Bianca Mendes

Nasceu na Bahia, Brasil em 1978. Licenciada em Fisioterapia, também trabalha como artesã, artista plástica, contadora de histórias e formadora. Atualmente faz parte da equipa fixa da Companhia de Teatro Cães do Mar, colaborando nas áreas da produção, cenografia, interpretação e faz parte da rede de artistas MiratecArts. Em 2006, com o livro Miudinho e o Caçador de borboletas recebeu o Prémio Zélia Saldanha de literatura infantil (Vitória da Conquista-Bahia), colaborou em diversas publicações literárias no Brasil e em Portugal e marcou presença em exposições de pintura em aguarela e esculturas nos Açores, em França e no Canadá.

Como nasceu a paixão pelos Açores? Foi uma decisão fácil vir viver para a Terceira?

Desde cedo eu sabia que um dia deixaria o Brasil, os genes de antigos exploradores marcaram em mim esse destino e os Açores surgiram no meu caminho como acredito que surgiram no caminho dos primeiros navegadores: como uma feliz surpresa. Foi fácil decidir vir para cá, como é fácil viver aqui. Eu vejo este arquipélago como uma reminiscência do Éden.

Quando e como iniciou a sua atividade artística? Conte-nos um pouco do seu percurso profissional.

A minha atividade artística é muito fruto da afinação do olhar propiciada pelas pessoas que acompanharam meu crescimento. Na minha casa tínhamos o hábito da maravilha. Uma flor brotava no jardim era uma maravilha, nascia um rebento de cacau era uma maravilha, o café amadurecia no pé, outra maravilha, uma ninhada de gatos, a primeira estrela, a forma que as nuvens tomavam… isso prepara qualquer pessoa para a arte. A partir daí, foi só me propor a fazer coisas. Arriscar, dar a cara a tapa. Comecei com a literatura, aprendi a escrever porque queria ser escritora, era a minha motivação. Depois fui descobrindo outras delícias, veio o artesanato, a boneca de pano, o brinquedo como forma de acarinhar o mundo. Da boneca de pano para o papel machê foi um pulinho: um dia, uma das minhas bonecas mais exigentes me pediu uma máscara e lá tive que aprender a fazer. Coisa que nunca pensei na minha vida que tivesse mão. E não tinha, mas o capricho de uma boneca como aquela tem que ser atendido. Acabei por me deparar com uma forma de expressão poderosíssima: a escultura. Foi também onde enfrentei os meus medos mais ferozes, a falta de técnica e de habilidade, as inseguranças. Depois disso, me senti ousada. Mais tarde, um Diabrete me pediu um retrato dele, a mim, que não sabia desenhar um “O” com um copo, mas tive receio de sua reação, então fui lá e fiz. Acho que se um diabrete me pedisse para construir uma ponte que unisse as nove ilhas dos Açores, eu me sentiria capaz de fazer. São criaturas muito convincentes e puxam muito por nosso potencial. Eu não sei aonde mais irei a partir daqui, mas é certo que enquanto puder andar, vou continuar voando.

Artesã, artista plástica, atriz, assistente de cenografia, escultora, educadora. Em qual destes papéis se sente mais realizada?

O que me realiza é mesmo é poder fazer isso tudo, e ainda falta aí a fisioterapeuta, que vem completar o puzzle “corpo-mente-espírito” de uma pessoa sendo no mundo.

É mais fácil ser artista no Brasil ou em Portugal? Quais as principais diferenças que vê nos dois países no que respeita à cultura?

E é fácil ser artista em algum lugar deste planeta?! Mas sendo um pouco pragmática, digo que a resposta a essa pergunta vai depender da perspetiva. Se tiver que definir onde é menos difícil em termos financeiros, eu diria que em Portugal, de certeza. Aqui conseguimos ir sobrevivendo com arte. Este ano conseguimos o apoio da DgArtes, o que permite manter uma equipe fixa na companhia de teatro onde trabalho, a Cães do Mar. Isso para nós é um grande feito. No Brasil, a vida do artista é muito mais precária, e muitas vezes sufocada em outros trabalhos que somos obrigados a ter para garantir o sustento, no entanto, neste ponto há entre os dois países mais semelhanças que diferenças. Por outro lado, se formos ver a questão por outros parâmetros, talvez eu dissesse que é mais fácil ser artista no Brasil, mais natural, até porque a dureza da vida nos obriga a lançar mão da criatividade de uma forma mais incisiva em todas as áreas, e isso nota-se na originalidade do trabalho que se faz por lá e que vai fazendo escola, como o Teatro do Oprimido, por exemplo.

Educadora e artista, são atividades distantes ou pelo contrário elas complementam-se?

Na minha visão, e quero deixar claro que não considero uma verdade absoluta, mas uma verdade para mim, um artista que não busca ser educador falha na sua missão mais básica: transformar a comunidade. Claro que há imensas maneiras para alcançar essa transformação, mas a educação, essa educação do olhar e do sentir, essa educação para a maravilha que me ofereceram desde a infância, penso ser a mais exuberante e a mais eficiente para criar uma comunidade artisticamente ativa, interessante e pensante.

No seu meio artístico, o que é necessário para alcançar o sucesso/êxito?

Considero que há três coisas fundamentais: Trabalhar, trabalhar e trabalhar-se. As duas primeiras são auto-explicativas, a terceira carece de aprofundamento: nós costumamos cultivar muito os nossos medos, e o artista cultiva medo como couves. O medo do julgamento e da exposição levam a uma insegurança que se revela no perfeccionismo. Todos os artistas que conheço já esbarraram aí. É onde muitos sucumbem. Ultrapassar a barreira do perfeccionismo é o grande desafio. Ninguém quer entregar ao mundo uma obra mal acabada, mas é preciso percebermos que arte é caminho e não chegada. Falando da minha experiência, eu só avancei e expus a primeira peça quando desisti de esculpir uma esfera perfeita. Não está na minha natureza a perfeição. Então assumi a minha forma torta, a minha rudeza. No percurso vou tentando acertar. Ser um bocadinho condescendente com as minhas próprias limitações me traz alívio. E o mais bonito é que as pessoas conseguem se identificar com isso e sentem alívio também. E para mim, não há maior sucesso.

Desde 2019 vem fazendo oficinas para crianças e adultos dentro do tema da mitologia açoriana. Fale-nos um pouco do que é este projeto e o porquê do tema.

Temas como mitologia e folclore sempre exerceram fascínio sobre mim e quando tomei conhecimento das criaturas que habitam o folclore açoriano, pareceu-me desolador que as novas gerações não convivam com elas, são demasiado interessantes para caírem no esquecimento. Não podemos permitir isso. Então o que fiz foi abrir os livros que existem sobre o assunto e tirei de dentro deles as Encantadas, os Diabretes, as Bruxas e os Lambusões e apresentei-os aos mais novos. Nas oficinas contamos histórias, falamos sobre os amuletos que podemos usar para nos proteger das suas diabruras, damos-lhes nomes, corpo, voz, gestos, pintámos-lhes retratos, esculpimos-lhes pequenas estátuas e o mais importante, comprometemo-nos a passar a palavra para manter vivas as suas memórias.

Quais são os seus projetos para 2024?

Para além de todo o trabalho que já temos programado para a Cães do Mar, tenho alguns projetos pessoais que passam pela literatura infantil, com trabalhos que incluem desde a escrita à ilustração.

É uma das artistas colaboradoras da MiratecArts e regular no festival Animapix. Como é que esta entidade tem contribuído para a evolução da sua vida no setor artístico?

A MiratecArts é um refúgio para todos os artistas da região. Um verdadeiro bunker onde todos somos acolhidos independente do género de arte que façamos, somos cuidados, incentivados e postos em evidência com tudo aquilo que temos para oferecer. É preciso que toda a região reconheça a importância desse trabalho. Não é todo mundo que vai buscar o artista mais desconhecido e mais acanhado e lhe oferece um lugar ao sol, ao lado de todos os outros. Isso movimenta, inspira, energiza.
A mim particularmente a MiratecArts tem funcionado como catalizador. Sempre que a terra sobre as minhas raízes está muito pisada, vem a associação revirar com sua pá de ideias, enquanto grita: “Mexe-te!”. É o tipo de cuidado que não tem preço.
Este ano criei a ilustração para o cartaz do festival AnimaPIX e comecei a desenvolver com a MiratecArts o livro ilustrado “Oh não, meu irmão é um lambusão!”.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

Façam coisas. Coisas variadas. Guardem a frase do Andy Warhol que disse: “Não pense sobre fazer arte, apenas faça. Deixe que os outros decidam se é boa ou ruim, se a amam ou a odeiam. Enquanto eles decidem, faça mais arte.” Arrisquem, percam a vergonha, busquem open calls, ultrapassem a procrastinação, o perfeccionismo, grafitem o mundo com a alma de vocês. A vida não é uma caverna pré-histórica a ser conservada, aqui podemos escrever em tinta de ouro ou riscado a chave: “Eu estive aqui!”


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