Poesia – Noémia de Sousa

Negra

Gentes estranhas com seus olhos cheios doutros mundos
quiseram cantar teus encantos
para elas só de mistérios profundos,
de delírios e feitiçarias…
Teus encantos profundos de África.

Mas não puderam.
Em seus formais e rendilhados cantos,
ausentes de emoção e sinceridade,
quedas-te longínqua, inatingível,
virgem de contactos mais fundos.
E te mascararam de esfinge de ébano, amante sensual,
jarra etrusca, exotismo tropical,
demência, atração, crueldade,
animalidade, magia…
e não sabemos quantas outras palavras vistosas e vazias.
Em seus formais cantos rendilhados
foste tudo, negra…
menos tu.

E ainda bem.
Ainda bem que nos deixaram a nós,
do mesmo sangue, mesmos nervos, carne, alma,
sofrimento,
a glória única e sentida de te cantar
com emoção verdadeira e radical,
a glória comovida de te cantar, toda amassada,
moldada, vazada nesta sílaba imensa e luminosa: MÃE

Noémia de Sousa

Noémia de Sousa

Consagrada poetisa, tradutora, jornalista militante na luta de libertação nacional. É lembrada como a “mãe dos poetas moçambicanos”.
O seu nome completo é Carolina Noémia Abranches de Souza Soares, nasceu em Catembe, Moçambique, durante o período colonial, numa família de comerciantes com origem germânica, goesa e moçambicana. Sua, mãe, Clara Bruheim, nasceu de um pai alemão e de uma mãe Ronga pertencente a uma linhagem tradicional. Os familiares da sua mãe eram parentes da família Albasini – uma família que desde os anos vinte se envolveu fortemente na luta por direitos e liberdades em nome da população mestiça na colónia moçambicana. Morreu em 04 de dezembro de 2002, em Portugal, produziu textos de teor nacionalista, caracterizados pela composição em versos livres. Neles, prevalece a voz feminina e negra, a qual se empenha em destacar a cultura africana; mas, também, mostrar os problemas sociais de Moçambique.

Esta rubrica pretende dar a conhecer ao mundo o melhor da poesia por diversos autores lusófonos. Os poemas são selecionados por Gilda Pereira, uma fã incondicional de poesia.

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