Grande Entrevista Luís Miguel Ribeiro

Presidente da Associação Empresarial de Portugal

Fotografia ©Tiago Ribeiro

Luís Miguel Ribeiro nasceu em Amarante, no Norte de Portugal. É Licenciado em Gestão Financeira e Fiscal com Mestrado em Gestão e Negócios. Iniciou a sua vida profissional em 1993, tendo ocupando diversos cargos na área de gestão financeira e desenvolvido atividade empresarial, em vários setores, com enfoque especial na gestão financeira e de recursos humanos. Foi também professor nas áreas de Economia e Gestão. Hoje, é o Presidente da AEP – Associação Empresarial de Portugal e Presidente da Fundação AEP, sendo também Vice-Presidente da Comissão Executiva da CIP – Confederação Empresarial de Portugal.

Deixando os ofícios e posições de lado, quem é Luís Miguel Ribeiro?

É um cidadão que, desde muito novo, se empenhou e esteve sempre disponível para participar na vida social e na vida de diversas associações, sejam elas de carácter desportivo, cultural, empresarial ou social. Sempre fui, e continuo a ser, um cidadão ativo, participativo, interventivo e que considera que o país para se desenvolver precisa de instituições fortes, ativas, dinâmicas. Considero que hoje a envolvência e a participação das pessoas nestas instituições tem sido menos intensa do que aquilo que seria necessário para dar efetivos contributos ao nosso país. Aproveitando a oportunidade, gostava de sublinhar isto. Sublinhar a importância de participarmos na vida das instituições, de darmos o nosso contributo. O desenvolvimento de um país também se faz, em muito, por este contributo que se dá às instituições e à dinâmica social e pela participação cívica de cada um de nós, para além daquilo que é a nossa atividade profissional.

Para além da atividade como empresário, a atividade associativa empresarial também faz parte da sua vida há muito tempo. Sendo que, em termos associativos, foi Presidente da AEA – Associação Empresarial de Amarante (2008-2016), Fundador e Presidente do CETS – Conselho Empresarial do Tâmega e Sousa (2012-2016). E desde 2018, é membro da Comissão Executiva do Concelho Regional do Norte da CCDR-N e Diretor do Instituto Empresarial do Tâmega. Podemos afirmar que esta veia associativa, que assume desde muito jovem, naturalmente, o “empurrou” para este grande projeto que lidera desde 2019?

Sim. Este grande projeto vem na sequência do conjunto de outras funções que fui tendo noutras instituições e associações empresariais. Tal como disse e muito bem, fui Presidente da Associação Empresarial de Amarante. Depois, fui promotor, cofundador e Presidente do Conselho Empresarial do Tâmega e Sousa. Em paralelo, fui copromotor, fundador e Diretor-Geral Executivo do Instituto Empresarial do Tâmega, uma incubadora de empresas que existe na região do Tâmega e Sousa e que ainda hoje tem uma grande dinâmica. Aliás, este foi o último projeto em que estive antes de me dedicar a tempo inteiro à AEP e à Fundação AEP.
Em termos profissionais, iniciei a minha atividade numa pequena empresa dedicada à produção de pneus, onde fui assessor da Direção Financeira. Passado pouco tempo iniciei também o meu percurso no ensino. Fui sempre tendo várias atividades, mas sem deixar de estar presente em diversas associações desportivas, culturais, sociais e até em causas sociais. Essa parte associativa sempre muito presente na minha vida e espero que continue a estar para o futuro.

Fotografia ©Tiago Ribeiro
Fotografia ©Tiago Ribeiro

A Fundação AEP tem desenvolvido, nos últimos anos, um trabalho profundo junto das comunidades portuguesas. Neste âmbito desenvolveu-se o projeto Rede Global da Diáspora, “uma rede social colaborativa dirigida à diáspora portuguesa, que liga as empresas nacionais às comunidades portuguesas, presentes em 133 países”. Fale-nos um pouco mais sobre este projeto e que vantagens podem esperar empresas, organizações e indivíduos inscritos na Rede Global?

Diria que a “Rede Global da Diáspora” é um dos grandes projetos que espero que o país saiba aproveitar. Digo isto, não é por ser um projeto promovido pela Fundação AEP, mas porque é “o projeto” que o país precisa.
Nós temos cerca de 10 milhões de habitantes em Portugal e temos cerca de 5 milhões de portugueses espalhados pelo mundo. São 5 milhões em mais de 150 países. Falamos de portugueses que estão muito bem integrados nas comunidades e países onde vivem. Aliás, isso está muito no nosso ADN. Os portugueses têm essa facilidade de chegar, integrar e participar na vida da sociedade, da cidade e do país onde estão a viver. Esta característica faz dos portugueses pessoas “bem-vistas” nessas comunidades. E prova disso, é que hoje muitos deles têm responsabilidades e posições a nível da decisão e do poder político nos seus países de acolhimento.
Além disso, temos também muitos portugueses com um grande sucesso empresarial lá fora. Esta realidade demonstra-nos que estes portugueses são um ativo importantíssimo para o país, que este não tem sabido valorizar. E este ativo pode, e deve, funcionar nos dois sentidos.
Nós temos uma base exportadora muito estreita, ou seja, uma pequeníssima percentagem das empresas é que exporta. Para alargarmos a base exportadora, podemos, e devemos, usar estes portugueses espalhados pelo mundo como embaixadores de Portugal e como facilitadores da entrada destas empresas mais pequenas nesses mercados.
Para uma empresa grande internacionalizar-se e exportar é quase uma condição necessária. Essas empresas têm estruturas próprias, departamentos próprios para isso. Uma pequena empresa não tem. Uma pequena empresa vive muito de um conjunto de pessoas multidisciplinares, que têm que ter multifunções e que muitas vezes não têm as melhores condições. Apesar de terem um bom produto, um produto competitivo, inovador, com design, as empresas pequenas não têm a mesma capacidade de internacionalização das grandes empresas. E é, exatamente, aqui que esses portugueses espalhados pelo mundo podem ajudar. Eles podem por um lado alertar as pequenas empresas para as oportunidades de negócio, como podem também alertá-las para aquilo que são os riscos, para as questões de legislação, do funcionamento e da dinâmica própria daquele país.
Ou seja, esses portugueses podem ser muito úteis. Eles podem ser um importante aliado para as empresas mais pequenas, para as empresas com produtos muito ligados ao nosso território, à nossa marca, à nossa identidade. Eles podem ajudar a colocar esses produtos lá fora.
A “Rede Global da Diáspora” é assim um projeto fundamental para um país que tem que aumentar a sua base exportadora e aumentar as suas exportações. Desta forma, podemos permitir que empresas mais pequenas encontrem apoio e forma de colocarem os seus produtos lá fora, valorizando aquilo que são os nossos recursos endógenos, a identidade dos nossos produtos, as suas características, as qualidades e distinção dos nossos produtos.

Os portugueses espalhados pelo mundo são cada vez mais empreendedores, inovadores, dinâmicos e responsáveis no contexto das sociedades onde se inserem e exercem um papel fundamental no encorajamento à cooperação entre Portugal e os países de acolhimento. De que forma a Rede Global se afigura uma importante ferramenta na criação de negócio e investimento?

Hoje, a informação é uma ferramenta fundamental para se criarem as oportunidades. Por isso, esta plataforma é, sobretudo, um ponto de encontro em que os portugueses espalhados pelo mundo podem colocar questões, podem encontrar empresas disponíveis para fazer negócios e podem até encontrar representantes nesses países. Paralelamente, esta plataforma permite também, em sentido inverso, divulgar, promover e informar esses portugueses sobre oportunidades de investimento no nosso país.
Muitos portugueses que emigraram há vários anos, que têm grande sucesso lá fora em termos empresariais, estão disponíveis e interessados em investir no seu país. O único problema é que muitas das vezes não sabem como fazê-lo. Com esta plataforma podemos informá-los, ajudá-los nesse processo.
E neste contexto, não nos podemos esquecer de uma coisa muito importante: o país precisa hoje, mais do que nunca, de captar investimento. Se nós temos numa comunidade de portugueses essa possibilidade, não podemos deixar escapar esta oportunidade.

No final de 2022, notícias davam conta que “emigrantes investiram 110 milhões de euros em 118 projetos em Portugal”. De que forma Portugal tem procurado potenciar e estimular este investimento empreendedor e empresarial dos emigrantes no país?

Portugal começa a dar passos nesse sentido. Criou o Programa Nacional de Apoio ao Investidor da Diáspora (PNAID), tem feito os Encontros dos Investidores da Diáspora, mas isto tem que ser um trabalho contínuo, um trabalho continuado, de proximidade. É preciso ir ter com as comunidades, é preciso ir ter com os emigrantes, dizer que Portugal tem hoje oportunidades de investimento, condições de aplicarem o seu dinheiro. E, por via desses portugueses, quem sabe trazer outros parceiros desses países a investir no nosso território. Para além de podermos, por esta via, captar investimento podemos também resolver outra questão fundamental para o nosso país: o decréscimo demográfico. Os últimos Censos mostram que há uma queda demográfica no país, como não acontecia desde a década de 60/70.
Neste momento, Portugal tem dois grandes desafios. Por um lado, fixar os portugueses e evitar que eles emigrem, demonstrando que têm oportunidades cá e criando condições para os fixar. Por outro lado, temos que ter alguma imigração, que compense a falta de mão-de-obra. Criando condições para que eles invistam cá e se fixem cá, estamos também a criar condições para trazer de volta as pessoas que emigraram. Mas com uma grande vantagem: como já andaram pelo mundo, regressam com mais bagagem, visão e experiência.

Que outras iniciativas estão a ser desenvolvidas no sentido de criar uma plataforma que una os portugueses em todo o mundo e permita a realização de negócios em português?

Nós temos feito várias ações de ativação, que consiste em ir junto das comunidades de emigrantes, fazer ações de promoção, divulgação, sensibilização e, sobretudo, informação. Temos também sensibilizado a participar connosco nestas iniciativas entidades do sistema científico-tecnológico, que estão mais focadas em se promover lá fora. Simultaneamente, temos desenvolvido ações com Câmaras Municipais e que envolvam regiões, para que possamos também promover lá fora o que hoje se faz no nosso país.
Portugal sempre fiz de forma tradicional coisas muito bem-feitas, com muita qualidade. Acho que hoje temos outra vantagem: conseguimos incorporar inovação e design nesses produtos tradicionais, o que os torna distintos a uma escala global. Portugal nunca se afirmará por produtos concorrenciais a nível de preço. Portugal tem de se afirmar por produtos concorrenciais pela distinção, pela originalidade, pela origem da produção. Temos que comunicar que em Portugal temos preocupações ambientais, preocupações sociais, que cumprimos com todas essas regras, que os nossos produtos não são feitos em locais em que as pessoas não são respeitadas, onde o meio ambiente não é respeitado. Muito pelo contrário.
Acho que todas estas ações que estamos a fazer, quer a nível nacional, quer a nível internacional vão continuar a ser uma prática a desenvolver. Vamos continuar a dinamizar, cada vez mais, a plataforma “Rede Global da Diáspora” como forma de chegar mais longe, de ligar os portugueses espalhados pelo mundo, de criar um espaço comum de interação entre portugueses, entre empresários, entre pessoas da cultura, entre pessoas de diversos interesses.

Fotografia ©Tiago Ribeiro
Fotografia ©Tiago Ribeiro

Curiosamente, o fomento de laços empresariais com as diferentes comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo também é um dos principais objetivos da Associação Internacional dos Lusodescendentes, que conta já com delegações em França, Reino Unido e Brasil. Na sua opinião, de que forma o trabalho desenvolvido por entidades e associações, como é exemplo a Associação Internacional dos Lusodescendentes, que tem contacto privilegiado com um público abrangente, nomeadamente com as comunidades portuguesas, se reveste de extrema importância na internacionalização empresarial?

Este é um trabalho que tem de ser construído com diferentes stakeholders, desenvolvido com diferentes parcerias, envolver diferentes instituições, algumas delas que já tenham algum trabalho de base feito, como no caso da AILD, onde já há laços, relações, há um trabalho desenvolvido que tem que ser aproveitado e potenciado. É deste trabalho conjunto, com foco em diferentes segmentos e diferentes formas de abordagem da nossa diáspora, que podemos construir de uma solução e uma estratégia. Este é um trabalho que nunca terá resultados bons se não for realizado nessa perspetiva da cooperação, do trabalho em conjunto, da participação de diferentes entidades. É preciso criar um projeto agregador e que mobilize o país no sentido de valorizar aqueles que na altura não tiveram oportunidades no nosso país e que, por isso, tiveram de procurar oportunidades noutro lugar. Daqueles que durante muitos anos, apesar de viverem e ganharem o seu dinheiro nos países para onde emigraram, tiveram sempre a preocupação de investir no nosso país.

Para este triénio assumiu como objetivo a construção de “um novo ciclo de afirmação e crescimento”, norteado por linhas de ação que garantam não apenas a sustentabilidade do projeto associativo, mas que reforcem a capacidade de intervenção da AEP. Por onde passará esta estratégia de afirmação e crescimento?

A Fundação AEP tem um papel focado ao nível da responsabilidade social, ao nível da sustentabilidade, do apoio desta relação com as comunidades portuguesas, ao nível da promoção do empreendedorismo sénior e ao nível também da promoção de projetos de networking empresarial. Este é o papel que a Fundação AEP e o Grupo AEP quer ter e vai desempenhar durante os próximos anos. Além disso, a AEP vai estar sempre focada no apoio direto às empresas, no apoio à sua atividade diária, à criação de serviços de valor acrescentado, no apoio à realização de missões empresariais, de ações de participação em feiras internacionais, e no aumento das exportações. Continuará também a realizar aquilo que chamamos ações inversas, ou seja, trazer empresários de outras partes do mundo a conhecer o nosso país, ajudá-los a perceber como Portugal é, como Portugal funciona.
Depois, continuaremos também todo o trabalho que fazemos diariamente na área da competitividade, da qualificação profissional, na área dos serviços que prestamos de apoio aos associados. É esse o papel da AEP, enquanto Câmara do Comércio e Indústria.

Aquando da sua tomada de posse para o triénio 2020-2022 afirmou que o mandato iria “exigir um esforço redobrado da AEP na defesa das empresas”. Dito isto, quais os principais desafios que se esperam para as empresas portuguesas nos próximos anos?

Durante esse período, 2020-2022, as empresa portuguesas foram desafiadas. Aliás, todos nós passamos por um período para o qual ninguém estava preparado e esperamos tão cedo não voltar a viver outra situação dessas.
Esse período demonstrou claramente duas coisas. Por um lado, que ao nível da qualificação dos recursos humanos é preciso trabalharmos muito as soft skills, ou seja, a capacidade das pessoas se adaptarem a realidades diferentes, a desafios diferentes, a contextos diferentes. Mas também a necessidade de trabalharmos a resiliência das pessoas para que, em períodos desafiantes como estes que vivemos, conseguiam manter o equilíbrio, a chamada inteligência emocional, para continuarem a pôr as suas capacidades, as suas skills, ao serviço das empresas e da atividade que desenvolvem.
Por outro lado, trouxe também desafios acrescidos para as empresas no que diz respeito à sua capacidade de aguentar o impacto de uma redução brutal da atividade, e de se reinventar, reestruturar, reorganizar e encontrar novas formas de comercializarem, produzirem e manterem a sua atividade viva, dinâmica e com resultados positivos.
Veio também demonstrar que as empresas têm que ser cada vez mais flexíveis, mais ágeis, para se adaptarem às mudanças que diariamente nos vão sendo colocadas pela frente.
Após a pandemia, e quando parecia que íamos entrar num período normal, surge uma guerra que vem alterar completamente as condições que as empresas tinham no fornecimento de energia, no fornecimento de matérias-primas, nos custos de transporte e logística e até na forma como hoje se fazem os negócios em vários setores.
Mas atenção, porque isto vai continuar a mudar. Por isso, diria que hoje, às empresas é exigida uma grande capacidade e esforço de adaptação e de resposta às mudanças que diariamente vamos assistindo. Isto implica que tenhamos de ter recursos humanos adequados. As equipas têm de estar preparadas para esta constante mudança que estamos a viver, as constantes mudanças que aí vêm e que são inevitáveis.

A escalada da inflação está a produzir um choque sobre as empresas – com o aumento dos custos de produção – e sobre as famílias, com a perda de poder de compra. Para além dos impactos da inflação interna, penalizando a competitividade das empresas e o poder de compra das famílias, o aumento da inflação europeia comporta grandes riscos para Portugal. O que podemos esperar, ou melhor, o que podemos temer nos próximos tempos?

As famílias e, por consequência, as empresas, vão ter um impacto forte naquilo que é a forma como estamos organizados e naquilo que são os compromissos que tínhamos. Os preços vão continuar a aumentar, aumentaram muito os custos com os encargos financeiros que as empresas e as famílias têm, sendo que, em contrapartida, os rendimentos das empresas e das famílias não aumentaram. Isto significa que vai haver uma contração ao nível do consumo.
Num país em que cerca de 64% do PIB é consumo privado, significa que temos aqui um grande desafio. Vamos ter um impacto significativo na maior componente do PIB, porque não é possível que, com o nível de rendimentos que temos, não exista uma contração da procura. Esta realidade vem, uma vez mais, demonstrar a importância da aposta nas exportações e na captação de investimento. No entanto, não nos podemos também esquecer que no PIB nacional há sinal negativo nas importações, ou seja, temos que criar condições para diminuir as nossas importações. Isso consegue-se, sobretudo, por duas vias. Por um lado, com uma aposta clara e forte na reindustrialização do país e na produção nacional. Temos que apostar, cada vez mais, na produção nacional e potenciar os nossos produtos. Temos que produzir cada vez mais no nosso país e reduzir a dependência que temos de outros mercados e de outros continentes. Por outro lado, temos que colocar, cada vez mais, em prática a economia circular, ou seja, a reutilização.

Como descreve o atual momento para as empresas portuguesas? É um momento tão desafiante e complexo como aquele que vivemos com a pandemia?

Este momento é tão complexo como o que vivemos com a pandemia. Claro que com outras características e já com novos desafios. Por isso, temos que criar condições para cada vez mais valorizarmos o que produzimos no nosso território, valorizarmos as características e recursos que o nosso território tem e produz, valorizarmos a nossa capacidade de atrair pessoas, atrair investimento. Todos os nossos pontos fortes têm de ser acompanhados de políticas públicas que tragam estabilidade e previsibilidade para que os investidores queiram apostar no nosso país.

Perante esta realidade, torna-se ainda mais urgente disponibilizar os recursos financeiros dos Quadros Comunitários às empresas?

Mais do que urgente é uma obrigação de quem governa.

Recentemente, criticou o atraso do Governo na aprovação do pacote de medidas de combate à inflação direcionado às empresas – e a prioridade dada às famílias –, sublinhando que essa demora fez o país perder encomendas, capacidade produtiva, empregos e competitividade face aos concorrentes externos. Efetivamente, o que se perdeu com essa demora?

Está-se a exigir às empresas esforços acrescidos que podiam ser minimizados com estes apoios comunitários. Portugal nunca teve um volume de apoios comunitários como tem neste momento. Com o Portugal2020, com o PRR, com o Portugal2030, que ainda mal arrancou, nós temos um volume de financiamento que, se estivesse já a ser aplicado, permitia às empresas estar a investir na modernização, na melhoria da sua capacidade produtiva, na melhoria da sua capacidade de comercialização, naquilo que é a necessidade de investir na qualificação dos recursos humanos.
Precisamos também que a utilização dos Fundos Comunitários tenha presente uma coisa: o país tem de produzir riqueza para crescer. Portugal tem crescido nas últimas duas décadas cerca de metade da média da União Europeia. As previsões para os próximos anos não são muito diferentes. Nós temos que saber utilizar os recursos dos Fundos Comunitários que temos disponíveis para que eles cheguem às empresas. Os melhores apoios sociais e a melhor forma de apoiar a nossa sociedade é termos empresas a criar riqueza, a criar postos de trabalho, a pagar salários dignos, para que a partir daí possa ter as outras condições para os apoios sociais e subvenções que tem que fazer chegar a famílias mais carenciadas. Não podemos continuar a cair e persistir no erro de pensar em distribuir, sem primeiro pensar em criar riqueza. Um país que não tem um setor privado dinâmico, capaz de criar riqueza, é um país com o futuro hipotecado.

No início de março, quando notícias davam conta que “1.505 milhões de euros foram pagos aos beneficiários diretos e finais do PRR”, alertou para “os dados de execução ainda muito baixos ao nível dos pagamentos”. Perante esta realidade, podemos afirmar que a AEP não acompanha o otimismo do Governo no que se refere à execução do PRR?

Não, não acompanha. E não é por acaso que o Presidente da República continua a alertar, regularmente, a sua preocupação sobre a execução do PRR. Neste momento, do que foi pago do PRR, a média dos pagamentos face àquilo que são as aprovações, anda em cerca de 14% e nas empresas está em 8%. Mais uma vez se verifica que não está a haver capacidade de executar. Numa altura em que as empresas são confrontadas com problemas de financiamento, aumento dos custos de financiamento, com a ineficácia ou inexistência do Banco Português de Fomento para as empresas na questão da capitalização, uma das soluções que tínhamos era financiar as empresas através dos Fundos Comunitários. É para isso que eles existem. É para isso que o país tem acesso a esses fundos. Se assim não for, nós nunca mais vamos conseguir convergir com a Europa e vamos continuar sempre na situação que temos vivido.

Se repararmos, 35 anos de Fundos Europeus contribuíram para muita coisa em Portugal, mas não, efetivamente, para um crescimento económico acentuado. Corremos o mesmo risco com o PRR?

Parece que não aprendemos bem a lição e corremos agora o mesmo risco, não só com o PRR, mas também com o Portugal2030. Ainda há pouco tempo tínhamos uma parte significativa do Portugal2020 por executar e parece não haver preocupação que esse valor que ainda falta executar seja colocado na economia, colocado-o nas empresas para potenciar a criação de riqueza.

Fotografia ©Tiago Ribeiro
Fotografia ©Tiago Ribeiro

Considera que esta falta de de execução é fruto da inabilidade ou da falta de capacidade do atual Governo?

Esta questão é o reflexo da falta de capacidade de analisarmos o que correu mal no passado e de resolvermos isso. É uma questão de burocracia, uma questão de legislação, diria até, de preconceito que existe em relação à utilização e acesso aos Fundos Comunitários. É preciso perceber, de uma vez por todas, que nós temos que simplificar nos momentos de aprovação das candidaturas. Temos que ser mais ágeis, mais rápidos nesse processo e depois, sim, à frente, temos que fiscalizar, que acompanhar e que ser exigentes na sua aplicação.
Portugal tem que ser mais ágil na aplicação dos fundos. E ser mais ágil não significa ser menos rigoroso. Ser mais ágil é ter um procedimento diferente para podermos utilizar melhor e com mais eficácia esses recursos.

Recentemente, a AEP promoveu o projeto “Next Challenge Asia”, destinado a micro, pequenas e médias empresas portuguesas, que visou reforçar o contacto e a “internacionalização das PME portuguesas, através da diversificação de mercados, identificando oportunidades a mercados com potencial, nomeadamente, os mercados asiáticos”. Que balanço faz desta iniciativa?

Os mercados da Ásia são mercados com um potencial enorme. São mercados em que é necessário focarmo-nos em nichos e identificarmos bem as oportunidades, onde podemos entrar e em que setores ou fileiras podemos ter mais oportunidades.
Foi isso que fizemos com o “Next Challenge Asia”. Trouxemos cá um conjunto de empresários desses países, com o objetivo de criar e estabelecer contactos. Mas depois há também que continuar o trabalho, temos que apresentar os produtos que temos, convencer esses mercados que os nossos produtos têm qualidade, são competitivos e são os melhores para serem colocados lá.
Segundo aquilo que temos visto, e os indicadores globais que o país tem, Portugal tem hoje cerca de 50% do PIB em exportações. Isto significa que o trabalho que tem sido feito tem tido bons resultado. É claro que não é apenas resultado do trabalho da AEP. É resultado do esforço da AEP e de muitas outras entidades que ajudam as nossas empresas nessas ações, nessas missões. A AEP é o maior operador privado no apoio à internacionalização das empresas, mas não faz este trabalho sozinha.

Presentemente, quais são os mercados internacionais com maior potencial de crescimento e qual a importância que os Países Lusófonos têm atualmente para a política de internacionalização das empresas portuguesas?

Depende sempre muito dos produtos e dos mercados de que estamos a falar.
Tenho a forte convicção de que a Europa continua a ser um mercado interessantíssimo, competitivo e exigente, o que nos obriga a evoluir, mas cujas regras conhecemos muito bem e que, por isso, apresenta menos riscos.
Os mercados dos Estados Unidos e do Canadá são mercados que, cada vez mais, olham para os produtos portugueses com maior atenção e a quem abrem cada vez mais portas e oportunidades. Se falarmos dos mercados asiáticos, sabemos que são, naturalmente, mercados com grande capacidade de consumo.
No que diz respeito aos países de Língua Portuguesa, dependendo do país, encontramos diferentes realidades. Nuns temos mais dificuldades, noutros temos mais oportunidades. O importante é perceber que em qualquer parte do mundo existem oportunidades de negócio, desde que o produto seja distinto, tenha valor acrescentado, seja interessante para o consumidor.

Embora a resiliência e a forte capacidade de adaptação façam parte do ADN da grande maioria das empresas portuguesas, o futuro afigura-se bastante incerto. Dito isto, que mensagem gostaria de deixar ao tecido empresarial português e aos empresários das nossas comunidades espalhadas pelo mundo inteiro?

O mundo é hoje um espaço de constante e acelerada mudança. Por isso, há uma coisa que sabemos: não são os mais fortes que conseguem vencer. São os que têm maior capacidade de adaptação às diferentes realidades e às diferentes mudanças.
No entanto, este trabalho não se consegue sozinho. É, cada vez mais, importante que os nossos empresários trabalhem em redes de cooperação, trabalhem ligados às suas Associações Empresariais. É cada vez mais importante que se construam soluções mais abrangentes, porque os problemas são hoje mais complexos, exigem mais capacidade de análise, de intervenção e de resposta. Isso só se faz em conjunto.
Aos empresários que gostariam de investir no nosso país, sejam eles da diáspora, sejam eles de outros países, gostaria de dizer que Portugal é hoje, claramente, um país que oferece oportunidades. É um país de investimento seguro, que tem segurança e que, naturalmente, para os investidores e empresários da nossa diáspora constitui um estímulo acrescido.

Fotografia ©Tiago Ribeiro

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