Alberto Arsênio de Sousa
A Música Nacional e as Organizações Juvenis
Alberto Arsênio, conhecido por Beto Sassá é da geração cujo embrião da musicalidade faz parte da música angolana pós 25 de Abril, durante o qual a rádio e a televisão divulgavam as letras outrora escondidas nos sons da dikanza. Os portugueses não dominavam suficientemente as nossas línguas para captarem as mensagens africanistas.
Caso contrário, muitos outros músicos teriam passado a sua juventude na cadeia. Aos quinze anos de idade forma um pelotão de pioneiros para ensinar a tocar instrumentos da antiga fanfarra da Mocidade Portuguesa e exibe-se na primeira comemoração do dia da Juventude Angolana, 14 de Abril de 1976.
Durante o período de transição vai reencontrar os amigos da Casa dos Rapazes e da Mocidade Portuguesa de Luanda, com os quais participou em acampamentos no Mussulo, na Ilha de Luanda e nas marchas de datas festivas da igreja católica antes da independência. Recorda a façanha de circular gratuitamente nos autocarros públicos no dia 01 de Dezembro desde que exibisse o uniforme da Mocidade Portuguesa, o que o envaidecia por se destacar dos outros.
O pioneiro Sabalo representou as crianças na Proclamação da Independência de Angola ao içar a primeira bandeira de Angola em conjunto com uma representante da OMA e com um herói do 4 de Fevereiro. Neste dia, 11 de Novembro de 1975, o depoente fardou-se, não para participar em mais um transporte de material de guerra para a Batalha de Kifangondo que ocorria no período da proclamação da independência, mas para participar neste acto. Na véspera, ensaiou o hino nacional até tarde, o músico Carlos Lamartine esteve na sede da JMPLA à procura de miúdos da fanfarra para participarem na composição instrumental do hino nacional.
Foi praticando instrumentos de sopro, com destaque para o desempenho no conjunto de Matadidi Mário, o músico quase construiu uma orquestra, tinha doze metálicos, dos quais os angolanos, Santana e Beto Sassá. Durante a libertação dos restantes países da agora SADC, incentiva instrumentistas sul africanos do ANC a formarem o conjunto AMANDLA. Actualmente, dedica-se ao resgate do semba e de outras sonoridades antigas, cujo risco de extinção já foi maior, fazendo referência aos novos guardiões como o Eddy Tussa.
Estas memórias foram colectadas quase de forma espontânea, i.é. o entrevistado conduziu o diálogo e durante a transcrição nota-se fluência estruturada. Esta memória descreve o papel e factos dos conjuntos Matadidi, Afrobeat, Economic Jazz Band e de músicos entre os quais o seu falecido irmão, motivador da sua veia musical.
Descreve ainda memórias da sua outra profissão desempenhada na companhia marítima ANGONAVE, cujo cargo principal foi a representação nos Países Baixos e em Portugal.
Contexto
Alberto Arsénio de Sousa, este nome era o nome de um tio avô paterno, por isso a minha avó chamava-me por meu cunhado. Nasci no bairro Indigena onde está actualmente a Cidadela Desportiva. Meu pai era funcionário da Administração Civil, portanto teve fácil acesso a essas moradias.
Ensino
Entrei para a instrução primária na escola dos padres da Igreja São Domingos, onde fiz o primeiro ano. Depois, os meus pais mudaram-se para “aquele” bairro Indigena conhecido por Saiotes, na área dos Congolenses pertencente a Companhia de Diamantes, onde morei e cresci até aos quinze anos de idade. Fiz a quarta classe na escola hoje chamada escola da Ginguba. Depois, estudei o ensino preparatório na Escola João Crisóstomo, actual N`Gola Kanini e segui para a escola Industrial Oliveira Salazar, hoje Instituto Makarenko onde concluí o ensino médio.
E quando implantaram o pré universitário, outrora (senão me engano) era chamada Secção, estudava-se mais dois anos para ter acesso a faculdade. Quando estou no pré universitário[1], por qualquer razão, já tínhamos professores cubanos das Brigadas Che Guevara e houve uma altura em que eu zanguei-me e já não estava muito bem com aquela situação, já tinha outras ideias e um dia aborreci-me com a professora porque ela estava a ensinar uma matéria que eu já tinha dado na Escola Industrial e eu interrompia-a muitas vezes, ela não achou correcto e disse que estava a dar elementarmente e eu disse-lhe que já tinha estudado aquela matéria, insisto e entramos em contradição. Ela ficou zangada e disse-me “companheiro Berto ou se vai você fora da sala ou me voy eu”, eu digo “não saio, porque eu vim cá para estudar. Naquela altura, os colegas com aquele espírito revolucionário disseram “camarada Beto saia da aula”.
A partir daquele dia, não tive outra alternativa a não ser amadurecer a ideia de sair do país com a intenção de continuar os meus estudos em outro sítio. A tendência era ir para Portugal onde estavam os meus amigos. Naquela altura, não era fácil cumprir com os requisitos e as exigências eram complexas, fui analisando formas de sair do país até ir trabalhar na ANGONAVE. Depois de várias etapas, em outras condições o empregador proporcionou-me a saída do país.
Ao longo desse percurso, fui sempre um funcionário da música, aliás tive um irmão mais velho que se chamava Arsénio Manuel de Sousa, tinha o nome do meu avô. Era músico, cantava e tocava guitarra, chamavam-lhe o Percy Sledge de Angola, porque o imitava. Tínhamos diferença de cinco anos e eu o acompanhava nos sítios onde ele tinha acesso, era em escolas e festas de escolas, porque naquela altura antes do 25 de Abril ele frequentou a Secção e depois foi para a tropa portuguesa.
Antes, esteve na Mocidade Portuguesa, onde tinha grande influência, porque já ostentava uma patente alta e eu segui-o, foi por inspiração dele.
Mocidade Portuguesa
Pertenci ao Centro Extra Escolar nº 1, também chamado Centro de Engraxadores. A Mocidade Portuguesa era uma organização juvenil do Estado, tinha a ver com o Ministério da Educação. Mas, não havia muito diferença entre os Escoteiros e a Mocidade Portuguesa, uma ligada às organizações religiosas e outra ligada a administração do estado, tanto mais que houve quem dissesse que era a organização de Salazar, a fivela do cinto da farda era um “S”, até chamavam bufos aos membros da Mocidade Portuguesa que atingissem escalões altos.
Contudo, foi uma organização onde aprendemos, independente do cariz político, aprendia-se muita coisa e aprendi muito. A ela devo parte dessa minha vivência “tiro o chapéu”. Onde eu estive o Centro Escolar 1, era uma área da Mocidade Portuguesa que tinha a ver com os bairros, por isso chamavam extra escolar, quer dizer qualquer indivíduo podia-se enquadrar, embora existisse uma certa selecção.
A mocidade portuguesa apenas integrava filhos de assimilados?
Havia classes, repito, havia classes, tanto mais que só entrava para a Mocidade Portuguesa quem entrasse para o ciclo preparatório. Normalmente, era a partir dos dez anos de idade durante o ciclo preparatório. E não era acessível aos alunos de todas as escolas, não era para os estudantes da missão católica, era para os estudantes da escola pública. Mais tarde, acharam que deveriam incluir outros e criaram a Extra Escolar, o pessoal era seleccionado, eram os estudantes dos bairros indígenas entre outros, ali não havia aquela exigência existente nas escolas preparatórias.
Tínhamos várias disciplinas, fazíamos acampamentos onde prestavamos provas, havia quem achava semelhanças a um regime militar devido a disciplina que tínhamos, apenas faltavam-nos armas. Aprendemos pontos de direcção, pontos cardeais, primeiros socorros, provas de resistência, uma série de acções semelhantes às que as organizações juvenis fazem hoje.
A Marcha dos Pioneiros
Tenho procurado por uma publicação do Jornal de Angola de 14 de Abril de 1975, no período das comemorações da data da JMPLA houve aqui umas festividades com a participação de pessoas que vieram a comemoração da data da JMPLA pela primeira vez. Vieram delegações do Congo Brazzaville, de Conacry e de outros países. Clubes de futebol, orquestras de música, entre as quais a orquestra de Baqui de la Capital e a Los Angeles, de Brazzaville. A JMPLA organizou um quadrangular com quatro seleções constituídas por antigos futebolistas angolanos de renome, a selecção de Congo Brazzaville e outras duas.
No intervalo de um dos desafios eu entrei com um pelotão de pioneiros a marchar, a fazer uma demonstração de ordem unida. O público não conhecia, não sabia da existência destes pioneiros e que eles marchavam. Aquilo, foi uma coisa “cozinhada” lá na JMPLA sede com o Manuel Van Dúnem que era o coordenador com quem eu trabalhava directamente. E por que fiz isso? Porque eu já tinha alguma instrução de ordem unida, aprendida na antiga Mocidade Portuguesa onde fui Chefe de Quinas, havia as patentes: Alvorada, Comandante de Castelo, Comandante de Bandeira e o da Falange. Eu conhecia a Ordem Unida muito bem porque era corneteiro, eu é que dava aqueles toques de Ordem Unida, imitando “Pá pá pará, pessoal firme!” e nos acampamentos eu tocava o refrão ao levantar e ao recolher.
Então, o que é que eu fiz? Na altura, como já estavam aqui alguns guerrilheiros vindos do Maqui, aprendi com eles a Ordem Unida das FAPLA, o exército do MPLA. Não custou muito, porque apenas foi adaptar a Ordem Unida Portuguesa a Ordem Unida das FAPLA. E este pelotão de pioneiros era constituído maioritariamente por pioneiros que vinham comigo da Mocidade Portuguesa, pertencíamos a um Centro Extra Escolar que era um centro de bairro. Aliás, inauguramos aquela sede da JMPLA, nos Viriatos, junto ao mercado dos Congolenses, pertencente à Mocidade Portuguesa. Conhecia bem aquelas estruturas todas desde a inauguração da Mocidade Portuguesa por isso, consegui mobilizar aqueles miúdos todos.
Naquela época, nem havia fardamento, um uniforme definido de pioneiros e então o que eu encontrei? Havia muitas boinas verdes da Mocidade Portuguesa e camisolas brancas, usadas para o desporto e para o dia de desfile. Pedi aos miúdos “arranjem calções pretos, temos aqui camisolas brancas”. Peguei naquelas boinas e como as do MPLA eram pretas, as verdes eram usadas pela FNLA e fui ao mercado dos Congolenses comprar tinta de tingir, peguei trinta boinas e fui “cozinhando” para tingi-las a preto. E no intervalo de um dos jogos apresentei-me com o pelotão de pioneiros. Mais tarde, evoluiu para a marcha com um esquema cantado “arrastou, comandou, 1-2-3…”. O acto foi publicado no jornal da época, hoje é o Jornal de Angola.
[1] Onde hoje é o Teatro Elinga, fazia parte do Colégio das Beiras e mais tarde fez parte das instalações da Universidade Agostinho Neto.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico