«Porque» ou «por que»

Antes de avançarmos sem medo para a Grande Questão do «Porque», deixem-me falar-vos do «de que».

Conta Fernando Venâncio que uma amiga sua achava ser um grande erro a construção «informar de que». O professor, com infinita paciência, lá explanou as razões por que a construção é correctíssima.

Atrevi-me a comentar que, talvez, o horror ao «de que» viesse do velho boneco da Contra-Informação que punha o mais famoso presidente de clube de futebol do país a repetir vezes sem conta a construção errada «penso eu de que». Inconscientemente, muitas pessoas podem ter começado a associar «de que» a um erro. Só que o «de que» (ai, tanto «que»!), se não deve ser usado depois de «pensar», não está errado em verbos como «informar» (leiam a explicação de Fernando Venâncio, que vos dá ainda uns cheirinhos de boa literatura que não são de deitar fora).
«porque»ou «por que»-Ora, mas o que nos trouxe aqui não foi o «de que», mas o «porque». Contei-vos a história acima para vos dizer isto: parece-me a mim que o velhinho e inocente «porque» sofreu um ataque impiedoso dos irritados da língua muito parecido ao ataque contra o «de que».

Não posso confirmar (não passa duma suposição), mas parece-me que a necessidade de corrigir construções como «porque razão» (que deve ser escrita «por que razão») levou muitas pessoas a achar que o «porque» deve ser escrito sempre em duas palavras: «por que». Ou seja, criou-se ali uma irritação inconsciente, qualquer coisa que parecia mal e servia perfeitamente para atacar o português dos outros, desporto em que muitos se esforçam todos os dias.

Resultado? Como sabemos, os paniqueiros da língua inventam sempre uma lógica qualquer muito limpinha (e, quase sempre, errada) para justificarem a irritação e a proibição que começam por aí a espalhar.

Assim, começou a ouvir-se que o advérbio interrogativo «porque», no fundo, tinha sempre implícita a palavra «razão» ou «motivo» e, por isso, não era um advérbio interrogativo, mas antes parte decepada duma expressão maior. Conclusão: o «porque» no início duma frase teria sempre de levar um espaço no meio.
Acabámos por ter de aturar insultos a quem escreve frases como «Porque existe a guerra?» ou «Porque fizeste isto?». E, quando digo insultos, não estou a exagerar.

Já tive quem me acusasse, num comentário a um artigo, desse terrível erro: o uso do «porque» sem espaço no meio das sílabas. Não chegou ao insulto, mas tive direito a três pontos de interrogação, para perceber bem quão ignorante sou.

Não é que as regras sobre esta questão não sejam complexas. O curioso é que os irritadíssimos acusadores dos «porques» alheios querem impor uma regra muito simplificada e errada, enquanto acusam os demais de escreverem mau português. Se for preciso, ainda acabam o discurso com uma crítica à «decadência do português» e ao «facilitismo do ensino». Ironias.

Se quiserem perceber um pouco melhor toda esta questão do «porque» ou «por que», aconselho-vos a começar pelo Ciberdúvidas: sempre está à distância dum clique. Mas, se não tiverem tempo, fiquem pelo menos com esta na cabeça: todos nós podemos usar «porque» no início duma pergunta. Não só não vem mal ao mundo, como está correctíssimo.

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

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