Marco Neves

Palavra ao Associado AILD

Docente na NOVA FCSH, fundador da empresa Eurologos-Lisboa, autor de vários livros sobre línguas, literatura e tradução. É o Diretor Geral do Conselho Científico da AILD.

Tradutor, revisor, professor, leitor, conversador, escritor e contador de histórias. Em qual destes papéis de sente mais realizado?

Todos estão relacionados e sinto-me realizado por todos eles — mas mentiria se não respondesse que contar histórias e conversar com os meus filhos é algo muito especial. Por outro lado, se tivesse mesmo de optar entre ser tradutor e professor, as minhas profissões, iria acabar por escolher dar aulas. Também gosto particularmente de escrever, claro, e espero poder continuar por muitos anos.

Quem são os “Nazis da Gramática”?

Não chamaria ninguém de “nazi”, por ser um termo muito sério que não convém desvalorizar, mas a expressão costuma ser aplicada (principalmente em inglês) a pessoas que têm um conjunto particular de regras na cabeça, muitas delas escolhidas de forma arbitrária, e consideram que falar bem e escrever bem correspondem ao cumprimento desse conjunto arbitrário de regras. Ora, falar e escrever bem é muito mais do que isso — e muitas dessas regras acabam por ser um aspeto secundário e relativamente simples que esconde a complexidade que é a linguagem humana.

O Marco não escreve de acordo com o novo acordo ortográfico em vigor desde 2009. Quer-nos explicar os motivos?

A língua é algo que parte dos falantes e são eles que acabam por determinar as suas regras, de forma espontânea, sem planeamento, por mais que as tentemos sistematizá-las depois em gramáticas e dicionários. No entanto, a ortografia é algo diferente: é estabelecida de forma consciente e nada há a ganhar em não ter uma ortografia estabilizada, principalmente num país onde milhões de pessoas já sabem escrever, ao contrário do que acontecia nos momentos das anteriores reformas ortográficas. As ortografias brasileira e portuguesa conviviam muito bem, bastaria apenas um reconhecimento mútuo das diferenças — as grandes diferenças nunca foram, aliás, ortográficas. Sempre li em português do Brasil e não era a falta de um “c” aqui ou de um acento diferente acolá que me impedia de ler. Depois, o acordo tem aspetos técnicos que tornam a nova ortografia menos adequada ao português de Portugal do que a anterior. Enfim, o grande pecado do acordo é mesmo este: a sua completa inutilidade. Para quê? Ainda por cima, na prática, as ortografias continuam a ser diferentes, mesmo depois do acordo. E as barreiras à circulação de livros e textos são outras…

O que o maravilha tanto na língua portuguesa?

A linguagem humana é espantosa: permite-nos comunicar, mas também nos separa em grupos (nacionais, sociais, regionais…). A língua portuguesa é um exemplo deste espanto. As suas regras — que são complexíssimas! — surgiram das próprias interações dos falantes. Irritamo-nos muito com as falhas e esquecemo-nos da maravilha que é ver as crianças a usar uma conjugação verbal tão complexa como a nossa. Depois, na escrita, a língua portuguesa deu origem a obras de arte inacreditáveis. Das conversas entre crianças aos grandes livros, temos muito a ganhar em olhar com atenção para a nossa língua — e ainda para a linguagem humana.

Como nasceu o “Assim ou Assado”, um projeto com o músico Sam The Kid? E a ideia de passar um podcast para livro, como surgiu?

O projeto nasceu do próprio Sam The Kid, que me convidou para gravar estas conversas em que analisamos as dúvidas (e às vezes mitos) sobre a língua. Criar letras de música é difícil e ele passa horas e horas a pensar na melhor forma de dizer o que quer dizer. Dá, assim, uma atenção à língua como poucos, o que nos deu a oportunidade de ter conversas muito interessantes. Depois, somos pessoas com percursos muito diferentes — e isso só tornou este projeto ainda mais aliciante, pelo menos para mim, que já aprendi muito.
Quanto ao livro, partiu de um convite da editora Leya, que achou interessante criar uma obra a partir destas conversas.

 

Porque se tornou associado da AILD?

Tendo nascido em Portugal, não sou tecnicamente lusodescendente (ou talvez seja…). No entanto, a minha família sempre foi composta de emigrantes, incluindo um dos meus irmãos. Assim, quis fazer parte desta associação para contribuir para o fortalecimento dos laços entre as comunidades portuguesas, desta família grande onde cabemos todos.
Há também o grande interesse que tenho pela língua e pelo seu uso pelos lusodescendentes em todo o mundo. A associação permite-me estar em contacto com esta realidade portuguesa a que, em Portugal, nem sempre damos a atenção devida.

É o Diretor Geral do Conselho Científico da AILD. Quais são os projetos que pretende desenvolver? Sabemos que está a organizar um colóquio para dezembro em conjunto com o Observatório da Emigração.

Gostava que a AILD pudesse contribuir e auxiliar os investigadores que se debruçam sobre os lusodescendentes e os seus problemas. O colóquio de Dezembro terá como tema a definição de lusodescendente, uma questão difícil, que divide os especialistas e os próprios lusodescendentes. Será uma oportunidade para trocarmos ideias, para debatermos, talvez até (às vezes acontece…) chegar a alguma conclusão.

Qual é o seu próximo projeto editorial? Já tem tema?

Estou a trabalhar num livro sobre a história da escrita, que penso vir a ser publicado durante 2023. Também estou a trabalhar, com uma equipa de Peniche, na segunda edição de um romance de aventuras que escrevi há uns anos, sobre as lendas e as histórias da minha terra. Tenho um projeto antigo de escrever um livro que passe pelas várias comunidades portuguesas pelo mundo, talvez um outro livro de aventuras. Quem sabe?

Uma mensagem para as Comunidades Lusófonas.

Um dos elementos fundamentais da ligação entre as várias comunidades lusófonas é a língua. Todas as investigações mostram que manter duas ou mais línguas é positivo para todos. Assim, investirmos na nossa língua e ainda nas línguas dos locais onde estamos é uma grande vantagem para todos.

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