Poesia – Jorge de Sena
Conheço o sal
Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousada em suor nocturno.
Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.
Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.
Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.
Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.
A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.
Jorge de Sena
Jorge Cândido de Sena
Tem uma vasta obra como poeta, ficcionista, crítico ensaísta, historiador, tradutor e diversas outras áreas ligadas às disciplinas humanistas. É considerado um dos mais relevantes escritores de língua portuguesa do século XX.
A obra poética de Sena, fundindo classicismo e modernismo, realiza a evolução possível na poesia pós-Pessoa, ao superar o subjetivismo que Pessoa anulou com a invenção heteronímica, através da projeção dos sentimentos do sujeito sobre uma superfície objetiva onde aqueles se cristalizam sem emanarem de uma identidade precisa (cf. MAGALHÃES, Joaquim Manuel – Os Dois Crepúsculos, Lisboa, A Regra do Jogo, Lisboa, 1981, pp. 55-56)
Esta rubrica pretende dar a conhecer ao mundo o melhor da poesia por diversos autores lusófonos. Os poemas são selecionados por Gilda Pereira, uma fã incondicional de poesia.