Grande Entrevista Pedro Adão e Silva

Ministro da Cultura

Fotografia ©Tiago Araújo

Nasceu em Lisboa, em 1974. É Licenciado em Sociologia, pelo ISCTE-IUL, e Doutorado em Ciências Sociais e Políticas, pelo Instituto Universitário Europeu. Do seu percurso profissional destacam-se as passagens pela Escola de Sociologia e Políticas Públicas do ISCTE-IUL, enquanto professor auxiliar e diretor do programa de Doutoramento em Políticas Públicas. Foi vice-presidente do IPPS-IUL e é, atualmente, membro da Direção do laboratório colaborativo CoLABOR. É membro do Conselho Geral da APREN e do Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e, desde 2022, assume a pasta da Cultura no XXIII Governo Constitucional. Não perca a Grande Entrevista desta edição com Pedro Adão e Silva, Ministro da Cultura.

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Desde 2022 integra o executivo de António Costa e foi a escolha do primeiro-ministro para substituir Graça Fonseca na liderança do Ministério da Cultura no XXIII Governo Constitucional. Após várias negas a António Costa, o que o levou, finalmente, a aceitar o convite para assumir a pasta da Cultura?

O contexto é muito importante. A maioria absoluta dá um horizonte de estabilidade e de previsibilidade, que permite ter um tipo de intervenção nas políticas públicas, que noutro quadro não seria possível. O tempo é uma variável determinante na política e este Governo tem tempo. Tempo para fazer alterações estruturais em várias áreas e, especificamente, naquela em que tenho responsabilidades, que é a área da Cultura. É exatamente nisso que estamos a trabalhar. Em responder, eficazmente, por um lado, a situações de alguma emergência e, por outro, a trabalhar em soluções para responder a problemas que estão diagnosticados.

À frente do Ministério da Cultura, terá em mãos a recuperação deste setor, depois de dois anos em que foi fortemente impactado pela pandemia da Covid-19. Quais são os principais desafios que se esperam na Cultura nos próximos quatro anos de legislatura?

Todos nós tivemos a nossa vida alterada e afetada pela pandemia, mas há setores que foram mais afetados. A Cultura está certamente entre os setores mais afetados, muito graças àquilo que são as especificidades da atividade cultural. Ao contrário do que tem acontecido em outros setores, também muito afetados, a recuperação da Cultura tem sido particularmente difícil e isso, obviamente, coloca desafios importantes. Neste âmbito é possível distinguir desafios a curto e a médio/longo prazo. A curto prazo pretendemos recuperar o emprego no setor e foi por isso que fizemos este reforço muito significativo do Programa de Apoio Sustentado às Artes, que mais do que duplicou em relação ao quadriénio anterior. Este reforço significa que o Estado está a injetar recursos financeiros para recuperar o setor, criando mais emprego. Para além disso, os valores aos quais as entidades se podem candidatar estão, diretamente, associados ao número de postos de trabalho que criam, com contratos sem termo. Dito isto, mais dinheiro no sistema e mais dinheiro no Programa de Apoio Sustentado às Artes significa mais emprego no setor, sobretudo, emprego protegido. E isso para nós é fundamental.

Depois, há desafios de médio/longo prazo. Um desses desafios está ligado ao setor da Programação e Criação Artística, ou seja, a todas as entidades que são apoiadas pela Direção-Geral das Artes (DGArtes). Neste contexto, pretendemos, essencialmente, estabilizar e consolidar o ecossistema de programação e criação. Daí a aposta nos quadrienais e a criação da possibilidade de algumas entidades apoiadas verem os seus apoios renovados, automaticamente, no fim do quadriénio.

Numa outra vertente, temos em mãos o desafio de tudo o que tem a ver com os museus, palácios nacionais e com o património. Já estamos a trabalhar numa solução de médio/longo prazo com o objetivo de alterar profundamente este setor, criando condições efetivas para que se torne um polo de atração e de dinamização económica e social do país. Para além disso, pretendemos ainda modernizar a capacidade de resposta dos nossos museus e monumentos nacionais, flexibilizar a sua gestão e conseguir mais recursos, não apenas do Estado mas também dos privados.   

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Para o quadriénio 2022-2026, a Cultura assume o objetivo de “retomar a trajetória de crescimento do setor e atingir patamares mais elevados de desempenho”. Por onde passará a estratégia para alcançar esta trajetória de crescimento tão desejada e recuperar este setor?

Aqui, é muito importante o crescimento e o reforço orçamental da Cultura. Não há outro programa orçamental com uma variação tão significativa, entre 2022 e 2023, como a Cultura, que cresce 23% de um ano para o outro.

O Ministério da Cultura tem como meta até ao final da legislatura o crescimento da dotação orçamental, mas isso traz também consigo uma enorme responsabilidade. Uma responsabilidade para o Ministro e para o Ministério da Cultura que tem de fazer escolhas, mas também uma enorme responsabilidade para todo o setor que vai ter de gerir mais recursos. Toda esta responsabilidade implica uma definição clara de estratégias e de eixos estratégicos nas políticas públicas, mas também coloca um desafio à sociedade civil, ao setor privado e ao Poder Local de acompanharem o esforço financeiro que o Estado Central está a fazer na Cultura.

Em 2018, o setor cultural empregava 160.600 pessoas em Portugal e um em cada quatro destes trabalhadores exercia a sua atividade por conta própria, segundo dados divulgados, em 2020, pelo Governo. Para além disso, segundo o GEPAC – Gabinete de Estratégia, Planeamento e Avaliação Culturais, em 2018 o setor cultural representava 3,3% do total do emprego em Portugal. Presentemente, qual é a realidade deste setor em Portugal?

Esses são, precisamente, os últimos dados que temos de forma sistematizada em relação à realidade deste setor. De facto, a Cultura tem um peso muito importante na criação de emprego em Portugal e, desejavelmente, terá maior peso, quer do ponto de vista da criação e da programação, quer do ponto de vista da dinâmica em torno do património. Cada vez mais, devemos olhar para o património não apenas como um foco de atração de turistas nacionais e internacionais, mas também como um fator de desenvolvimento e coesão territorial. Para além disso, precisamos ainda que o emprego na Cultura tenha previsibilidade, que as pessoas saibam com o que podem contar, e a melhor forma de garantir isso às pessoas é havendo previsibilidade em relação ao financiamento deste setor. Portanto, o reforço orçamental não é uma abstração. É dinheiro que, efetivamente, chega às entidades que produzem e criam e que traz consigo a garantia de que as pessoas vão ter um horizonte temporal, distinto daquele que tinham e que era sempre uma ameaça para as suas relações laborais.

O novo Estatuto da Cultura entrou em vigor a 1 de janeiro deste ano, definiu um modelo para os trabalhadores do setor se registarem – o Registo dos Profissionais da Área da Cultura, ou RPAC – para estarem aptos a receber apoios através de um novo regime contributivo e de proteção social. Este inclui, em particular, um subsídio para quem suspender a sua atividade cultural. De uma forma sucinta o que o novo Estatuto da Cultura trouxe de diferente a estes profissionais?

Estamos de facto perante um instrumento político que traz consigo várias novidades e singularidades para as relações de trabalho no setor da Cultura, que, como sabemos, têm aspetos distintos face às relações de trabalho noutros setores. O novo Estatuto da Cultura tem, na verdade, duas grandes implicações. Uma tem a ver com a regulação laboral e outra com a proteção social. Do ponto de vista da regulação laboral este novo estatuto vem contrariar a precariedade do setor, nomeadamente, os mecanismos de falsos recibos verdes. Depois tem também uma dimensão muito inovadora do ponto de vista da proteção social, uma vez que, possibilita a quem trabalha no setor da Cultura ter acesso a um benefício quando suspende a sua atividade profissional e que os trabalhadores de outros setores de atividade não têm. Essa dimensão implica, por um lado, um registo, por outro lado, uma contribuição adicional voluntária. Ou seja, criámos um sistema que permite ter acesso a um determinado benefício, mas que depende também da vontade do potencial beneficiário se registar. Neste momento, ainda estamos numa fase muito inicial, numa fase de aprendizagem e que levará, certamente, no futuro a momentos de avaliação desta medida.

Cerca de um ano e meio depois de terem sido aprovados os projetos apoiados no subprograma do Garantir Cultura para o tecido empresarial, ainda há empresas que referem, em novembro deste ano, estar com parte do valor que lhes foi atribuído por receber. Quais são as informações do Ministério da Cultura em relação a estes atrasos?

Aqui, importa esclarecer que há dois programas do Garantir Cultura. Um que é gerido pelo Ministério da Cultura e outro que é gerido pelo Ministério da Economia e dirigido ao setor empresarial. Neste momento, esses atrasos colocam-se nesse subprograma do Ministério da Economia, que já procedeu a uma contratação externa de serviços para tentar recuperar o atraso no pagamento às entidades. A única coisa que o Ministério da Cultura pode fazer, e tem feito, é tentar garantir que o Ministério da Economia recupere esse atraso. Já, o Garantir Cultura, gerido pelo Ministério da Cultura, neste momento, não tem praticamente nenhuns atrasos.

Em 2023, o Orçamento de Estado dá mais um passo para contrariar o subfinanciamento no setor da Cultura, ao concretizar um aumento de 114% no financiamento às Artes no próximo quadriénio. Qual será a estratégia e as políticas de distribuição desse valor?

Este reforço orçamental é uma responsabilidade e uma oportunidade. Uma responsabilidade para todos e, em particular, para o Ministério da Cultura que precisa definir prioridades e fazer escolhas. E uma oportunidade, porque de facto há uma oportunidade de mudar o quadro das políticas de Cultura em Portugal.

Tenho utilizado sempre a política de que a Cultura se deve organizar sempre em torno de três eixos estratégicos: institucionalizar, modernizar e consolidar. E as decisões que vão ser tomadas em torno das verbas disponíveis no Orçamento de Estado, não apenas em 2023 mas também nos anos seguintes, terão de responder a estes eixos estratégicos.

Institucionalizar significa, sobretudo, consolidar as estruturas no setor da Cultura. Como sabemos, a Cultura sempre foi uma área marcada por muita instabilidade e precariedade, não apenas nas relações laborais, mas também do ponto de vista das políticas. Portanto, é preciso consolidar aquilo que é o património das políticas públicas.

Por outro lado, é necessário modernizar. A política de Cultura, talvez ao contrário de outras áreas, precisa sempre de espaço para a mudança, para inovação, e isso tem de estar também incorporado nas políticas públicas. A modernização procurará uma abertura e disponibilidade para mudar do padrão daquilo que é feito na Cultura em Portugal.

Finalmente, democratizar. Este é um eixo transversal e também uma obrigação constitucional. Infelizmente, continuamos a ter muitos obstáculos no acesso à Cultura e à fruição cultural, quer do ponto de vista socioeconómico, quer do ponto de vista geográfico. É fundamental aproximarmos os públicos daquilo que é a oferta cultural e levar a oferta cultural aos territórios e aos portugueses.

São estes os três eixos estratégicos que devem corporizar a materializar os recursos que vão estar disponíveis no Orçamento de Estado.

Fotografia ©Tiago Araújo
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Graças a este financiamento, espera-se que o setor tenha recursos como nunca para ganhar robustez e que seja possível responder a alguns problemas estruturais e outros mais pontuais, como é exemplo, no que diz respeito à atual crise dos museus?

Acho que o diagnóstico sobre os museus está feito. Os problemas prendem-se essencialmente com a necessidade de recursos humanos, com a rigidez na gestão – que impossibilita soluções mais inventivas para aproximar a oferta das pessoas – e a necessidade dos museus mobilizarem mais recursos, não apenas do Orçamento de Estado, mas também dos privados. É precisamente essa mudança que é necessária e que queremos fazer. Já demos um passo importante ao anunciar a abertura de dois concursos. Um para o reforço dos vigilantes que, como sabemos, é uma das lacunas dos museus, e outro para a contratação de 40 conservadores e restauradores, um movimento que não tem paralelo nas últimas décadas. Este passo é muito importante, porque significa que vamos ter condições efetivas para fazer um trabalho fundamental, que é preservar e restaurar aquilo que é o nosso património.

Julgo que muitas pessoas acompanharam aquele momento, de facto singular, da exumação da espada do rei D. Dinis. Nós até podemos fazer a exumação de uma espada, mas se não tivermos onde fazer a conservação daquela peça, de pouco serve tirarmos a espada do túmulo. Portanto, é muito importante que o Estado tenha capacidade de preservar e restaurar aquilo que é de todos nós.

Recentemente, anunciou que os museus, monumentos e palácios nacionais são a prioridade do Ministério da Cultura para o próximo ano. Para sublinhar este compromisso anunciou ainda a contratação de 74 vigilantes e 40 conservadores restauradores. Que outras medidas estão previstas com o objetivo de reforçar os recursos humanos destes espaços, mas também com o objetivo de lhes conceder maior autonomia de gestão?

A contratação de 74 vigilantes e 40 conservadores restauradoresé apenas um passo, mas que não responde ao essencial que é uma alteração profunda de tudo que remete para os museus e monumentos nacionais.

Se o diagnóstico feito nos diz que temos um problema profundo, não podemos esperar que as respostas sejam feitas “em cima do joelho”. Os problemas de fundo, precisam de respostas estruturais. É nesses problema que temos trabalhado e aos quais iremos responder ao longo de 2023.

O estudo “Práticas culturais dos portugueses”, feito pelo Instituto de Ciências Sociais, da Universidade de Lisboa, a pedido da Fundação Calouste Gulbenkian, e divulgado no início deste ano, revela que, antes da pandemia, nove em cada dez portugueses tinha “baixo consumo cultural” de atividades como teatro, ballet, dança, ópera, cinema, circo, concertos, festivais e festas locais. Na sua opinião, quais são os principais fatores que justificam este comportamento dos portugueses no consumo de Cultura?

Isto é um tema que nos deve preocupar muito. Há pouco, quando dizia que o eixo transversal devia ser a democratização é, exatamente, para responder a esse problema. Perante esta realidade, diria que há dois grandes obstáculos à fruição cultural: a natureza socioeconómica e a natureza geográfica.

Temos de aproximar a oferta cultural aos públicos e é no momento em que há mais financiamento ao setor da Cultura, que deve ser mais forte a preocupação com os públicos. Depois, há também uma outra dimensão que é muito relevante para os consumos culturais e que tem a ver com a própria disponibilidade das pessoas e com o tempo que dispõem para o consumo cultural. Para além disso, não nos podemos ainda esquecer da relação direta das qualificações com os consumos culturais. São os mais qualificados quem mais consome cultura. Isto são problemas que demoram a ser ultrapassados e cuja solução não está sequer ao alcance das políticas culturais.

Sendo os dados acima referentes aos hábitos de consumo de Cultura dos portugueses, nos 12 meses anteriores à pandemia da Covid-19, poderá hoje a realidade ser ainda mais preocupante, fruto da pandemia, mas também da inflação?

A realidade é, certamente, diferente. Um dos efeitos da pandemia foi o impacto negativo no nosso quotidiano. Mas teve também um impacto muito significativo na alteração das nossas formas de consumo cultural. Tudo o que construamos a seguir à pandemia deve incorporar as novas práticas de consumo cultural. Durante a pandemia, as pessoas consumiram muito mais filmes e audiovisual, o que também é um consumo cultural. Surgiu uma disponibilidade para um tipo de consumo que antes não existia tanto. A pandemia também foi um acelerador de algumas transformações que correspondem a consumos culturais. Assim, o nosso principal desafio passa por procurar potenciar essa experiência.

Depois, há um outro lado que é a destruição de emprego provocada pela pandemia nos setores da cultura. Esperamos que, com os recursos disponíveis para a programação e criação, consigamos contrabalançar esta realidade.

A app “Portugal Contemporary Art Guide”, criada pela editora Contemporânea, com o apoio do Ministério da Cultura, é um dos exemplos do trabalho já desenvolvido com o objetivo de dar a conhecer aos portugueses, e não só, o que é feito em Portugal ao nível da arte?

A app “Portugal Contemporary Art Guide” é um instrumento muito interessante que responde a um princípio que julgo que todos devemos prezar que é a integração. Nós temos hoje uma dinâmica artística e criativa muito significativa e ter um mecanismo que permita que todas as pessoas, quer os portugueses, quer os que nos visitam saibam o que está a acontecer na arte contemporânea em Portugal é fundamental.

É muito importante que as pessoas possam conhecer aquilo que é feito em Portugal e, por isso, para além desta app o Estado irá ainda realizar uma exposição em Foz Côa, precisamente, para dar a conhecer aos públicos, às pessoas, as obras de arte contemporânea que tem adquirido de artistas portugueses. Assim, para além de darmos a conhecer às pessoas o nosso espólio, também promovemos a sua circulação pelo território nacional, sobretudo, por regiões distantes das grandes áreas metropolitanas.

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Portugal é um país de tradições e tem várias manifestações culturais relacionadas com elas. De forma recorrente há quem ponha em causa algumas atividades culturais, como o Oceanário, a Tauromaquia, o Circo ou o Zoo. Deve o Ministério da Cultura impor o que deve ser uma manifestação cultural, de forma tácita ou não tácita?

Pela forma como vejo a minha função e a minha responsabilidade, e isso tem a ver também com aquilo que são as minhas características, penso que não se deve impor por definição. Devemos ser tolerantes, abertos e aceitar de forma plural aquilo que são os interesses e as práticas culturais das outras pessoas. As práticas culturais têm, por um lado, uma dimensão individual, mas também uma dimensão de enraizamento social. Por isso, é preciso ter muita tolerância e muito respeito por aquilo que são as práticas culturais. Sou muito liberal e tolerante com aquilo que são os interesses culturais de cada um dos portugueses.

No primeiro ano de atividade, a Lotaria do Património rendeu seis milhões de euros em resultados líquidos ao Fundo de Salvaguarda do Património Cultural. No entanto, anunciou no início deste mês que a Lotaria, lançada em 2021, não terá continuidade. O que motivou esta decisão?

Foi uma decisão política não haver a emissão de um jogo social, diretamente, consignado à salvaguarda do património. Apesar de os jogos sociais terem distribuição por várias áreas de intervenção das políticas públicas, decidi que no Orçamento de Estado para 2023 não faria parte uma nova emissão. Neste momento, está  a decorrer um estudo, encomendado pelo Conselho Económico e Social, sobre esta matéria e acho que é preciso ponderar os vários fatores implicados nesta ideia de haver jogos sociais a financiar o património de forma direta. 

Recentemente, defendeu que é preciso “fazer da sala de aula um verdadeiro território de cultura” e criticou o fato do sistema educativo ter evoluído excessivamente fixado na preparação para exames nacionais, descurando o desenvolvimento de outras competências. De que forma se pretende integrar “mais a cultura no contexto escolar”?

Há questões que não se conseguem resolver através de uma imposição ou de uma medida política. Este é um desses casos. Mudar este paradigma depende da disponibilidade genérica das escolas para estarem abertas à cultura, para estarem abertas às linguagens da cultura e, sobretudo, abertas às linguagens da cultura dos jovens.

O Plano Nacional das Artes já tem um papel muito importante na socialização primária com a cultura e de aproximação à cultura. Embora já haja um trabalho desenvolvido nesse sentido, é preciso que as escolas estejam mais abertas às práticas culturais. É claro que, já há casos de escolas onde isso já acontece e outros onde acontece menos. Mas o importante é que isso se vá disseminando e generalizando.

A criação cultural portuguesa tem hoje reconhecimento nos grandes centros internacionais. A presença da nossa cultura no estrangeiro é hoje natural e quotidiana, seja na literatura, música, artes plásticas, no teatro ou no cinema Qual é hoje a importância que a cultura tem na nossa presença e afirmação no mundo?

A internacionalização da cultura e dos artistas portugueses tem vindo a crescer e isso é fundamental. Por um lado, porque cria oportunidades para os artistas e para os criadores portugueses, que se estão a representar a eles próprios, de forma singular e individual. Por outro lado, porque possibilita a projeção de uma imagem moderna, de abertura e de cosmopolitismo e o país ganha muito com isso. Isto não só nos projeta de forma distinta lá fora, como também se reproduz internamente, transformando a autoimagem e a forma como nos vemos enquanto portugueses e enquanto país.

Para além disso, qual a importância que a vasta comunidade portuguesa espalhada pelos quatro cantos do mundo tem na promoção, divulgação e afirmação internacional da cultura?

Diria duas coisas antes de tudo. A primeira, é a responsabilidade que nós, enquanto país, temos em relação a essas comunidades. Há a obrigação de ter uma atividade cultural de proximidade com essas comunidades e de manter o vínculo dessas comunidades com o seu país. Se há coisa que ajuda a manter esse vínculo é a cultura. Isso é uma questão que não podemos nunca suspender, nem esquecer. Em segundo lugar, acho que também há aqui um desafio a fazer às comunidades e no qual o Estado tem um papel importante: o de trazer as comunidades para a produção cultural em Portugal. Incentivar e trazer as comunidades portuguesas para aquilo que é a nossa dinâmica e oferta cultural.

Para além disso, em que medida entidades e associações como é exemplo a Associação Internacional dos Lusodescendentes e a revista Descendências Magazine que têm contacto privilegiado com um público abrangente, nomeadamente com os lusodescendentes, podem ajudar na divulgação e apoio à cultura?

Ajudando a estabelecer o vínculo entre a cultura portuguesa e as comunidades, mas também mobilizando as comunidades para a cultura portuguesa. Fazê-lo em torno daquilo que são os temas culturais tradicionais, a cultura marcadamente portuguesa, mas sem esquecer de criar espaço para a inovação, quer na arte contemporânea, quer nos museus e no próprio património. Existem países onde já há uma prática muito institucionalizada das comunidades, por exemplo, na mobilização de recursos para a aquisição de obras de arte para os seus museus nacionais. Acho que em Portugal devíamos explorar isso, porque acredito que existe nas nossas comunidades a vontade de ter essa ligação e de ajudar o nosso país a preservar a nossa identidade.

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