Porque arde Portugal?

É uma espécie de profecia que se cumpre, ano após ano. Uma fatalidade. Dura realidade. Todos os verões, sem excepção, o país arde. Os prenúncios repetem-se; as tragédias sucedem-se, e não se aprende com os erros do passado. E, a mesma pergunta de sempre – sempre a mesma pergunta – ecoa por aí: Porque arde Portugal?
Apesar de parecer uma pergunta simples encerra em si uma resposta deveras complexa e incómoda, pois, os incêndios que ocorrem no país não são apenas fruto do acaso, tampouco, meras consequências do calor extremo ou das alterações climáticas. As chamas que devoram hectares de floresta, cercam aldeias e transformam a vida das pessoas e dos animais num verdadeiro inferno; afiguram-se como o resultado de décadas de opções políticas, sociais e económicas erradas, que deixaram o território nacional mais vulnerável ao avanço dos fogos florestais. Portugal tem pago um preço muito elevado por todos estes erros, crimes e negligência acumulados.

A monocultura do eucalipto e do pinheiro-bravo, o despovoamento do interior e a falta de ordenamento florestal, têm criado um cenário explosivo transversal a muitas regiões do país. A somar a estes: as ondas de calor prolongadas, os ventos ciclónicos e as secas severas, decorrentes das alterações climáticas. Et voilà, temos o cocktail perfeito para a ocorrência de fogos incontroláveis, não raras vezes, iniciados por mão criminosa.
A problemática associada aos fogos florestais não é apenas estrutural, é cultural. A floresta não é entendida como um bem comum que precisa ser preservado, daí resultando um elevado número de ignições que evoluem para grandes fogos descontrolados.
Depois da casa ardida: as trancas na porta, os planos em cima da mesa, as reuniões apressadas e a inevitável promessa – para o ano é que vai ser! Mas não, não é. Tudo se repete num ciclo infinito de incompetência e navegação à vista. A cada Verão, novo sobressalto; a cada Outono, novas promessas; a cada Inverno, o esquecimento…

A mudança que urge implementar esta inscrita há muito tempo nos planos e nos manuais e leis de protecção florestal: priorizar a prevenção em detrimento da aposta no combate aos fogos, com forte envolvimento das populações e agentes locais; criar florestas diversas e resilientes com espécies folhosas autóctones como o carvalho e o sobreiro; e, promover o regresso da população ao mundo rural, criando actividades económicas sustentáveis ligadas ao território (pastoreio com ovelhas e cabras sapadoras, por exemplo), entre outras soluções. Nada disso tem acontecido.
Apesar de importantes, o combate aos incêndios não se ganha apenas com mais aviões ou mais equipas de bombeiros, por mais competentes, esforçadas e dedicadas que sejam. O verdadeiro combate começa em Janeiro, em Fevereiro, em Março, em Outubro, nos meses em que o país parece esquecer que o fogo existe; e ganha-se com uma floresta viva, resiliente e biodiversa, com ordenamento do território, com políticas consistentes e com comunidades activas que cuidam da terra porque nela vivem, dela se alimentam e nela acreditam. Na ausência destas mudanças imperativas, o resultado está à vista: ano após ano, Portugal arde.
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico




