Poesia – Cesário Verde
Eu e ela
Cobertos de folhagem, na verdura,
O teu braço ao redor do meu pescoço,
O teu fato sem ter um só destroço,
O meu braço apertando-te a cintura;
Num mimoso jardim, ó pomba mansa,
Sobre um banco de mármore assentados.
Na sombra dos arbustos, que abraçados,
Beijarão meigamente a tua trança.
Nós havemos de estar ambos unidos,
Sem gozos sensuais, sem más ideias,
Esquecendo para sempre as nossas ceias,
E a loucura dos vinhos atrevidos.
Nós teremos então sobre os joelhos
Um livro que nos diga muitas cousas
Dos mistérios que estão para além das lousas,
Onde havemos de entrar antes de velhos.
Outras vezes buscando distracção,
Leremos bons romances galhofeiros,
Gozaremos assim dias inteiros,
Formando unicamente um coração.
Beatos ou pagãos, vida à paxá,
Nós leremos, aceita este meu voto,
O Flos-Sanctorum místico e devoto
E o laxo Cavalheiro de Flaublas…
Cesário Verde
Cesário Verde
O poeta português José Joaquim Cesário Verde nasceu em Lisboa no dia 25 de fevereiro de 1855. Conhecido por seus dois últimos nomes, ele é visto como um dos predecessores e grande influência do estilo poético realizado no século XX em Portugal. Poeta do concreto, das quadras simples, Cesário Verde é um dos precursores do modernismo em Portugal. No seu tempo foi ostensivamente ignorado. O reconhecimento, a admiração, vieram muito depois da morte, aos 31 anos de idade. Vários poetas e escritores portugueses, do século XX, foram influenciados pela poesia de Cesário Verde. Um dos principais foi o grande escritor português Fernando Pessoa que considerava Cesário Verde como um dos seus mestres.
Esta rubrica pretende dar a conhecer ao mundo o melhor da poesia por diversos autores lusófonos. Os poemas são selecionados por Gilda Pereira, uma fã incondicional de poesia.