Nuno Gomes Garcia

Palavra ao Associado AILD

Nasceu em Matosinhos, estudou História e foi arqueólogo. Vive em Paris, onde é consultor editorial e divulgador da literatura lusófona na rádio e na imprensa escrita. Corre todos os dias com o seu cão ao longo do Sena e a sua prioridade é ensinar os dois filhos a falar português.
Escreveu quatro romances: Zalatune (2021), O Homem Domesticado (2017) – cuja tradução será publicada em França em abril de 2022 -, O Dia em Que o Sol Se Apagou (2015) – finalista do Prémio Leya – e O Soldado Sabino (2012), obra traduzida e publicada em França.

Como se tornou escritor?

Quando era criança era um bocado mentiroso e passava a vida a inventar histórias para não ser castigado. A vontade de escrever histórias terá tido origem nesse traço da minha personalidade, que felizmente se diluiu com a idade, agora minto muito menos. Essa facilidade em improvisar histórias inventadas e a circunstância de ter sido um leitor precoce e compulsivo, apesar de, como era uma criança pobre, o meu acesso ao livro nem sempre ter sido fácil, creio estarem na origem desta mania de escrever histórias.


Quais as suas maiores influências na escrita?

Eu não tenho escritores preferidos. Leio bons livros e converso muito com bons autores, por isso fazer uma lista de escritores preferidos seria injusto. Tenho, sim, uma lista de escritores que não gosto de ler, mas isso é segredo. As influências da minha escrita são o passado, o presente e a vontade de imaginar o futuro. O passado inspira-me a escrever romances históricos e o presente leva-me a especular sobre o futuro, o que explicará as duas distopias que escrevi. O que me motiva a escrever é, através da reflexão intelectual, o facto de poder encontrar respostas para as questões que me inquietam. Talvez seja essa minha constante inquietação a minha maior influência.

Qual dos livros que até hoje escreveu é o seu favorito? Porquê?

Isso é como perguntar qual o meu filho preferido. Gosto de todos os livros que escrevi.

É possível um escritor sobreviver só da escrita das suas obras?

Não. Julgo que em Portugal não existe um único escritor que viva apenas daquilo que publica. Se o tenta fazer, vive mal de certeza. Em Portugal, um autor que venda dois mil exemplares já esfrega as mãos de contente. Financeiramente, isso é o equivalente a um bom salário mensal a dividir por doze meses caso se escreva um livro por ano. E publicar um livro por ano necessita de quase total exclusividade. Os prémios literários poderão equilibrar a balança, embora, porque o nosso país é pequeno e funciona em circuito fechado, isso dos prémios seja outro problema que daria uma longa conversa. Os portugueses, em média, leem pouco quando comparados com outros povos europeus, e o mundo editorial português publica demasiado, nomeadamente livros estrangeiros, quase sempre anglo-saxónicos, de qualidade duvidosa. A vida para um autor que escreva em português não é nada fácil. Sempre há a possibilidade da internacionalização, um cenário praticamente irrealizável para a esmagadora maioria dos escritores lusófonos.

Porquê ir viver para França?

Em 2009, eu e a mulher com quem viria a casar vivíamos em cidades diferentes. Ela vivia em Vilnius e eu vivia no Porto, estudava em Lisboa e escavava no Alentejo. A certa altura, tivemos de decidir o que fazer com as nossas vidas e decidimos ir os dois viver para algures a meio do caminho. Esse algures calhou ser Paris. Eu mudei radicalmente de vida, mas não me arrependo.

Desafios e projetos para 2021?

O meu principal objetivo para 2021 era publicar um novo romance. Publiquei o “Zalatune”, que saiu em janeiro, exatamente no momento em que o Governo português proibiu a venda dos livros nas livrarias e nos supermercados. Aliás, isso é muito revelador da maneira como a cultura e os livros são tratados em Portugal, um país onde o que conta para o crédito social e político é aparecer nos camarotes de um estádio de futebol ou, santo graal, ser comentador na televisão. Bem, tenho, agora, projetos para 2022. Estamos a trabalhar na tradução do meu terceiro romance, “O Homem Domesticado”, que será lançado nos mercados francófonos em abril, e, juntamente com um amigo ilustrador lituano, estamos a preparar um livro infantojuvenil que, se tudo correr bem, sairá para o ano em Portugal.

O que mais gosta de Portugal?

Eu amo a minha língua, em todos os seus sotaques. Essa é a razão, uma delas pelo menos, que me levou a embarcar no Projeto “Mapas do Confinamento”, que fundei com a Gabriela Ruivo Trindade e que, hoje, une mais de cem artistas oriundos de todos os continentes e de todos os países onde se fala português. Eu vivo num mundo de muitas línguas, e falo-as no meu dia a dia, mas é o português que me faz sentir no uso pleno da minha humanidade.

E o que menos gosta?

A desigualdade social em Portugal deixa-me profundamente triste. Custa-me a aceitar que quase cinquenta anos de Democracia não tenham sido suficientes para erradicar a pobreza do nosso país. Um país pequeno de dez milhões de habitantes que vive alegre e contente com mais de dois milhões de pobres, pobres que continuam pobres apesar de receberem um salário pelo seu trabalho, é um país condenado ao fracasso e ao desaparecimento. Acho que é daí que advém um certo desprezo que sinto pelas elites portuguesas incapazes de promover o elevador social de que Portugal necessita. São essas elites, cuja incapacidade promove o discurso do ódio que vemos aparecer em certas franjas políticas, aquilo o que menos gosto em Portugal.

Porque se tornou associado da AILD?

O potencial agregador da AILD e o facto de os seus membros terem percebido que Portugal é um país de quinze milhões de habitantes, cinco dos quais a viver no estrangeiro, facto que, a existir vontade política, poderá ajudar a transformar Portugal num país de futuro e não, como até agora, num país condenado ao abismo demográfico e à insignificância.

Que projetos pretende desenvolver na AILD?

Pretendo ajudar a desenvolver projetos ligados à cultura e à literatura.

Pandemia?

O principal impacto da pandemia na minha vida tem que ver com as limitações na liberdade de circulação, o que, em termos familiares e profissionais, gerou situações muito difíceis.

Uma mensagem para as Comunidades Portuguesas.

O principal impacto da pandemia na minha vida tem que ver com as limitações na liberdade de circulação, o que, em tNós, portugueses e lusodescendentes a viverem no estrangeiro, devemos ter em mente que, sozinhos, constituímos um pequeno país de cinco milhões de habitantes, se bem que dispersos por tudo o mundo, o que é, simultaneamente, uma força e uma fraqueza. Cada um de nós, até pela visão necessariamente cosmopolita que tem da sociedade, possui a capacidade de poder contribuir para a projeção e a promoção da nossa língua e cultura de uma maneira que os portugueses a viverem no retângulo, por, de uma maneira geral, não conhecerem outras realidades com profundidade, não possuem. É hora de aproveitarmos essa nossa mais-valia.

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