citar alguns exemplos que inspiraram outros países no mesmo sentido. São estas práticas humanistas que constituem o traço comum das políticas públicas portuguesas na área das migrações de que nos orgulhamos e que são uma referência na Europa e no mundo.

Os Estados foram desafiados a desenvolver respostas nacionais para implementar o Pacto Global para responder aos desafios colocados pelos novos fluxos migratórios? Quais foram as respostas de Portugal nesta matéria?

A resposta consistiu em articular os ministérios com os institutos públicos, de forma estruturada, na resposta à melhoria de condições dos imigrantes. Este é um dos motivos por que Portugal foi o único país europeu a ser considerado Champion Country pela OIM/Nações Unidas na implementação do Pacto Global. De uma forma mais detalhada, num mundo onde as migrações e a mobilidade humana desempenham um papel tão crucial, o pacto Global das Migrações Seguras, Ordenadas e Regulares das Nações Unidas representa um esforço global para responder a um dos maiores desafios dos nossos tempos. Trata-se de uma resposta humana, digna e solidária aos fluxos migratórios, incluindo os movimentos involuntários de refugiados, ao mesmo tempo que as sociedades, nomeadamente na Europa, se confrontam com a necessidade premente de rejuvenescimento da sua população ativa.
Portugal foi um dos primeiros países do mundo a criar um Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações. Estruturado em torno de cinco eixos e 97 medidas, o Plano Nacional assenta nos 23 objetivos do Pacto Global, reconhecendo a importância da mobilidade das populações no mundo enquanto fator determinante para o equilíbrio demográfico. Mais ainda, reconhecer as migrações enquanto motor de inovação e de competitividade que é globalmente reconhecido às sociedades que valorizam a diversidade cultural.
O Plano Nacional de Implementação do Pacto Global das Migrações assume-se como uma estratégia nacional que envolve todas as áreas governativas com responsabilidades ao nível da integração das populações migrantes – 16 ministérios e 28 serviços públicos. Globalmente, 80% das medidas já estão em implementação e 15% já foram concluídas. Entre estas últimas contam-se medidas fundamentais para o exercício da cidadania, tais como a atribuição do número da Segurança Social na hora, a revisão do programa nacional de aprendizagem da língua portuguesa – Português Língua de Acolhimento, a plataforma de renovação automática de autorizações de residência, para citar alguns exemplos de medidas que consideramos estruturantes.

Quantos refugiados já recebeu Portugal no âmbito do Programa Voluntário de Reinstalação do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)? Qual é o modelo de acolhimento que Portugal está a adotar?

O acolhimento e a integração de refugiados em Portugal têm sido uma prioridade do Governo, através de uma estratégia descentralizada que envolve Estado central, autarquias locais e entidades da sociedade civil no cumprimento das diferentes dimensões de integração que abrangem: a habitação condigna, a aprendizagem da língua portuguesa, o acesso ao mercado de trabalho, à educação, à formação, à saúde, à tradução e interpretação, ao apoio jurídico e à participação na vida local.
Neste contexto, Portugal tem participado ativamente no esforço europeu de acolhimento, através do apoio às propostas da Comissão Europeia de construção de uma política europeia de asilo comum, assente nos princípios da responsabilidade e solidariedade, no respeito pela dignidade da pessoa humana e no combate ao tráfico de seres humanos. Desde 2015, Portugal acolheu mais de 2.600 refugiados ao abrigo de vários programas europeus e acordos internacionais. Para tal o nosso país tem participado em todas as ações conjuntas de resgate através de barcos humanitários, tendo acolhido até à data 217 refugiados. Ao abrigo do Programa de Reinstalação, Portugal acolheu, até ao momento, 631 pessoas (253 vindas do Egito e 378 da Turquia). Desde julho de 2020, recebemos 78 crianças e jovens estrangeiros não acompanhados, vindos da Grécia. O primeiro agregado familiar acolhido ao abrigo do Acordo Bilateral com a Grécia, que prevê um piloto de até 100 pessoas, chegou no final de 2020. De recordar que Portugal foi o 6.º país da UE que mais refugiados acolheu (1.550) ao abrigo do Programa de Recolocação, que terminou em 2018 e, pela mesma altura recebeu ainda 142 refugiados no âmbito do Acordo UE-Turquia.
Note-se ainda que, adicionalmente, Portugal registou 1.849 pedidos de asilo espontâneos em 2019 o que representou um aumento de 45.3% face ao ano anterior. E, em 2020, mesmo com a pandemia, foram registados 977 pedidos.

O Governo quer que os refugiados chegados a Portugal ao abrigo de programas europeus consigam falar português, ter emprego e habitação ao fim de ano e meio. Como é que isso está a ser implementado na prática? As medidas, ações e políticas implementadas pela Senhora Secretária de Estado em matéria de migrações, tem um impacto e envolvência interministerial e transversal nas diferentes áreas governativas?

A integração é um processo complexo e bidirecional que depende também da vontade e disponibilidade dos próprios refugiados. A aposta do Governo e dos serviços envolvidos através das diferentes áreas é de promover mecanismos e respostas facilitadoras do processo de integração na sociedade portuguesa, tendo em vista a rápida autonomização das pessoas e a construção de novos projetos de vida, sobretudo quando sabemos que os programas de apoio da união europeia têm uma duração de dezoito messes.
Decorrente do crescimento exponencial do número de pedidos de proteção internacional registados em Portugal nos últimos anos, o Governo aprovou recentemente uma Resolução que cria um sistema único de acolhimento e integração de requerentes de asilo e beneficiários de proteção internacional, assegurando a cooperação e coordenação entre as várias entidades envolvidas, através de um Grupo Operativo Único que pretende responder de forma ágil e articulada aos desafios que se colocam em matéria de acolhimento e integração das pessoas refugiadas, independentemente do mecanismo de entrada no nosso país.


Tendo presente as declarações públicas da Senhora Secretária de Estado, ainda em 2020, dando conta que um dos planos do Governo era encaminhar os imigrantes que estavam a trabalhar no turismo para a agricultura, onde faltava “mão de obra”. Esta ideia chegou a ser efetivada?

Os efeitos da pandemia no mercado de trabalho são bem conhecidos, o abrandamento da atividade económica, sobretudo nos setores da hotelaria, restauração e comércio, criou fortes constrangimentos no número de ofertas de emprego disponíveis, afetando toda a população, incluindo os imigrantes.
Parte do nosso trabalho é fazer chegar a informação sobre as medidas de apoio ao emprego, sobre as ofertas de emprego existentes a todos os cidadãos estrangeiros, para que possam ter as mesmas oportunidades, seja no emprego, mas também noutras áreas, como a educação, o ensino superior, a saúde.
O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) está a fazer um reforço dos mecanismos existentes para juntar a oferta e a procura de emprego para as populações imigrantes, nomeadamente:
O alargamento da Rede de Gabinetes de Inserção Profissional que se encontra neste momento, na fase final, com a abertura próxima de 10 novos gabinetes.
Um trabalho de estreita articulação com os Institutos de Emprego e Formação Profissional (IEFP) para melhorar a adequação das medidas de emprego para a população imigrante.
A criação de uma bolsa de trabalhadores com o propósito de abrir um canal de comunicação mais ágil entre a oferta e a procura de emprego. Em termos de qualificação tem-se verificado um aumento de pedidos de informação relativos a reconhecimento de diplomas. O ACM tem trabalhado com a ANQEP e o IEFP no sentido do reconhecimento de competências profissionais.
Não houve intenção de encaminhar sistematicamente imigrantes desempregados para a agricultura, já que dependerá do perfil, das competências e do interesse dos mesmos. O que referi na altura, foi que os imigrantes que tivessem disponibilidade e apetência para trabalhar noutros setores como a agricultura – sendo setores que na época estavam à procura de mão de obra – podiam ser direcionados para tal. As migrações são reguladas, em larga escala, pelo mercado de trabalho, é necessário garantir condições de integração e de trabalho digno, estamos a trabalhar neste sentido – garantir que todos os que contribuem têm proteção do Estado.

Um dos grandes desafios do país é a coesão territorial e os territórios de baixa densidade, sobretudo, os territórios do interior. Qual é o papel destes municípios neste desafio? De que forma é que os imigrantes estão a ser incentivados a optarem por soluções que não sejam apenas os grandes centros urbanos?

Uma das medidas do governo é desenvolver, em articulação com os municípios, programas de integração de imigrantes que garantam a resposta integrada dos diferentes serviços públicos em municípios com elevada procura da imigração.
Neste momento estamos a realizar um trabalho muito estreito com os municípios, reconhecendo que são figuras chaves na efetivação das políticas de integração. Este levantamento de necessidades e preocupações dos municípios é fundamental para encontrar soluções ajustadas às diferentes realidades do interior do país, por isso estamos, nesta fase, a ouvir os problemas, mas também a identificar as boas práticas, que são muitas e que queremos replicar noutros territórios. Já começamos os grupos de discussão, porque há problemas comuns, mas também há necessidades específicas que requerem outra abordagem, mais direcionada. Começamos, já há vários meses, de forma presencial, com o intuito de conhecer in situ os territórios onde residem mais imigrantes, mas que devido à situação pandémica, tivemos que alterar o formato, mas continuamos na proximidade, virtualmente.
O nosso objetivo é também garantir que as informações chegam a todos, há políticas que tornam o interior mais atrativo para os portugueses, imigrantes e refugiados. Temos que garantir que os imigrantes não são discriminados no acesso a estes programas, assegurar que são incluídos nas medidas gerais para toda a população, incluindo os programas de atratividade do interior.
Portugal é um Estado de Direito, ou seja, há os mesmos direitos para todos, e o que fazemos é dar a conhecer a atratividade no interior. Porque quando não se têm conhecimento das oportunidades, não se tem escolha. A maioria dos imigrantes conhece Lisboa, Setúbal e Faro, e a nossa função é dar-lhes a conhecer, beneficiando o interior com população para evitar a desertificação, e, por outro lado, aumentando o leque de escolhas.
Em 2020 abrimos cinco novos Centros Locais de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) que são uma resposta de proximidade, e funcionam de forma integrada com toda a rede CLAIM e diretamente com o ACM.
Temos também os Planos Municipais para a Integração de Migrantes que são instrumentos que incorporam as estratégias de atuação concertadas das diferentes entidades que atuam na área das migrações, e que visam a concretização do processo de integração ao nível local.
Neste momento, temos aberto o aviso dos mediadores municipais destinado à criação de Equipas de Mediação Intercultural facilitadoras da integração das comunidades migrantes e das comunidades ciganas, nas regiões do Norte, Centro e Alentejo, neste sentido as autarquias locais assumem-se como principais impulsionadores desta medida.

De forma muito prática e concreta, um município do interior, de baixa densidade, com défice de população e mão de obra, sobretudo, para a atividade agrícola, que esteja disponível para receber imigrantes, que crie incentivos e apoios para cativar a vinda de imigrantes para o seu município e que contacte a Senhora Secretária de Estado para esse efeito, que orientações, ajudas e apoios tem para lhe “oferecer”?

Adotar políticas ativas de repovoamento do interior, com vista à fixação e à integração de novos residentes, nomeadamente através da atração de imigrantes é uma das medidas do governo que estamos a trabalhar conjuntamente com as áreas governativas responsáveis e com os municípios como referi na sua pergunta anterior.
Trata-se de uma prioridade que requer a articulação de várias áreas, neste momento estamos a colaborar com vários programas, mas não podemos deixar de referir, que se trata de um processo a longo prazo, e que é importante combinar respostas específicas às populações ciganas, imigrantes e refugiados com medidas universais de política pública, nesse sentido estamos a garantir que a informação chega a todos.
Concretamente, a divulgação dos programas “Estudar e trabalhar no interior”, a criação de novos centros locais de acolhimento e integração de imigrantes, de novos gabinetes de inserção profissional, apoio nas respostas sociais, colaboração com as estratégias locais de habitação do interior, articulação com a rede de Centros Qualifica, em termos de formação e qualificação, colaboração no Plano Estratégico para a Coesão e Integração, a decorrer no norte, centro e sul do país, nos territórios de Bragança, Fundão e Odemira junto com a área governativa da valorização do interior.
Os imigrantes têm um papel vital na criação de novas dinâmicas nas comunidades do interior do país, combatendo a desertificação e o envelhecimento de algumas zonas.

O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) é um instituto público que intervém na execução das políticas públicas em matéria de migrações? Qual é a articulação que a Secretaria de Estado para a Integração e as Migrações tem com a ACM?

O Alto Comissariado para as Migrações (ACM) é responsável pelo acolhimento e integração de migrantes em Portugal, bem como pela integração das populações ciganas. Inserido no contexto da administração pública central, o ACM tem por tutela a Secretariada de Estado para a Integração e as Migrações. Ainda que já dependesse da Presidência do Conselho de Ministros, o ACM enquanto instituto público responsável por estas matérias, beneficiou igualmente da existência, pela primeira vez em Portugal, de uma área governativa exclusivamente dedicada.

Como avalia os Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM), do ponto de vista do seu funcionamento e eficácia?

Os centros de apoio, nacionais e locais, à integração de migrantes (CNAIM e CLAIM) constituem uma boa prática não só em termos de acolhimento e integração de migrantes, mas também em termos de governação integrada e de modernização dos serviços públicos.
Os três Centros Nacionais de Apoio à Integração de Migrantes (CNAIM) localizados em Lisboa, Faro e Porto, realizaram, entre 2004 e 2020, quase 5 milhões de atendimentos.
Os CLAIM são, essencialmente, uma resposta de proximidade; neste momento contamos com 114 centros locais, distribuídos de norte a sul, tendo passado a atender refugiados desde 2016.
Durante a pandemia, apesar das restrições, a rede CLAIM tem tido um papel fundamental no apoio às populações imigrantes, refugiadas e ciganas, realizando mais cerca de 130 mil atendimentos em áreas que vão desde a regularização, e reagrupamento familiar, às questões de habitação, trabalho, educação e saúde.
Foi pelo conceito destes centros que o ACM venceu recentemente o Prémio de Serviço Público das Nações Unidas 2019, o mais prestigiado reconhecimento internacional de excelência, que distingue a inovação nas instituições e serviços para uma administração pública mais eficaz e com maior capacidade de resposta. Esta experiência de governança intersectorial dos CNAIM, está também a ser replicada noutros países como é o caso de Cabo Verde.

Portugal tem uma forte tradição e história enquanto povo emigrante, estando as nossas comunidades portuguesas espalhadas por mais de 180 países do mundo. E, portanto, conhecemos bem os problemas, as dificuldades e o sentimento de estar emigrado. Os imigrantes representam hoje cerca de 5% da população portuguesa. Considera que as políticas públicas em matéria de migrações e de integração, são as mais ajustadas e correspondem às necessidades? O sentimento de quem vem para Portugal é o de que o povo português acolhe bem os seus estrangeiros?

A população estrangeira representa hoje cerca de 6% da população residente em Portugal (660 mil), e esta percentagem inclui os retornados que nasceram em países africanos e vieram para Portugal depois de 1974.
Em termos de políticas públicas em matéria de migrações e de integração, Portugal sempre defendeu abordagens multilaterais, baseadas em solidariedade e direitos humanos, promovendo a cooperação com países de origem e de trânsito. Portugal é um bom exemplo disso, sendo um país de origem e de destino para as migrações.
Em muitos países da OCDE, a promoção da integração de migrantes segue uma abordagem que mobiliza toda a sociedade (whole of society), incluindo a administração central, local e a sociedade civil. Portugal é apontado como exemplo no desenvolvimento deste tipo de medidas desde as primeiras estratégias nacionais para as migrações em 2007.
As políticas de integração de imigrantes em Portugal estão também alinhadas com o Plano de Ação apresentado pela Comissão Europeia, que será implementado entre 2021 e 2027, e que promove a inclusão de todos, reconhece a contribuição importante dos migrantes para a UE e aborda as barreiras que podem impedir a participação e a inclusão de pessoas com percursos de migração na sociedade europeia.
Continuaremos empenhados no desenvolvimento de políticas e práticas de integração que visem melhorar as condições de vida dos imigrantes e das sociedades onde vivemos.
Importa referir que para o cumprimento deste objetivo, ou seja, para o sucesso destas políticas de acolhimento e integração de imigrantes, é preciso um trabalho que envolva, a participação e a cooperação de todas as entidades ao nível nacional e local e em particular dos próprios imigrantes.

O que é que na sua opinião atrai os imigrantes a virem viver e trabalhar para Portugal? Portugal será uma nova rota migratória ou é apenas ponto de passagem?


Portugal detém das políticas de integração mais favoráveis da Europa, vários relatórios internacionais e europeus, o confirmam. Neste momento tão crítico, quando os cenários de intolerância e indiferença parecem agravar-se na Europa, somos chamados a dar o exemplo. Retomar a Europa social é celebrar os valores humanistas, solidários e coesos, incluindo acolher imigrantes e refugiados que venham cá viver e trabalhar. É este o modelo que queremos manter e que se tornou fundamental para fazer frente à pandemia e é aquele que melhor nos prepara para uma recuperação pacífica e um crescimento equitativo.
Em matéria de políticas de integração de imigrantes e refugiados, é preciso continuar a trabalhar, realçando os contributos dos imigrantes para uma Europa mais sustentável ao nível económico, social e demográfico, reduzindo as desigualdades.
As Migrações são, e serão sempre, um motor de desenvolvimento social e económico, para as sociedades de origem e de destino, pelo que devem ser encaradas como uma importante fonte de riqueza e cooperação mútua.

É inevitável não falar da pandemia covid-19, que o país e o mundo estão a viver. Em julho de 2020, segundo dados do Infarmed, cerca de um quarto dos infetados no distrito de Lisboa eram imigrantes e 15,7% no Porto. Conhece os números atuais de infetados e de óbitos por parte dos imigrantes? Considera que estamos perante números relevantes?

Os últimos dados da Direção-Geral de Saúde referem que à data de 27 de janeiro, existiam em Portugal: 38 064 casos de cidadãos de nacionalidade estrangeira infetados com Covid-19, o que corresponde a 5,9 % do total de casos em Portugal. Em relação aos óbitos, desde o início da pandemia ocorreram 318 óbitos de cidadãos de nacionalidade estrangeira, que correspondem a 3,0 % do total de óbitos por COVID-19 em Portugal.
Não existe evidência de que estas infeções e mortes se encontrem fora dos parâmetros normais da população geral.
O critério utilizado nos dados de julho pode ter uma base geográfica, é na Área Metropolitana de Lisboa (AML) onde reside a maior parte dos imigrantes em Portugal. Depois, a AML é também a área onde existem as maiores desigualdades sociais e económicas. Muitos dos serviços que temos assegurados como nos supermercados, mercados, funcionários de limpeza, há uma grande representação de imigrantes que tiveram de continuar a trabalhar e não ficaram confinados. Aí, ficaram mais expostos.

Outro tema inevitável é a morte de Ihor Homeniuk. A Senhora Secretária de Estado admitiu ter ficado “completamente chocada” com a morte deste cidadão ucraniano no aeroporto de Lisboa, sublinhando que já estavam a ser tomadas medidas para que não volte a acontecer. Que medidas são essas? Este acontecimento não belisca a imagem de Portugal e o trabalho que faz em matéria de imigração e integração?

Em relação a este tema, reitero o que disse, a morte do cidadão Ihor Homeniuk deixou-me completamente chocada, principalmente quando Portugal se distingue por acolher bem os imigrantes, como já tive oportunidade de referir. Existiu desde o primeiro momento uma articulação estreita e permanente entre as várias áreas governativas envolvidas, nomeadamente o Ministério da Administração Interna, o meu gabinete e o da Ministra de Estado e da Presidência, tendo sido tomadas todas as diligências que cumpria assegurar e adotados os procedimentos no sentido de encontrar a melhor forma de garantir o respeito absoluto pelos direitos humanos. Como definido no Programa do Governo, estamos a trabalhar para reconfigurar a forma como os serviços públicos se relacionam com os imigrantes, adotando uma abordagem mais humanista e menos burocrática. A reestruturação em curso passa por assegurar que os imigrantes se relacionem com o Estado nos mesmos termos que qualquer cidadão.

Lançamos-lhe o desafio de deixar uma mensagem aos portugueses e imigrantes que terão o gosto de ler a sua entrevista?

Deixo a mensagem do Presidente da República: que os imigrantes sejam tão bem tratados em Portugal como gostaríamos que os portugueses fossem bem tratados nos países estrangeiros. Os imigrantes contribuíram com 884 milhões no último ano para a segurança social, que são usados para pagar as pensões e benefícios de todos os residentes em Portugal. Lembrarmo-nos deste aspeto e contarmos com os contributos dos imigrantes para o desenvolvimento e sustentabilidade das sociedades, em diversidade, demografia, empreendedorismo, inovação e competitividade é um desígnio que apela à abertura das sociedades de acolhimento porque, como afirma a Encíclica do Papa Francisco – Fratelli Tutti – sobre a Fraternidade e a Amizade Social, que recomendo a leitura, “As migrações constituirão uma pedra angular do futuro do mundo”.

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