Esmeralda Santos

As duas partes deste depoimento são editadas em simultâneo visto não existirem factos diferentes que justifiquem a diferenciação entre as partes, outros sim, a complementaridade das memórias narradas. A recolha foi realizada em uma fase particularmente frágil de Esmeralda Santos, depoente sugerida por outra veterana do setor social nacional, a nacionalista Maria Rufina Ramos da Cruz.

© História Social de Angola

A mulher angolana desempenhou um papel significativo em todas as fases do Pós independência, algumas destas laboraram afincadamente até já não poderem mais e pela sua humildade engrossaram as fileiras de uma das maiores organizações partidárias de mulheres em Angola, a OMA. Esmeralda Santos foi uma delas, embora a limitação da sua memória não permita neste momento aprofundar e espelhar a sua contribuição efetiva junto às comunidades femininas, crianças e idosos.
Neste contexto a HSA reconhece neste depoimento como sendo também o de muitas outras angolanas, senhoras simples, despidas de vaidade, diz-nos não ter gostado de estudar, ter optado por ser costureira, arquivista e funcionária da OMA e da Pan Africana das Mulheres, tendo sido uma das obreiras do Largo das Heroínas, em Luanda, a maior representação material sobre a participação da mulher angolana na luta pela independência.

Contexto

Chamo-me Esmeralda José Carlos dos Santos, nasci em Luanda a 10 de Outubro de 1935. A minha juventude foi boa, cresci bem, ao lado dos meus pais, deram-me todo o carinho possível e depois fui para a escola, fiz a quarta classe e a partir daí a minha mãe disse “ agora como não queres estudar mais tens que ir para a escola de costura ” e eu aceitei e aprendi, eu gostei porque sempre gostei de coser.

Factos marcantes do tempo da juventude

Eu não gostava de estudar, ia a escola e muitas vezes até escondia-me em casa da minha tia Maria Geovetty e a partir daí minha mãe disse “se não queres ires para a escola, não vais, já és uma senhorita, já tens dezoito anos e precisas de dar, porque eu não durarei para sempre”. Depois, estudei na escola sete, depois fui para escola 8, mas chumbei na admissão porque eu não queria mesmo estudar. Em contrapartida, gostava muito de ler os romances e as fotonovelas e fui para a costura. As minhas amigas Belita Palma e a Lourdes Van Dunem, eu não fui para o grupo delas mas não avancei mais porque o meu pai não permitiu.
– eu gosto de cantar, eu gosto de dança
– está bem, mas deixa isso lá para a rua, faz o que a tua mãe diz,
– Mas, eu como sempre gostei de cantar, fugia para cantar com elas, com a Alba Clington e com a Dolores, pertenci ao grupo Assis, estive lá muito tempo.

© História Social de Angola

Depois, desta minha vida que eu queria e não me deixaram, comecei a namorar aos catorze anos com o meu marido e a partir daí veio a segunda fase, foi bem pior. O meu pai nunca quis o meu marido, mas agora casares com ele, não vais casar ! Eu fui sempre muito exigente, religiosa e disse, vou mesmo casar com ele “se queres te casar com ele, casa, se ele te maltratar as portas estão abertas”, eu disse obrigada e comecei a preparar as minhas coisas. Namorei oito anos com o meu marido, depois ele foi transferido para Moçâmedes e a partir dali eram cartas e mais cartas e o meu pai trabalhava nos correios de maneira que ele tomava conta das cartas todas e não me entregava, até que um dia o meu tio Nicolau Giovetty disse-me, eu estou a ver aqui na gaveta do teu pai cartas; cartas de quem, como é que ele não me entregou essas cartas? Ele viu o remetente e ele disse, “vamos o mudar o nome” e eu disse “já que vou mudar de nome, vou mudar e por o nome do meu irmão, Antonete e “vamos mudar de Antonet para Tona”, daí o nome da Anot Maria e ficou com este nome para ele não descobrir e foi assim que continuamos, para eu escrever-lhe porque já podia receber as cartas que ele escrevia.
Fomos para o Cunene a 17 Setembro, havia guerra em 1961 e o meu marido foi transferido. Depois disso, eu como sabia coser arranjei uma máquina e comecei a coser para mandar roupas para as minhas irmãs, para ajudar a minha mãe.
A partir daí estivemos seis anos e depois fomos transferidos para o Lobito e estivemos lá dois a três anos onde nasceu o Heddy, eu já tinha a Anot Maria, o Edgar já tinha morrido e o Altino nasceu cá. Portanto, eu enterrei dois filhos no Cunene, a Vininha e o Edgar. Depois, fomos para o Lobito, onde nasceu o Heddy e a seguir fomos para Luanda eu já estava cansada de rodear, já não aguentava mais então fomos para Luanda.
Integrei-me, já me tinha integrado em 1961 no Cunene, eu via aquelas senhoras, conversava com elas para saber o que elas faziam, o que elas queriam, mas nunca me identifiquei, não podíamos fazer isso.

© História Social de Angola

Pós Independência
Então, quando vim para Luanda enquadrei-me na OMA no Bairro Neves Bendinha onde trabalhei muitos anos, ajudando as senhoras a coser. Passando uns anos eu disse vou à procura de outra vida, então fui para o Museu de História Natural trabalhar e ali comecei, trabalhava na OMA e no museu. Depois, transferiram-me para o Arquivo Histórico na Serpa Pinto, a Ruth Neto foi procurar-me , ela entrou e disse “quero falar com a Senhora Esmeralda dos Santos”, ninguém me conhecia com este nome porque o meu pai era José Carlos Neto e a minha mãe Etelvina Geovety.
– Esmeralda está aqui fora uma senhora que quer falar contigo e diz que não te vê há muitos anos, e tem de atendê-la para a senhora perceber que não és a Esmeralda Neto.
– Está bem, põem na sala de espera que eu vou já atender.
Quando cheguei à sala qual não foi o meu espanto, era a Ruth Neto. Abraçamo-nos, choramos de alegria e ela diz-me:
– Eu já andei à tua procura, quando formamos a OMA fui à tua procura, onde andaste?
– No Cunene
– E nem sequer te despediste, então se estás aqui eu vim buscar-te
– Não sei se o António Jacinto me vai deixar sair daqui.

E um dia desses ela aparece para me levar para a OMA Nacional e eu disse-lhe:
– Eu não sei se vais conseguir tirar-me daqui.
Porque eu já era a segunda secretária do sindicato, sempre a falar com as mulheres, a saber o que elas queriam fazer. E ela foi falar com o António Jacinto:
– … Tu vieste buscar a Esmeralda porquê, ela aqui faz-nos muita falta, aqui também temos o sindicato e a OMA
– Não, ela vai comigo para a OMA
– Vai? Vocês as mulheres já começaram a mandar, leva a Esmeralda.
– Mas se te maltratarem o teu lugar está aberto.

Fui para a OMA, tive de entrar para o partido. Depois, surgiu o congresso, houve uma reunião de mulheres de todas as províncias que foram a eleição. No dia das eleições cada uma teve o seu papel, eu também fui eleita nesse dia para Secretaria de Assuntos Gerais. Comecei a trabalhar na OMA e em tudo que fosse possível.

O Monumento às Heroínas

Chegamos à conclusão que tinha de haver uma estátua em homenagem à mulher angolana em Angola, o projeto resultou no Largo das Heroínas, próximo ao 1º de Maio.
A Ruth disse-me: “Esmeralda como foste eleita para secretária de assuntos gerais tu vais assumir, arranjas os teus quadros e historiadores para ver se fazemos uma estátua da Deolinda Rodrigues”. Eu disse que está bem, fiquei bem feliz. Dei as minhas voltas, fui ter com os coreanos para ver se ajudavam a fazer a estátua. Depois disso, havia muita dificuldade por causa do material e não sabia com quem contactar e fui ter com o camarada Lúcio Lara que me ajudou muito e ele disse-me “Esmeralda sabes o que dizem que tu és a secretaria mais teimosa que está na OMA”, eu disse “obrigada chefe”.

Trabalhei com os Coreanos, com a Soares da Costa e com um outro empreiteiro, fomos fazendo o trabalho , sempre com muito sacrifício e depois para as medalhas fomos batendo portas e trabalhamos (parece) com a Bricomil, com o João Maria de Sousa e o com o senhor Lima e lá fizemos as estátuas e o Largo das Heroínas.

Aprendizado com outros povos

Fiquei na OMA quase dezanove anos, ali começaram as saídas, a primeira vez que saí fui a China com a camarada Ruth, depois fui para a URSS com outros camaradas, França, a Itália, Moçambique, Zâmbia, Egito, Zimbabwe, Mali, Senegal, Côte d’ Ivoire, andei por estes países todos.

Organização PANA

Anos mais tarde , fui para a Organização Pan Africana das Mulheres, eu disse “camarada Ruth estou cansada deste trabalho, sempre em reuniões, eu não aguento muito mais” e a Camarada Ruth diz “então vamos para a PANA, ali há mais descanso”. Comecei outra vez a fazer o meu trabalho, assistia todas as pessoas que iam conversar connosco e era responsável com todos assuntos relacionados com o material. Andei pelas dezoito províncias, sempre de encontro aos interesses das mulheres para saber o que elas queriam fazer.

A importância da sua geração partilhar as suas memórias com as gerações novas

Eu gostaria que toda essa juventude fizesse mais trabalho porque a juventude de agora  quase não  faz nada, querem beber e fumar,  não se dedicam a nada, quase não querem trabalhar. No nosso tempo os nossos pais obrigavam-nos a trabalhar, eu lembro-me que a minha mãe andava sempre atrás de mim  e eu até fugia para casa das minhas tias porque nunca gostei de cozinhar.   Não sei se atualmente os pais não tem força, ou não tem vontade. Nós respeitamos os nossos pais, aquilo que eles diziam  para nós era  sempre bom e ajudava-nos a  participar, termos mais noção, mais  responsabilidade.

Hoje, os filhos não  têm responsabilidades, não querem saber dos pais, um ou outro é a exceção.


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