Grande Entrevista Deputado Carlos Gonçalves

Político português do Partido Social Democrata, eleito pelo Círculo da Europa

Fotografia ©Joana Silva

Carlos Alberto Silva Gonçalves, 60 anos, deputado e político português, pelo Partido Social Democrata (PSD), licenciado em Geografia.
Está ligado aos Assuntos Europeus, aos Negócios Estrangeiros e Comunidades Portuguesas e à Defesa Nacional. Profissionalmente, desempenha o cargo de Técnico de Serviço Social e Cultural. Atualmente desempenha alguns cargos políticos, é Vice-Presidente da Comissão de Negócios Estrangeiros, Membro das Comissões de Assuntos Europeus e da Defesa Nacional,
Presidente da Sub-Comissão da Educação, Juventude e Desporto do Conselho da Europa e Presidente do Grupo Parlamentar de Amizade Portugal França. Recebeu a condecoração de “Chevalier de la Légion d’Honneur” – França, da Grã-cruz da Ordem de Mérito do Grão Ducado do Luxemburgo e a Medalha de Mérito das Comunidades Portuguesas.

Fotografia ©Joana Silva

Carlos Alberto Silva Gonçalves, é Deputado da Assembleia da República eleito pelo círculo da europa desde a IX Legislatura, ex. Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e, Técnico de Serviço Social e Cultural, de profissão. Quem é afinal o cidadão Carlos Gonçalves? O que gosta de fazer para além da política?

Toda a minha vida, e até por razões familiares, não estive só envolvido na política, mesmo enquanto estudante sempre estive envolvido no militantismo a vários níveis, e, portanto, a minha vida, independente dos meus hobbies teve sempre um fio condutor de tentar servir. Quem me conhece diz que existem dois Carlos Gonçalves, um que normalmente as pessoas conhecem e depois o outro com uma vida completamente diferente. Tenho um grande interesse pela cultura, muito particularmente pela música, interesso-me muito pelo desporto, e ao fim de muitos anos de estar na área da política externa como Membro da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa comecei a trabalhar uma área nova que é a educação e desporto e consegui ser eleito Presidente da Sub – Comissão da Educação e Desporto do Conselho da Europa.Fora o trabalho, existe um conjunto de atividades que desempenho na minha vida particular, que tem a haver com o meu território de origem e com a minha área de formação: sou geógrafo de formação e normalmente no meu círculo de amigos mais próximo tenho muitas pessoas que estudaram comigo e temos um conjunto de iniciativas muito associadas ao meio natural e ambiente e que eu normalmente não trago para a vida política.

Emigrante em França, licenciado em geografia pela Universidade de Paris, como surgiu a aventura política na sua vida? Ser deputado oriundo das Comunidades Portuguesas era um objetivo?

Eu sempre estive envolvido em várias iniciativas, e nunca estive há espera que as coisas acontecessem.
Entrei para o PSD em 1982, sou militante de uma única secção que é o PSD Paris e o meu objetivo nunca foi fazer política ativa, mas acabei por ser eleito Presidente do PSD em Paris.

Na prática, em que consiste o trabalho (desafio e missão), de um deputado, no seu caso eleito pelo Círculo da Europa? Como é o seu dia a dia?

O meu dia a dia é praticamente semana a semana, estou aqui no Parlamento de terça a sexta feira, dia em que costumo ir para casa (França), e muitas vezes quando já estou em França, costumo visitar pessoas do meu círculo eleitoral. É algo que é O meu dia a dia é praticamente semana a semana, estou aqui no Parlamento de terça a sexta feira, dia em que costumo ir para casa (França), e muitas vezes quando já estou em França, costumo visitar pessoas do meu círculo eleitoral. É algo que é cansativo, mas é preciso ouvir as pessoas, tenho muitas reuniões de trabalho ligadas ao meu partido, costumo envolver-me muito na política onde as comunidades vivem, e normalmente tento sensibilizar a comunidade e as forças políticas para a importância da mesma. Para mim é um fator decisivo para as comunidades nesses países, nomeadamente nos países da União Europeia, onde os portugueses têm oportunidade de votar e ser candidatos a uma grande parte das eleições. Não é uma vida fácil, mas eu costumo dizer uma coisa “um deputado da assembleia da república exerce uma das funções mais nobres que existe”. Poder representar os outros, uma democracia representativa, ter a possibilidade de ter uma independência, independentemente das disciplinas partidárias ter uma independência que poucos cargos políticos têm e servir as pessoas do seu círculo eleitoral e os nossos é uma função nobre e para mim uma honra muito grande. Não me posso queixar que isto é cansativo, cada deputado sabe ao que vem e se eu sentir que já não tenho condições de saúde, ou por outra razão, de poder continuar a exercer as funções como deveria exercer, então como é evidente o lugar nunca ficaria vago.

A função de deputado, sendo claramente um serviço de missão, e no caso de deputado pelo círculo da emigração, obriga-o a viajar muito, por forma a ter contacto com as comunidades portuguesas, como consegue conciliar vida pessoal e familiar?

Os meus filhos agora já são adultos, mas durante muitos anos foi extremamente complicado. Tentei sempre ir todos os fins de semana a casa, independentemente de onde estivesse, todas as segundas feiras tentava levá-los e buscá-los à escola e ao fim de semana levá-los às atividades desportivas. Dentro daquilo que era a minha possibilidade tentava estar sempre presente e cheguei a perder aviões por causa disso, mas fiz esse esforço durante muitos anos porque a política tem esse problema de nos esquecermos da família. Costumo dizer que ninguém consegue ser bom político se não conseguirmos ter uma harmonia familiar.
No fundo é a vida de muitos emigrantes que estão sempre de lá para cá e têm uma vida muito parecida com a minha. Foi uma escolha que eu fiz, agora são adultos, mas apesar de tudo são eles que julgam, mas pelo que sinto o saldo é positivo.

Verifica-se hoje uma nova tendência por parte das Comunidades Portuguesas, muitos portugueses a regressar a Portugal. Na sua perspetiva a que se deve este novo fenómeno? Desacreditar no país de acolhimento ou acreditar no país afetivo e das suas raízes – Portugal?

Eu não tenho essa ideia, e não corresponde à verdadeira essência. Isso corresponde a uma narrativa política que se pretende criar, mas infelizmente não é a realidade porque estamos a falar em emigrantes que já vão nas quartas e quintas gerações às vezes. Não falamos em voltar a Portugal porque essas pessoas já não são emigrantes. Os meus filhos nasceram em frança, portanto já não podemos falar que são emigrantes é o país onde vivem e onde fizeram a sua formação académica. E estas pessoas, de segundas, terceiras e quartas gerações como é evidente, o regresso a Portugal poderá até ser ser feito com investimento no plano profissional, mas não há essa tendência. A regra geral daqueles que voltam é de um ou outro jovem que emigra e a coisa não corre bem e de alguns estudantes que regressam da sua formação académica lá fora. Na primeira geração de emigrantes toda a gente quer regressar, o problema é quando se constitui família, o regresso fica complicado. A narrativa verdadeira é que as pessoas continuam a emigrar, até aqueles que têm maior nível académico porque não há oportunidades de âmbito profissional, sobretudo na área da investigação onde não há comparação possível entre a oferta que é dada por outros países àqueles que querem fazer investigação em Portugal.

A participação cívica e política dos portugueses residentes no estrangeiro é um processo que tem vindo a evoluir, assistindo-se hoje por exemplo a uma rede de eleitos bastante significativa, de políticos de origem portuguesa, mas também académicos, artistas, empresários. Considera que Portugal tem quase ignorado esta realidade, não dando o devido reconhecimento da sua importância para a afirmação de Portugal no Mundo?

Temos de separar em primeiro lugar os políticos. Realmente o que é feito relativamente aos políticos lusodescendentes é zero. Nós não temos desde 2015 nenhuma iniciativa virada para os lusodescendentes, quando bem ou mal, tivemos durante vários anos, governos com iniciativas viradas para esses políticos. A dimensão da representação política das nossas comunidades nas instituições e órgãos políticos dos países de acolhimento, ganhou em alguns países uma expressão inacreditável, por exemplo em frança devemos ter muito perto dos 10.000 portugueses que exercem cargos políticos nos municípios.

Inevitável não falar na pandemia! Que transformações a pandemia trouxe às Comunidades Portuguesas?

Desde logo como qualquer cidadão: a vida completamente alterada. E aí, seja em Portugal, França ou Brasil todos nós vivemos uma situação extremamente complicada, os próprios decisores políticos numa primeira fase tiveram que reagir e que nem se sabia muito bem como se poderia reagir, depois numa tentativa de controlar e depois numa terceira fase encontrar formas de superar esta epidemia que foi um enorme desafio para todos. Recordo-me nos primeiros tempos estavam portugueses das comunidades a falecer por covid ou por outra doença qualquer, e os corpos muitos deles não conseguiram muitas vezes serem transladados para Portugal, em que não foi feito funeral, situações dramáticas, porque também as suas famílias em Portugal não tinham capacidade para ajudar. Depois foi também muito complicado para alguns territórios em Portugal, em que as comunidades aqui no estrangeiro são investidoras e têm uma quota muito importante no seu desenvolvimento e durante estes tempos o investimento diminuiu. Para não falar das tradições e das festas que nada teve lugar durante este período, que fez falta nos territórios em Portugal e fez falta para os emigrantes. Portugal tem uma identidade forte e consegue manter uma relação afetiva às segundas, terceiras e quartas gerações. Houve aqui um corte abrupto.

Fotografia ©Joana Silva
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Que dificuldades tem sentido nestes tempos de pandemia no exercício das suas funções enquanto deputado pelo Círculo da Europa?

Não havendo iniciativas das comunidades não foi possível lá chegar. Uma das dificuldades foi ficar um mês e meio em casa com trabalhos feitos à distância e havia muito poucas reuniões plenárias. Durante os primeiros meses tive o trabalho de tentar resolver problemas, nomeadamente os consulares portugueses fechados, sem capacidade de resposta e na tentativa de ajudar as pessoas e com a colaboração de muita gente de autarcas, em Portugal, em França e autarcas de origem portuguesa em França, mas também na Alemanha, no sentido de resolver muitas questões de âmbito individual relacionadas com pessoas que estavam com dificuldades devido à pandemia. O trabalho parlamentar não só dos deputados da emigração foi alterado porque o contacto com o eleitorado diminuiu de forma gradual, mas durante algum tempo, o país esteve virado para questões relacionadas com a pandemia, o que fez com que orientássemos muitas vezes as nossas preocupações e prioridades para esse tema. Portugal e a Europa desde a Segunda Guerra Mundial que não tinham uma situação tão difícil de gerir como esta.
O que se passou com a pandemia deve fazer-nos a todos refletir sobre um conjunto de matérias, que tem a haver com a capacidade de no plano europeu trabalharmos em conjunto e ter uma autossuficiência sanitária para combater estes problemas e não estarmos dependentes de outros mercados.

O movimento associativo das Comunidades Portuguesas foi igualmente uma das áreas muito afetadas com a pandemia, levando muitas associações a fechar portas. Como se trata neste momento esta situação?

O movimento associativo é essencial. O movimento associativo tradicional, foi muito importante para todos os portugueses principalmente para a sua integração e hoje é o principal ator cultural e um complemento muito importante na divulgação da língua portuguesa. Portugal tem de estar grato ao movimento associativo da diáspora que fez um trabalho excecional. A pandemia quebrou o plano de atividades de algumas associações que subsistiam na base dos eventos que organizavam e acabaram por ficar numa situação dramática sendo que várias infelizmente encerraram. Outras continuam abertas, mas funcionam com menos valências.

Sendo a aprendizagem da língua portuguesa para as nossas comunidades emigrantes, um elemento de ligação a Portugal, além do bilinguismo significar uma enorme vantagem, quer em termos de percurso académico, quer em termos de inserção no mercado de trabalho, considera que a rede do EPE e as políticas de promoção do ensino de português no estrangeiro estão a cumprir bem o seu papel e os objetivos preconizados?

Aquilo que eu acho é que continuamos a ter uma rede de ensino de português no estrangeiro igual ao que existia à muitos anos atrás. Em alguns países ainda nem sequer se adaptou à nova realidade. Ainda não se adaptou a oferta à procura. Depois temos o problema do estatuto da língua nomeadamente no Círculo Eleitoral da Europa, onde dois grandes países a França e o Luxemburgo perderam esse estatuto. Temos que reforçar o ensino do português integrado nos cursos oficiais locais.

O Conselho das Comunidades Portuguesas enquanto órgão de proximidade, face ao conhecimento da verdadeira realidade local por parte dos conselheiros, não considera ser demasiado redutor ser um órgão de exclusiva consulta do Governo e de colaboração com a Assembleia da República?

Há uns anos atrás propus que houvesse a possibilidade do Conselho das Comunidades ficasse na dependência da Assembleia da República. Na altura só tive dois Conselheiros que me apoiaram. O Conselho das Comunidades Portuguesas percebe que o facto de ser só conselheiro consultivo do governo lhe reduz capacidade de intervenção. Os Conselheiros estão a tentar garantir que a função que exercem seja reconhecida. Os Conselhos das Comunidades são fundamentais para quem exerce cargos de deputado da Assembleia da República, de Presidente de Câmara, daqueles que querem tomar decisões sobre investimentos em Portugal , sobre a língua, a cultura, o apoio social, todo o movimento associativo, por isso deve ser uma entidade que deve ter capacidade de intervir. As novas tecnologias estão a permitir um maior trabalho de colaboração.

Fotografia ©Joana Silva

Na última década muito se tem falado da diplomacia económica, da internacionalização das empresas portuguesas, do aumento das exportações e da extraordinária importância das Comunidades Portuguesas para a dinâmica e desenvolvimento económico de Portugal. Considera que as ações, políticas e iniciativas, como por exemplo os “Encontros de Investidores da Diáspora”, que têm sido desenvolvidas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, são a tomada de consciência desta realidade e importância vital, e a vontade do Governo em potenciar esta vertente, ou é simplesmente mera operação de cosmética e propaganda política?

Talvez as duas coisas ao mesmo tempo. Durante muitos anos houve encontros de empresários que eram focados com determinados objetivos. Juntar cerca de 200 empresários numa sala a jantar ou a falar pode ser interessante, mas não existe o foco no verdadeiro objetivo e o tempo é curto. E desde o ano passado, a ideia era juntar 200 empresários sobre uma área especifica e procurar interação e experiência na relação com Portugal e investimento. Em termos práticos não me parece ser a melhor forma porque os empresários têm sempre algum interesse por detrás, eles têm de sentir que este tipo de iniciativas os valoriza a eles próprios, mas também que valoriza a relação económica com o país de origem. E, depois falar para um empresário da diáspora que vem de França ou dos EUA, como se fala para um empresário de Portugal não é bem a mesma coisa. Há empresários que não querem nenhum tipo de apoio, querem a desburocracia, não querem ser enganados no investimento.

Em 2018 foi aprovado um conjunto de alterações à lei eleitoral, dirigidas aos portugueses residentes no estrangeiro, permitindo um recenseamento automático, passando os cadernos eleitorais de poucas centenas de eleitores, para mais de um milhão de eleitores. Considera que as condições criadas acompanharam estas alterações legislativas, ou considera ser uma excelente autoestrada, mas impedida de se transitar? E em relação ao voto eletrónico que há muito que o defende. Qual é hoje a realidade nesta matéria?

O recenseamento eletrónico não é bem automático, ou seja, a pessoa não é recenseada automaticamente. Em 2018 quando surgiu uma discussão com o governo pretendíamos associar o voto por correspondência ao voto presencial. Se nas eleições presidenciais e europeias os imigrantes não podem votar por correspondência, e só podem votar para as eleições legislativas, isso limita o direito de voto. O Governo pretende fazer um teste de voto eletrónico online para as eleições do Conselho das Comunidades Portugueses; eu espero que no país onde façam esse teste, que haja uma grande campanha de informação para que o voto eletrónico possa ser um sucesso.

Que grandes desafios e prioridades tem hoje na sua agenda em termos de políticas para as Comunidades Portuguesas, sobretudo, no espaço da Europa, tendo presente o seu desígnio de continuar a contribuir para a resolução dos problemas das pessoas?

Quero continuar a servir as comunidades portuguesas e defender temas fundamentais e fulcrais, como a afirmação das comunidades portuguesas nos países onde vivem e que vai mudando ao longo do tempo, procurar muito criar condições para que as nossas comunidades nos países onde residem se possam afirmar no plano político, depois também na parte cultural e empresarial que vem praticamente associada ao plano político.

Gostava de deixar uma mensagem e/ou uma saudação aos leitores da Descendências Magazine, tendo presente que o seu público são os portugueses espalhados pelo mundo?

Em primeiro lugar gostaria de enaltecer a revista porque trabalhar nesta área é das mais difíceis que há – o jornalismo. Desde logo o mérito por lançarem a revista. Em segundo lugar, a questão dos lusodescendentes é essencial porque são pessoas naturais de outros países, na maioria têm nacionalidades de outros países, mas têm aquela relação afetiva com Portugal que nós devemos explorar e potenciar desde logo a relação bilateral com os países. Gostaria de dizer aos leitores que devo o meu percurso político ao meu partido, aos meus militantes, que se não fossem eles muitas políticas não tinham avançado e das quais me orgulho muito. Ser deputado eleito pelo Círculo da Emigração é extremamente gratificante, tanto mais que o meu país e o país dos leitores da Descendências são estes mesmos, uma realidade espalhada pelo mundo. É bom que em Portugal se perceba que o futuro e o desenvolvimento do país para que possa ter sucesso temos de contar com todos. Os emigrantes estão sempre dispostos ajudar Portugal sobretudo nos momentos de maior dificuldade. É uma mensagem de enorme gratidão. Eu devo o meu percurso político aos portugueses residentes no estrangeiro.

A Descendências Magazine agradece-lhe novamente por nos ter concedido esta entrevista.

Eu é que agradeço, foi um prazer.

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