Daniel Guedelha
Pode a nossa Diáspora melhorar o cluster farmacêutico em Portugal?
Daniel Guedelha, Strategic Advisor to Global Pharmaceutical Industry e Fundador do podcast Cruzamento. Membro do Conselho da Diáspora Portuguesa
A Diáspora Portuguesa continua a crescer e muitos quadros altamente qualificados têm optado pela área da saúde, nomeadamente a indústria farmacêutica. Essa foi também a decisão do Daniel. Pode descrever-nos como surgiu essa ideia e como foi a sua passagem de Portugal para a Diáspora?
Desde os meus 15 anos que me lembro de pensar na minha missão de vida: “gerar felicidade”. Cedo percebi que um dos fatores mais relevantes para sermos felizes é a nossa saúde. Isto levou-me a uma enorme curiosidade em procurar perceber a área da saúde especialmente o seu impacto nas pessoas e nos doentes. Durante o meu quarto ano de Engenharia Biológica (Instituto Superior Técnico), comecei proativamente a procurar oportunidades nesta área e acabei por descobrir a Indústria Farmacêutica. Também ambicionava uma experiência internacional numa empresa com excelente reputação. Após alguma investigação encontrei na sede da Novartis (Suíça), o ambiente ideal para o futuro profissional que eu pretendia. Este passo marcou o início da minha viagem e estou na Novartis, um gigante farmacêutico mundial, há mais de 15 anos.
Pode fazer-nos um resumo desse seu longo percurso na indústria farmacêutica?
Durante este percurso tive a oportunidade de desempenhar funções de crescente responsabilidade ao longo da cadeia de valor do medicamento, desde a Investigação e Desenvolvimento, Produção, “Global Supply Chain”, até funções mais comerciais como “Global Key Account Management”, “Merger & Acquisitions”, “Business Development” e “Corporate Strategy”. Mais recentemente, assumi o cargo de “Chief of Staff” para o presidente da divisão “Global Health & Sustainability”.
Com este percurso, tive a oportunidade de conhecer a indústria farmacêutica a fundo, o que me permite ter uma visão integrada e estratégica da indústria.
O Daniel trabalha na cidade Suíça de Basileia, que é um dos maiores hubs mundiais da indústria farmacêutica. O que torna Basileia tão especial?
A criação deste sector económico forte e competitivo passou por um longo processo. A indústria farmacêutica na Suíça, e em particular na cidade de Basileia, teve origem há mais de 200 anos na indústria têxtil. Depois de uma evolução que passou pelos químicos (fertilizantes e pesticidas), chegou mais recentemente à biotecnologia.
Nas últimas décadas a cidade de Basileia emergiu como um dos hubs globais em ciências da vida. Existem mais de 800 empresas, 1000 grupos de investigação e 14 institutos de investigação e desenvolvimento, que no total empregam mais de 30.000 pessoas nas áreas da biotecnologia e no sector da saúde (1).
A cidade tem também várias instituições académicas que têm contribuído com investigação e formado um conjunto de cientistas muito talentosos, com um grande foco em ciências da vida, nomeadamente a “Basel University”, o “Institute of Molecular and Clinical Ophthalmology Basel” e o “Friedrich Miescher Institute for Biomedical Research” (FMI). A presença destas instituições de alto nível promove uma colaboração estreita entre academia e indústria, contribuindo para a inovação e o avanço científico.
Grupos privados, públicos e académicos contribuem para um ecossistema vibrante e que tem gerado várias “spin-offs” que acabaram por ficar na região. Para que tal fosse possível, a contribuição de “venture capitalists” tem sido fundamental, dos quais cito alguns exemplos: “Versant Ventures”, “BioMed Partners”, “Roche Venture Fund” e “Novartis Venture Fund”. Iniciativas como o “BaseLaunch” que procuram estabelecer parcerias entre cientistas e empreendedores também têm um papel importante neste ecossistema, sendo que já angariaram mais de 500 milhões de euros para empresas no seu portfólio(2).
A presença das sedes de algumas das maiores farmacêuticas do mundo, como é o caso da Roche e da Novartis (entre outras), tem igualmente um grande peso. Por exemplo, a sede da Novartis tem cerca de 8000 trabalhadores, muitos deles altamente qualificados e a trabalhar nas áreas de investigação e desenvolvimento, marketing, estratégia global entre outras.
Estes fatores criam um ecossistema propício para o crescimento e a excelência na indústria farmacêutica, tornando Basileia um dos principais centros globais neste setor.
Falando em talento: Muitas vezes olhamos para a emigração qualificada, nomeadamente na área da indústria farmacêutica, como um “desperdício” do investimento que fizemos na sua educação. Qual é a visão do Daniel?
Não olho para a emigração qualificada como um desperdício, mas sim como uma oportunidade que precisa de ser materializada e alavancada.
Segundo uma estimativa do Observatório da Emigração, mais de 850 mil jovens que têm hoje entre 15 e 39 anos deixaram o país e residem atualmente no estrangeiro (3). Portugal tem imensos talentos espalhados pelo mundo fora e é uma realidade que conheço muito bem. Há mais de 15 anos que trabalho na cidade de Basileia, um dos maiores “clusters” globais da indústria farmacêutica, e só duas empresas (Novartis e Roche) têm mais de 200 portugueses altamente qualificados, talentosos e diferenciados. É um verdadeiro pote de talento que temos de aproveitar!
Sem dúvida um verdadeiro “pote de talento”. Mas acredita que só conseguimos “recuperar esse investimento” se esse talento voltar fisicamente para Portugal?
O facto desse talento ter ido para fora, ganhar outras competências, trabalhar com outras culturas, absorver o que de melhor se faz lá fora (e aprender com os erros), é uma enorme mais-valia. Mas para tornarmos essa emigração qualificada uma vantagem para Portugal, temos de garantir que parte desse talento contribua para o nosso país. Essa contribuição pode ser com o regresso para Portugal, mas um contributo intelectual acrescenta muitas vezes tanto ou mais valor. Temos de assegurar que criamos os canais certos para que esses talentos possam contribuir juntamente com o excelente talento que temos em Portugal, para que possamos continuar esta construção e alavancagem do nosso cluster farmacêutico.
Como pode o “cluster” farmacêutico beneficiar da Diáspora portuguesa? Por onde podemos começar?
Eu acredito que, no centro do desenvolvimento das nossas sociedades, estão as pessoas. Em particular na indústria farmacêutica, sei que temos pessoas com um imenso talento. Um dos eixos fundamentais para o sucesso do nosso país, e em particular na indústria farmacêutica, passa por conseguir ligar o talento da nossa Diáspora ao talento que temos em Portugal. É urgente alavancarmos essas ligações e a troca de conhecimento.
Um exemplo concreto: O primeiro curso em Portugal sobre “Global Pharmaceutical Industry” (4) que tenho o privilégio de liderar tem exatamente essa visão: ligar o talento que está na Diáspora com o talento que temos no nosso país. Esta partilha de conhecimento, de inovação e criatividade pretende ter um contributo direto e estratégico para o nosso cluster farmacêutico. Depois do enorme sucesso desta primeira edição, vamos continuar a criar valor e a ligar a nossa Diáspora ao enorme talento que temos em Portugal.
Nos mais de 15 anos em que tenho trabalhado fora de Portugal, constato que existe um número muito elevado de portugueses altamente qualificados com uma enorme vontade de partilhar o fantástico conhecimento adquirido ao longo destes anos. Temos de aproveitar esta oportunidade: as instituições portuguesas (incluindo as universidades) têm de aproveitar este importante manancial de conhecimento. Deixo aqui o apelo a todos os leitores, se for uma dessas pessoas, que gosta de partilhar o seu conhecimento, por favor entre em contacto comigo.
Por vezes são as pequenas ideias, simples, que depois de trabalhadas se tornam um verdadeiro motor de mudança. Vamos partilhar, pensar, conceber estratégias e implementar ideias juntos. Vamos construir e fazer acontecer! Vamos tornar Portugal um país melhor.
1 – Basler Zeitung, September 1, 2023; Basel stärkt sich weiter als Life Sciences Zentrum im Herzen Europas
2 – https://www.startupticker.ch/index.php/en/news/baselaunch-accelerating-therapeutic-ventures-with-funding-of-up-to-500-000
3 – https://expresso.pt/sociedade/2024-01-11-Exodo-tem-um-impacto-brutal-30-dos-jovens-nascidos-em-Portugal-vivem-fora-do-pais-6b42d39c
4 – https://fm.ucp.pt/global-pharmaceutical-industry-patient-strategy-and-innovation-2nd-edition