O Exemplo da Dinamarca

Durante os quatros anos em que exerci as funções de Embaixador de Portugal na Dinamarca, fui confrontado diariamente com um país que se esforça em viver à frente do seu tempo ou, como reiteradamente me foi dito, “para financiar um sistema social tão abrangente e complexo, temos de estar dez anos à frente dos outros”.
Com uma população de 5,9 milhões de habitantes e um PIB per capita de 58 000 euros, a Dinamarca mantém-se como um dos países mais avançados do mundo, com empresas líderes de mercado como a Maersk, Novo Nordisk, Vestas, Coloplast, Lundbeck, Novozymes, Lego, Ecco e tantas outras que permitiram que as exportações em 2021 ultrapassassem os 235 mil milhões de euros.

Nos últimos oitenta anos nenhum partido dinamarquês logrou obter uma maioria própria no Parlamento (Folketinget) e, nesse longo período, só quatro governos de coligação conseguiram governar com apoio maioritário. Por isso, os executivos minoritários têm sido a regra nas últimas décadas, e os dinamarqueses habituaram-se a que toda a legislação, incluindo o orçamento, fosse sempre objeto de compromissos interpartidários em que a oposição negoceia com o governo, sem bloquear a governação. Esta política de alargados entendimentos foi imposta pela crescente atomização da representação parlamentar em que um resultado acima dos 20% é uma raridade. Nas eleições de 2019, apenas duas formações tiveram mais de 20% dos votos, registando as restantes entre 8 e 2%; nas legislativas de 2022 só um partido teve mais de 20% dos sufrágios, obtendo o segundo mais votado 13% – situando-se todos os outros novamente entre os 8 os 2% dos votos.

A fragmentação partidária das últimas décadas na Dinamarca contou mesmo com o aparecimento em 1973 do primeiro partido da extrema populista e xenófoba da Europa – fundado pelo professor de direito Mogens Glistrup – que nessas legislativas surgiu do nada, obtendo a segunda melhor votação com 16% dos sufrágios. Nos últimos 50 anos os movimentos populistas focados na imigração têm-se sucedido – podendo dizer-se que se multiplicaram sem crescer – existindo na presente legislatura três formações com essas origens que obtiveram, respetivamente, apenas 8%, 3,6% e 2,6% dos votos, bem longe do inicial sucesso de Glistrup.

Anne Marie Engtoft Larsen, Tech Ambassador

Essa turbulência parlamentar nunca prejudicou o progresso e o crescimento económico do país, nem impediu uma governação eficaz, focada no lema que se impuseram de “estar sempre à frente dos outros”. Por isso mesmo, a Dinamarca foi dos primeiros países a promover a deslocalização de parte da sua produção industrial para outros países (“se esperarmos que as empresas cheguem à falência, não temos tempo para conseguir a requalificação dos trabalhadores”) e foi igualmente o primeiro a desenvolver o que seria designado por “flexicurity”, isto é, um mercado de trabalho flexível, um sistema social muito generoso, tudo aliado políticas ativas de emprego que promovem a reconversão dos trabalhadores e a sua reinserção no mercado do trabalho.

Para surpresa de muitos, a Dinamarca decidiu em 2017 nomear o seu primeiro Embaixador “Tecnológico” (Tech Ambassador) partindo da constatação que as grandes empresas tecnológicas têm mais poder financeiro e peso geopolítico que muitos Estados-Nações e os seus produtos cada vez mais influência e interferência nas nossas sociedades. Por isso, há sete anos o Governo dinamarquês decidiu abrir em Palo Alto, no coração de Silicon Valley, uma delegação com um “Tech Ambassador” e sete diplomatas que são apoiados em Copenhaga por uma equipa de oito elementos, a que acrescentaram recentemente outro sediado em Beijing. Na realidade, essa decisão abriu o caminho para um crescente número de países seguirem os seus passos impondo à Microsoft, Facebook, Google, Apple, Nvidia, Open AI e outras, um diálogo permanente e de tal forma relevante, que os grandes conglomerados tecnológicos, partindo de uma postura inicial de relutância, compreendem agora as vantagens dessa colaboração.

Anteriormente, nos meus tempos de Copenhaga, pude seguir de perto os primeiros passos da primeira Universidade do mundo criada de raiz para as Tecnologias de Informação (IT University of Copenhagen) que tem subido muito nos rankings internacionais desde a sua fundação.

Apesar da atomização parlamentar já referida, os políticos dinamarqueses têm conseguido, ano após ano, gerar os consensos indispensáveis para não colocarem em causa o desenvolvimento do país.

José de Freitas Ferraz Diretor do Instituto Diplomático

Deixe um Comentário

Your email address will not be published.

Start typing and press Enter to search