O Legado, a Crise e o Futuro das Nossas Associações

As associações portuguesas espalhadas pelos quatro cantos do mundo não são meros clubes ou centros de convívio; são, na verdade, as Embaixadas Culturais não oficiais de Portugal. São os pilares que, ao longo de décadas, garantiram que a nossa língua, as nossas tradições e a nossa inconfundível identidade permanecessem vivas e acessíveis, muitas vezes superando o esforço de estruturas oficiais, e que teve ao longo da nossa história da emigração Embaixadores não oficiais incríveis.

No entanto, se a vitalidade da primeira e segunda geração é inegável, hoje assistimos a um fenómeno que a AILD tem vindo a monitorizar: a crise de continuidade. Face ao envelhecimento das lideranças e à dificuldade em integrar plenamente as gerações mais jovens, a pergunta que se impõe é: qual é o futuro destas instituições? É tempo de refletirmos sobre o que realmente “aconteceu” e o que é imperativo fazer para garantir que o seu legado perdure.

O problema não se prende com a falta de lusodescendentes. O que mudou foi a forma como estes se relacionam com as suas raízes. O modelo associativo tradicional, embora meritório, já não responde eficazmente às necessidades da terceira e quarta gerações. Observamos três sintomas principais desta crise:

A Fadiga do Voluntariado Fundador: Temos heróis associativos que carregam o peso da gestão, da contabilidade e da organização de eventos há 20, 30 ou 40 anos. É uma dedicação louvável, mas insustentável. A falta de novos rostos para assumir responsabilidades leva ao esgotamento e, em última análise, ao risco de encerramento.

Para muitos jovens, a sua ligação a Portugal é imediata e digital, facilitada por viagens rápidas e pela internet. Os eventos centrados apenas na gastronomia e nos bailes populares, embora importantes, já não são o único fator de atração. A nova geração procura espaços de networking, desenvolvimento profissional, debate cívico e de reconhecimento da sua identidade binacional.

As associações que melhor resistem são as que conseguiram flexibilizar as suas estruturas. Onde as normas e os estatutos ainda refletem apenas a visão e as necessidades dos fundadores, a nova geração sente-se muitas vezes como “ajudante” e não como parte integrante e decisória do futuro da casa.

A resposta a esta crise não está em abdicar da tradição, mas sim em reinventar a plataforma que a alberga. A transição geracional não é um ato passivo de “passar o testemunho”; é um processo ativo de mentoria e co-criação.

A AILD defende que o caminho passa por:

Dar Voz e Orçamento: As associações devem criar Secções Juvenis com autonomia para definir os seus próprios eventos, metas e prioridades, dentro dos objetivos globais da casa. O sucesso de um evento jovem deve ser medido por métricas diferentes das tradicionais, focando-se na inovação e na relevância social.

O Foco na Profissionalização e Cidadania: É crucial expandir a oferta. Juntamente com a Feira do Livro e o Jantar de Fados, devem surgir workshops sobre oportunidades de investimento em Portugal, seminários sobre o reconhecimento de qualificações profissionais, e debates sobre o papel do lusodescendente na política e na sociedade do país de acolhimento. A associação tem de ser relevante para a carreira e para o compromisso cívico do jovem.

Formação de Lideranças: A AILD, enquanto associação internacional, sente também, o dever de facilitar a formação em gestão associativa. Precisamos de partilhar boas práticas de governança, de comunicação digital e de angariação de fundos, preparando a nova guarda para os desafios burocráticos e logísticos que herdarão.

O legado que nos foi deixado pelos nossos antepassados – o suor e o sacrifício que construíram estas associações – não é uma herança passiva para ser apenas preservada. É uma plataforma viva que tem de ser adaptada e utilizada pelas novas gerações para construir o futuro.

A crise de transição é um desafio, mas é também uma oportunidade dourada. É a hora de os fundadores se tornarem mentores e de os jovens lusodescendentes assumirem o seu papel como arquitetos do futuro. Se soubermos unir a experiência dos mais velhos à energia e à visão inovadora dos mais novos, não só garantiremos que “acontecerá” um futuro próspero para o associativismo português, como o faremos de forma mais forte e mais relevante do que nunca.

Antes de concluir esta reflexão sobre o futuro, e uma vez que a Descendências Magazine entra no seu período mais festivo, permitam-me uma nota pessoal. O Natal é, por excelência, a época do reencontro, do aconchego e da valorização dos laços. Independentemente de onde nos encontremos no mundo, o Espírito Lusodescendente reflete o desejo de manter a família e a comunidade unidas. Em nome da AILD, desejo a todos os leitores e às Comunidades Portuguesas espalhadas pelo mundo um Santo e Feliz Natal, repleto de saúde e paz, e que o Novo Ano nos traga a força e a inspiração para construir o futuro que merecemos.

E finalmente, convidamos todas as associações a partilharem com a AILD os seus planos de transição e as suas histórias de sucesso na integração juvenil. A AILD tem estado muito ativa na criação de delegações precisamente para motivar os jovens à participação, mas temos também, estimulado e apoiado projetos culturais locais em diversas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo, como estratégia de participação ativa e sobretudo, de estímulo à continuidade do legado e da herança que muito nos orgulha.

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