David Valente
O Papel da Liga Presbiteriana Evangélica na Formação de Angolanos e a Hospedaria 122
Duas alunas da escola primária da Missão do Dondi conviveram com missionários Evangélicos em Angola e em Portugal, como residentes e amigas de estudantes da Hospedaria da Liga Presbiteriana de Lisboa, de Coimbra e do Seminário de Carcavelos. Quis o destino que a vida de Judite Luvumba e de Ernestina Venâncio continuassem a cruzar-se na diáspora desde os anos 80, sendo a última a única residente naquele seminário após ter sido encerrado. Por intempéries da vida teve a benesse dos missionários confiarem e tornarem-na a última guardiã voluntária daquele edifício histórico.
Nostalgicamente, nos seus depoimentos referenciam a Hospedaria 122 como o ponto de encontro dos alunos enviados pelas Missões Evangélicas do Sul de Angola a Portugal para frequentarem as universidades lisboetas ou o Seminário Evangélico em Carcavelos.
Rapidamente, o HSA se apercebeu da importância destas instituições e em particular da Hospedaria em Lumiar enquanto determinantes na formação dos quadros superiores nacionais, bem assim como a Casa dos Estudantes do Império, a primeira raramente referenciada como a outra residência de bolseiros angolanos em Portugal.
Esta e outras memórias transcritas são confirmadas pelo atual Presidente da Liga, o Advogado David Valente que para além dos vinte e dois anos entre a vice-presidência e à presidência também foi estudante residente no período 1981-1986. De nacionalidade portuguesa, 60 anos de idade, se predispôs a ceder as suas memórias desta instituição, sensibilizar a funcionária mais antiga e disponibilizar o arquivo com o objetivo das novas gerações conhecerem parte do passado dos estudantes universitários dos PALOP em Portugal.
Contamos encontrar complementaridades nas memórias de infância da Judite Luvumba sobre o que diziam os pastores evangélicos “O vosso país vai mudar e vai mudar muito rapidamente” sem aqueles adolescentes saberem que se referiam às independências das últimas colónias africanas, as do império colonial português.
O segundo objetivo do depoimento do atual Presidente da Igreja Evangélica Presbiteriana de Portugal (IEPP) são as suas referências sobre o Seminário de Teologia desta Igreja que funcionou em Carcavelos, junto à estação de Comboios de Portugal (CP), local onde também funcionou a sede desta Igreja que após encerramento serviu de residência à família de Ernestina Venâncio com o apoio da sua amiga de infância Judite Luvumba, ambas tradutoras de hinários e do Evangelho de São Marcos de português para umbundu, uma das três línguas nacionais mais faladas em Angola.
Terceiro, é incontornável descrever o papel destas instituições na formação de quadros superiores angolanos nos períodos colonial e pós independência, pois segundo estas memórias a grande distinção consiste em os seminaristas residirem e estudarem neste seminário de Teologia e os outros estudantes residirem na Hospedaria da Liga, chamada pelos estudantes angolanos por Hospedaria 122.
Quarto, a história social destas duas angolanas, dos seus amigos de infância no Dondi e de outros alunos das missões evangélicas em Angola apresentam um segundo denominador comum, o de se terem reencontrado no país de emigração devido ao apoio da Liga aos retornados “africanos”, para uns e para outros o país onde se tornaram seminaristas e quadros superiores notáveis.
Quinto, estas duas instituições foram também palco do encontro com outros evangélicos dos países da CPLP, por isso constituem caso de estudo por serem fontes do nacionalismo africano em geral e em particular de Angola.
No fim do primeiro encontro, informa ao HSA que em 1988 foi um dos fundadores da Oikos – Cooperação e Desenvolvimento, uma Organização Não Governamental de cariz ecuménico e universalista, uma das primeiras ONG para o Desenvolvimento em Portugal, com os padres católicos romanos Agostinho Jardim Gonçalves e Luís de França, e ainda com Jeremias Carvalho, Guilherme Pereira e o pastor José Manuel Leite. Esta ONG desempenhou um papel ativo no desenvolvimento do terceiro sector nacional de Angola, tendo também colaborado a título pessoal na constituição da ADRA – Ação de Desenvolvimento Rural de Angola. Desafiamos o depoente a partilhar também estas memórias com a HSA.
Cada coleta de memórias tem sido particular, pela primeira vez a HSA recolhe memória institucional e memória coletiva recorrendo às entrevistas abertas ao ex-estudante e atual Presidente da Liga. Em seguida, analisamos as fotografias e documentos para produção desta memória coletiva na perspetiva da conservação e divulgação deste acervo relacionado com a vida social dos estudantes angolanos, portugueses e de missionários canadianos e americanos em Portugal.