As armadilhas do e-mail

1 É fácil parecer seco ou mal-educado
Se, ao vivo, já é complicado calibrar as formas de tratamento correctas, por e-mail é um quebra-cabeças. Não sabemos como havemos de tratar quem não conhecemos — e, às vezes, mesmo quem já conhecemos. Vamos ser formais, como é normal na escrita? Ou informais, como é mais habitual na Internet?
Depois, a linguagem que usamos nos rápidos e-mails que escrevemos acaba por soar, a muitos ouvidos, como seca e impertinente.
O melhor será jogar pelo seguro e tentar ser bem-educado e até tradicional nos primeiros contactos — e, depois, se já conhecemos as pessoas, podemos usar aqueles pequenos truques que servem para adocicar as mensagens (os smileys, por exemplo).
Nunca é fácil: não sabemos como o outro lado vai ler aquilo que escrevemos. Aliás, há aplicações que analisam os e-mails dos nossos interlocutores e tentar adivinhar a forma que estes preferem, para que nos possamos adaptar às preferências de cada um. Não me parece ser necessário ir tão longe: basta parar alguns segundos e reler o e-mail que escrevemos, pensando na pessoa para quem o estamos a enviar. E, com jeito e paciência, lá vamos aprendendo a navegar os hábitos e preferências daqueles com quem conversamos por e-mail. Não é diferente do que fazemos no dia-a-dia.

2 Não é fácil explicar o que queremos
Há uns dias, um cliente enviou uma dúvida a uma colega minha. A dúvida era clara e directa. Mas, logo a seguir à dúvida, vinha uma lista de vários termos, com traduções.
Ficámos baralhados: será que a lista tinha alguma coisa a ver com a dúvida? Não parecia. Será que eram termos que nós tínhamos usado e o cliente estava a questionar? Ou seria um glossário para usar no futuro? Ou ainda erros que o cliente detectara nas nossas traduções?
Era impossível saber. Depois de perguntarmos, lá percebemos que eram traduções de outros tradutores que o cliente queria verificar. Ou seja, tínhamos de enviar orçamento, o cliente aprovaria e então, sim, lá viria a verificação da nossa parte.
É fácil desesperar e pensar: mas onde estava o cliente com a cabeça para julgar que iríamos adivinhar tudo isto?
Ora, enquanto escrevia a mensagem, o cliente sabia o que queria — mas não tinha muito tempo para reflectir um pouco sobre aquilo que nós sabíamos ou não. É muito mais fácil cair neste erro do que pensamos.
Há uns tempos, num livro de Steven Pinker de que já falei por aqui (The Sense of Style), encontrei o termo «maldição do conhecimento». É uma das razões para escrevermos mal: a dificuldade em perceber o que os outros não sabem. Nem sempre conseguimos imaginar como é não saber aquilo que sabemos — e isto tanto vale para grandes teorias científicas como para as tarefas dum projecto de tradução.
O nosso cliente sabia o que era preciso fazer. Não sabia era como explicá-lo nem tinha tempo de separar o que só ele sabia daquilo que era óbvio para todos os envolvidos.
Fez por mal? Claro que não! É inconsciente.
(Às vezes, lá caímos no exagero contrário e explicamos coisas que são óbvias. Mas o perigo é menor — só irrita um bocadinho quem recebe o e-mail. Mais vale pecar por excesso e explicar a mais do que a menos…)

3 É fácil cair no poço das conversas em grupo
Dois é bom, três é agradável, quatro já começa a ser uma multidão.
E mau, mas mesmo mau é quando mandamos mensagem a 30 pessoas a pedir opinião e, de repente, temos mais de 100 respostas e um bom debate cheio de boas ideias que se perdem na catadupa de respostas a respostas a respostas… Isto para não falarmos das dezenas de versões diferentes do documento em discussão.
Se tivermos de enviar uma mensagem a pedir opinião a 30 pessoas, talvez não seja má ideia usarmos outro método. Um documento partilhado, por exemplo, ou até um fórum. O e-mail não é um bom método de comunicação entre mais do que duas ou três pessoas.

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

Parte I

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