Grande Entrevista Luís Cabral

Fotografia ©Patrícia Silva

Nome sonante na investigação e ensino da Economia. Doutorado pela Universidade de Stanford e licenciado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa, ao longo do seu percurso profissional já passou por algumas das universidades mais prestigiadas a nível mundial, sendo atualmente docente na NYU e na AESE. A Descendências Magazine esteve à conversa com aquele que é considerado o maior especialista nesta área para compreender um pouco melhor os desafios e futuro da economia portuguesa.

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É doutorado pela Universidade de Stanford, licenciado em Economia pela Universidade Católica Portuguesa e tem mestrado na mesma área pela Universidade Nova de Lisboa. Atualmente, é professor de Economia na NYU (New York University). Mas muito mais havia para dizer. Deixando os cargos e ofícios de lado, quem é Luís Cabral?

Luís Cabral é uma pessoa que teve o privilégio de nascer num País, num século e numa família excelentes. Viajou muito pelos cinco continentes, tendo conhecido sítios e pessoas interessantíssimas, mas estes périplos apenas aumentaram a sua preferência pelos países de origem e residência. Interessa-se por muitas coisas mas não se vê realmente como autoridade em nenhuma (e isso inclui, sem falsa modéstia, a Economia). Enfim, revê-se na conhecida expressão em inglês: “Jack of all trades, master of none.”

Nasceu em 1961 numa família de artistas. No entanto, enveredou pela área da Economia, sendo, inclusive, considerado um dos melhores especialistas portugueses nesta área. Em que momento da sua vida se começou a interessar por Economia?

Descobri a Economia um pouco por acaso. Quando estava no liceu, o meu plano era estudar Arquitetura ou Matemática. No entanto, nos anos do PREC (os anos a seguir a 74), muitas universidades portuguesas entraram em caos: ou havia greve de alunos, ou havia greve de professores, ou ambos. Nesse contexto, quando dois colegas do liceu me falaram da Universidade Católica (onde as coisas estavam mais calmas), decidi seguir o exemplo deles.
A Católica oferecia Gestão, Economia e Direito. Mais uma vez seguindo os meus amigos António João e René, escolhi Gestão, mas quando começámos a entrar propriamente nas cadeiras de Gestão (2º e 3º ano), percebi que aquilo não era para mim. Nesse momento, era tarde de mais para recomeçar o curso numa universidade diferente, enquanto que mudar para Economia na Católica foi um passo relativamente mais pequeno.
Na Católica (e depois na Nova, onde fiz o mestrado), fui muito influenciado por dois professores, António Borges e Diogo Lucena, que me encorajaram a fazer o doutoramento em Economia, o passo mais “definitivo” na escolha da carreira académica de Economia. Quando em 1985 comecei o programa em Stanford, foi-me oferecida a possibilidade de mudar para o doutoramento de Matemática em Berkeley. No entanto, tomei a decisão de continuar com a Economia, que, feitas as contas, é uma ótima combinação entre a vertente humanista de uma ciência social e o formalismo da Matemática.

Ao longo do seu percurso profissional já passou por algumas das instituições de ensino mais prestigiadas do planeta: Universidade Nova de Lisboa, London Business School, London School of Economics, Berkeley, Yale, IESE. Atualmente, ocupa a cátedra Paganelli-Bull de Economia na New York University. Se olharmos para a realidade nacional, a Nova School of Business and Economics (Nova SBE), da Universidade Nova de Lisboa, é considerada a melhor instituição de investigação em economia em Portugal. Mas os principais economistas portugueses estão em universidades estrangeiras. Porquê?

Em segundo lugar (já falarei do primeiro), temos a questão salarial. O salário médio de um professor nos Estados Unidos é um pouco superior ao salário médio de um professor em Portugal. No entanto, enquanto que os salários em Portugal são essencialmente uniformes, nos Estados Unidos há uma grande variação, largamente correspondente à variação da produção académica. Sendo assim, os professores em universidade de topo nos Estados Unidos são muito mais bem compensados do que em Portugal.
Em primeiro lugar, no entanto, estamos perante um problema de ovo e galinha. Por que é que os jogadores de futebol gostam de jogar na Premier League? A resposta mais simples é: porque os melhores jogadores jogam na Premier League! Mais: muitos jogadores preferem uma equipa de segunda linha em Inglaterra a uma equipa de topo em Portugal por esse mesmo motivo.

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A falta de progressão na carreira, que não valoriza a investigação, tem sido determinante para esta realidade?

Não tanto a falta de progressão na carreira como a falta de recursos. Aliás, isto é particularmente importante em áreas científicas que requerem espaço de laboratório e outros recursos semelhantes. Embora Portugal tenha feito um grande e louvável esforço neste sentido, a assimetria de recursos ainda é muito significativa.
Um outro aspeto relacionado é a cultura. Muito mudou nas últimas décadas, mas diria que, no balanço entre meritocracia e equidade, a cultura portuguesa ainda põe muito peso na “equidade” (entre aspas, pois trata-se mais de igualdade do que equidade). Um exemplo pessoal que não é muito importante mas serve com exemplo: Quando “pus os papeis” para promoção a professor associado, um colega da Nova, muito sensível a questões de equidade, chamou-me a atenção para o facto de que estava a passar à frente de outro colega que tinha sido nomeado professor auxiliar antes de mim. Este tipo de observação não faria sentido numa universidade americana.

Que soluções poderiam ser criadas para tentar manter estes “super-talentos” em Portugal, ou pelo menos trazê-los de volta?

Várias instituições têm tomado várias iniciativas nesse sentido — e com sucesso. Continuando a resposta às perguntas anteriores, é uma questão de cultura e de recursos materiais. Oxalá houvesse mais Fundações Champalimaud em Portugal… Mas deixe-me repetir, para não parecer muito negativo, que se tem feito muito progresso. Quando pensei seriamente em fazer um doutoramento (por volta de 1982 ou 1983), o número de doutorados por ano em Portugal era inferior a 200. Hoje em dia, é superior a 2000.

É autor do livro “Introdução à Organização Industrial”, publicado pela MIT Press, traduzido em sete línguas e adotado por universidades em países de baixa renda. Para além disso, recentemente, lançou o livro “Introdução à Microeconomia” onde defende que é preciso repensar o ensino da Economia. Por onde deverá então passar o futuro do ensino da Economia?

Trata-se de dois manuais de cadeiras da universidade. O livro “Introdução à Organização Industrial” é um pouco mais avançado (talvez nível de mestrado) e relativamente convencional. Aliás, embora tenha sido atualizado recentemente, já tem mais de 20 anos. Deu-me gosto escrevê-lo e tem-me dado enorme gosto receber cartas e mail de centenas de universidades pelo mundo fora e saber que milhares e milhares de alunos de alguma forma beneficiaram com a leitura do livro.
“Introdução à Microeconomia” é um caso diferente. Desde logo, em vez de seguir os circuitos normais, decidi publica-lo como livro gratuito disponível de forma digital. É o futuro, parece-me. Em segundo lugar — e este é o aspeto mais importante — é um projeto mais ambicioso: os livros de introdução à Microeconomia não mudam essencialmente desde os anos 1940. Se se tratasse de Álgebra Linear ou Mecânica Clássica o problema não seria grave (ao nível introdutório, a Álgebra Linear e a Mecânica Clássica não mudaram muito nas últimas décadas). No entanto, a Economia é uma ciência social, e a sociedade mudou muito nas últimas décadas. A forma de pensar de muitos economistas também mudou (falo por mim). Conclusão: precisamos de atualizar a forma como ensinamos a disciplina.
Trata-se de um projeto em curso. Começou durante o princípio da pandemia (quando tive algum tempo livre extra), e espero que continue nos próximos anos — mas a versão 1.3.1 já está disponível para descarga. Tanto quanto sei (baseado em mensagens que me enviam) já está sendo utilizado em várias universidades em vários países. Espero que o número continue a crescer!

Nesta obra faz também críticas à insensibilidade dos economistas, afirmando que estão tão condicionados a pensar na economia de mercado como processo de criação de riqueza, que se esquecem de pensar noutros aspetos. Considera que a Economia deve ser, cada vez mais, vista como uma ciência social, que trata de pessoas, de famílias e empresas com histórias e emoções?

Sim. A Economia como disciplina foi muito influenciada por uma série de autores do século XIX que tinham uma visão muito mecanicista e formal da Economia (aliás, vários eram matemáticos ou físicos). Ao longo do século XX, a Economia auto-proclamou-se a “Rainha das Ciências Sociais”, mantendo um certo desprezo por outras disciplinas como a Sociologia, a Psicologia, a História, a Filosofia, etc. É pena, pois neste processo perdeu-se muito input que teria ajudado a Economia, os economistas, e em última análise a política económica. Felizmente, a situação tem mudado durante as últimas décadas.

Afirma ainda que “a tecnologia e a economia nos colocaram numa situação insustentável”. De que forma?

Há muitas atividades económicas que implicam custos para terceiros não envolvidos na transação. Por exemplo, se eu tenho uma central de carvão vou ter um lucro X mas não tomo em consideração o custo Y que vou impor ao resto do mundo (nomeadamente como resultado das emissões de CO2). Os economistas referem-se a isto com o termo “externalidade” (a minha atividade económica tem um efeito “externo”, isto é, em terceiros). A insistência dos economistas nas vantagens do mercado (que são muitas) e o progresso tecnológico (que é causa e consequência do crescimento económico) levaram à grande prevalência deste tipo de atividades, o que por sua vez nos colocou na crise climática que vemos e antevemos. Por outro lado, se o mercado é um ótimo instrumento de crescimento económico, não é por si só garantia de equidade na distribuição de recursos. Aliás, no contexto da economia digital, temos argumentos teóricos e práticos de que o mercado leva “naturalmente” a um agravamento das desigualdades económicas.
Em resumo, temos aqui um problema de sustentabilidade. Hoje em dia, quando se fala em “sustentabilidade”, as pessoas pensam principalmente em sustentabilidade biofísica, mas temos também de considerar a sustentabilidade social.

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Se foi a tecnologia que nos colocou nesta situação, então apenas a tecnologia e a economia nos podem tirar dela?

Sim. Ativistas como a Greta Thunberg ou os coletes amarelos têm prestado o importante serviço de chamar a atenção para a insustentabilidade da situação presente. No entanto, quando se trata de políticas concretas, as soluções que propõem deixam muito a desejar. O facto de o mercado e a tecnologia terem sido mal utilizados no passado não significa que não sejam excelentes instrumentos — em muitos casos os melhores instrumentos — para resolver os problemas mais prementes do mundo atual.

O ano passado desafiou o Estado português a pensar num novo modelo de Segurança Social e de impostos. Nesse contexto, defende que seja criado “um sistema progressivo de tributação do rendimento”. De que forma este modelo contribuiria para um sistema social sustentável, capaz de combater os níveis de desigualdade que continuam a aumentar no nosso país?

Clarificação: o aspeto central da minha proposta não é o sistema progressivo de tributação do rendimento. O aspeto central da minha proposta é a separação da segurança social do emprego.
Deixe-me tentar explicar a ideia referindo-me do sistema de saúde nos Estados Unidos. A maior parte das pessoas têm um seguro de saúde através da entidade empregadora. Isto significa que, se eu não tiver emprego, então não tenho seguro de saúde. Isto não é exatamente assim, nomeadamente porque o “Obamacare” melhorou a possibilidade de ter um seguro de saúde mesmo sem estar empregado. No entanto, grosso modo, o facto é que o acesso à saúde está muito ligado ao emprego — e isto explica, em boa parte, porque é que milhões e milhões de americanos não têm seguro de saúde (e, por conseguinte, têm um acesso muito limitado aos cuidados de saúde).
Quando explico isto a um português (que tem acesso ao SNS), a resposta é que o sistema americano não faz sentido nenhum. Como é possível que o acesso à saúde esteja ligado ao emprego? Não faz sentido, concordo. Aliás, faz cada vez menos sentido num século em que a estabilidade do emprego é cada vez menor.
Mas então consideremos agora o caso português (aliás, o caso de muitas economias da OCDE). Por que motivo o acesso à segurança social está ligado ao emprego? Uma pessoa que não tenha estado empregada não tem acesso ao apoio do Estado durante a velhice? O problema não é só isso. Por causa do sistema de financiamento da segurança social e por outros motivos fiscais, para que um empregador pague 500 euros ao empregado, tem de gastar efetivamente mais do que 1.000 euros. Não surpreende assim a relutância das empresas em criar mais postos de trabalho.
Por estes motivos, se eu fosse o Primeiro Ministro, a primeira coisa que faria seria separar o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social em Ministério do Trabalho, por um lado, e Ministério da Solidariedade e Segurança Social, por outro.
Depois, eliminaria toda a tributação do trabalho, de forma que, para dar 500 euros ao empregado, a empresa teria de gastar exatamente 500 euros. A diferença entre salário bruto e líquido (“500 euros limpos”, como se diz correntemente) deixaria de fazer sentido. Os recibos verdes provavelmente passariam à história.
Seguidamente, criaria um sistema universal de contas individuais de segurança social: Independentemente do estatuto laboral, cada cidadão português tem uma conta onde, desde que nasce até quando morre, o Estado deposita anualmente um certo montante. Digamos que se trata de uma adaptação do Rendimento Básico Universal mas para a segurança social. Esta conta individual é então utilizada para despesas autorizadas (e.g., saúde, educação, seguro de desemprego), bem como para a reforma.
Claro que isto implica uma grande despesa para o Estado, o que por sua vez requer alguma forma de financiamento. E é assim que terminamos na necessidade de criação e reforço de um imposto (progressivo) sobre o rendimento (para além do IVA e outras fontes alternativas de financiamento).

Podemos então afirmar que, além da reforma fiscal, o que precisamos é de uma reforma da máquina fiscal?

Sim.

Passando agora a outro tema, bem conhecido dos portugueses: TAP. Como todos sabemos, a TAP é um buraco financeiro. Já se tentou tudo: nacionalização com gestão direta pelo Estado, gestão desgovernamentalizada, privatização quase integral, participação estatal no capital social, injeção de capitais públicos e, até agora, nada resultou. Só faltava voltar a nacionalizar. Todos os instrumentos da presença do Estado já foram usados e falharam e este também vai voltar a falhar?

Muito provavelmente vai falhar. Samuel Johnson escreveu que “um segundo casamento é a vitória da esperança sobre a experiência”. As diversas tentativas de salvar a TAP têm mostrado o mesmo.

Os planos para a injeção de quase mil milhões de euros nos cofres da TAP em 2022 mantêm-se. Tanto o governo como a TAP garantiram que o cheque passado à companhia aérea é suficiente e que não será necessária uma nova injeção de dinheiro. Pedro Nuno Santos, Ministro das Infraestruturas e da Habitação de Portugal, assegurou que o plano de reestruturação da TAP está a ser cumprido e que a transportadora está “no caminho certo para se tornar ‘viável’ e servir a economia nacional”. Não estarão os prejuízos históricos da TAP de 1599,1 milhões de euros a ser indevidamente desvalorizados?

De acordo.
Por outro lado, é importante dar um passo atrás e pensar na raison d’être de uma companhia nacional. Um primeiro argumento é que, se as grandes nações europeias têm uma companhia nacional, então nós não podemos ficar atrás. Se a Alemanha tem a Lufthansa, então Portugal tem de ter a TAP. Mas o PIB da Alemanha é 17 vezes superior ao de Portugal. São ordens de grandeza diferente. Nesse sentido, faz mais sentido comparar com um país como a Bélgica. Tanto quanto consigo perceber, a Bélgica e os belgas sobreviveram apesar de a Sabena, a companhia nacional, ter declarado falência. Nunca ouvi falar no trauma nacional da Bélgica sem a Sabena. (Existem duas companhias com nome relacionado com a Bélgica: a Brussels Airlines, propriedade da Lufthansa, e a Air Belgium, companhia privada.)
O outro argumento, repetido pelo presente governo e por governos anteriores, é que a TAP tem um “valor estratégico”. Não é totalmente evidente qual o significado deste “valor estratégico”. Tanto quanto consigo perceber, o trata-se de garantir certas ligações prioritárias, por exemplo, a ligação de Portugal às ilhas (Açores e Madeira) ou porventura a alguns dos PALOP. A ideia é que, sem uma TAP (nomeadamente uma TAP nacionalizada), estas rotas ficariam em perigo, o que por sua vez levaria a danos significativos para a economia e sociedade.
Este argumento também em parece muito fraco. Penso que seria muito mais fácil chegar a um acordo com uma linha aérea estável para fazer as tais ligações estratégicas. Isto provavelmente exigiria que o governo subsidiasse a companhia em questão, mas estou convencido que ficaria tudo muito mais barato do que cobrir os défices da TAP e o serviço de uma dívida monstruosa.

Aproveitando a oportunidade de estar à conversa com um dos melhores economistas, falemos da economia portuguesa pós-25 de abril. Se repararmos a economia mais do que duplicou em dimensão desde o 25 de abril. No entanto, o ritmo de crescimento abrandou e no desemprego, na dívida pública e na gestão orçamental não conseguiu ainda regressar aos níveis anteriores a 1974. Na sua opinião, o que falta fazer para reverter esta tendência?

Quais são as partes da economia portuguesa que funcionam e quais são as partes que não funcionam? Não é fácil responder a esta pergunta. A tentação é dizer que este ou aquele sector é responsável pelo nosso atraso. O problema é que, em qualquer sector ou indústria ou atividade, encontramos uma enorme variação. Por exemplo, há escolas públicas excelentes e há escolas públicas péssimas, da mesma forma que há escolas privadas excelentes e escolas privadas péssimas. Esta variação também se encontra quando falamos da qualidade do Sistema Nacional de Saúde, da eficiência do sector público administrativo, da produtividade das empresas e de muitos outros sectores e indicadores económicos.
Esta observação é importante pelo seguinte motivo: A melhor forma de aumentar a produtividade das empresas (para dar um exemplo concreto) não é aumentar a produtividade de cada empresa. Isto parece uma contradição mas não é: A melhor forma de aumentar a produtividade das empresas é desativar as empresas com menor nível de produtividade. Este é um dos grandes benefícios da economia de mercado e, de uma forma mais geral, da meritocracia. Ora, apesar de muitas reformas iniciadas nos anos 80, Portugal ainda tem um grande défice de meritocracia a vários níveis. O tratamento equitativo muitas vezes traduz-se em tratamento igualitário, e isso é uma péssima ideia de um ponto de vista de eficiência económica.

No final de 2021 notícias davam conta que mais de 1,6 milhões de portugueses vivem abaixo do limiar da pobreza, uma realidade que afeta famílias numerosas, mas também quem vive sozinho, idosos, crianças, estudantes e trabalhadores. Hoje, ter um emprego não é garantia de não ser pobre e Portugal está, aliás, entre os países da Europa com maior risco de pobreza entre trabalhadores. Fazendo referência ao famoso filme de 2007 “Este país não é para velhos”, podemos afirmar que este país não é para trabalhadores, pelo menos não para todos?

Nunca tinha pensado na aplicação (adaptada) do filme dos irmãos Cohen, mas faz todo o sentido: Este país não é para trabalhadores. Em certo sentido. A adaptação que eu escolheria, no entanto, é: Este país não é para jovens trabalhadores. O problema é que facilmente confundimos a proteção do emprego com a proteção do empregado. Um sistema laboral e social com muitos benefícios sociais (pagos pelo empregador) e restrições laborais (nomeadamente no despedimento) é ótimo para as pessoas que estão empregadas. No entanto, diminui muito o incentivo das empresas para criar novos postos de trabalho, enquanto que aumenta o incentivo das empresas para investir em automação. O resultado disto é que há muito poucos empregos (de jeito) para os jovens. Nesse sentido, o sistema protege os empregados mas não protege o emprego.

Pode ler-se no site do Ministério dos Negócios Estrangeiros que “Portugal está entre as 50 maiores economias do mundo e encontrava-se até 2020 com perspetiva positiva de crescimento, mas que o choque económico decorrente da crise causada pela pandemia do vírus SARS-CoV-2 colocou um travão nesta tendência, provocando uma queda acentuada da atividade. No entanto, hoje, com a campanha de vacinação e as políticas públicas de apoio, as previsões macroeconómicas apontam para a recuperação da economia nacional, que deverá atingir o nível de produto pré-pandemia após o 3º trimestre de 2022, segundo dados da OCDE”. Afinal como anda a economia portuguesa e como perspetiva o seu futuro?

Ainda bem que faz essa pergunta, pois até agora tenho sido muito negativo no que respeita à economia portuguesa. A verdade é que sou relativamente otimista no que respeita às perspetivas do País. Porquê? Em primeiro lugar, demos um passo enorme no campo da educação: entre 1978 e 2003 (uma geração), a percentagem de portugueses que estudam na universidade aumentou 5 vezes! Quando olhamos para o número de doutorados, o crescimento foi ainda maior. Esta verdadeira “explosão” do capital humano em Portugal já vai tendo efeito no campo da tecnologia e da inovação empresarial. Sei de pelo menos quatro unicórnios (empresas com valorização de mais de mil milhões de dólares) com ligação portuguesa: a Farfetch, a OutSystems, a Talkdesk, e a Feedzai. E estes quatro unicórnios não são casos únicos ou isolados.
Em segundo lugar, Portugal está numa ótima posição num século em que convergimos cada vez mais rapidamente para uma economia digital e não-espacial. Isto significa que, para muitas pessoas, a escolha do local de residência tem cada vez menos a ver com o trabalho. Note-se, por exemplo, a recente imigração de californianos para Portugal. Muitos deles são profissionais que, devido à natureza do seu trabalho (e.g., escritor ou engenheiro de software) podem perfeitamente viver em Portugal mesmo que os seus clientes estejam na Califórnia. Outros imigrantes da Califórnia são reformados, e Portugal tem excelentes condições para atrair reformados. É verdade que a pandemia teve um impacto muito negativo no sector do turismo, mas a tendência da nossa economia é expandir a exportação de serviços para segmentos que menos sensíveis a perturbações como é o caso do turismo.
Há muitas coisas em Portugal que ainda não funcionam bem, mas há também uma grande promessa de crescimento e desenvolvimento.

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