O pecado original

e as mulheres no mundo dos vinhos

O maior golpe do crescimento da humanidade é saltar de extremo em extremo. O cinzento enjoa, gosto de cores vivas. Mas, em muitos aspectos, é fundamental assegurar o médio termo e a razoabilidade, evitando extremar posições. No centro está sempre a virtude – diz-se muitas vezes. Mas a prática é outra. Os polos antagonizam-se e cativam adeptos fervorosos. Às vezes, adeptos absolutamente irracionais, que perdem o sentido de tudo. A ideologia de género enquadra-se neste desenho. Partimos de uma época em que as mulheres eram desvalorizadas e submetidas à “superior” vontade masculina, mas chegamos a uma fase da História em que as mulheres têm direitos sociais apenas por serem mulheres – uma outra forma de desvalorizar as mulheres, claro. Mais encapotada e escondida por valores que advogam a sua defesa, mas ignoram o mérito. Um contrassenso, portanto.

Ao longo dos tempos, a inteligência foi sendo atribuída aos homens e a sensibilidade emotiva às mulheres. Afinal de contas, o pecado original foi cometido por Eva, que não cedeu à tentação demoníaca; e que – astuciosamente – convenceu Adão a seguir o caminho que escolheu. A imagem tem sido utilizada para minimizar as mulheres (curiosas, teimosas, ardilosas) e para advertir os homens (que devem saber escolher o rumo, num perfil racional, sem interferências externas).
No cristianismo, Maria Madalena, por exemplo, apesar de todos os vícios, foi perdoada e santificada, reservando lugar na História como uma das maiores seguidoras de Jesus. A sua humildade foi recompensada por uma posição primordial, tendo assistido à ressurreição de Cristo e à sua primeira aparição. Inúmeros autores indicam um fenómeno esquecido nos dias que correm: a origem do cristianismo revela uma paridade fraterna entre homens e mulheres. E o imaginário cristão está repleto de figuras femininas associadas à virtude e à bondade.

Cristo chegou à Terra através do ventre de Maria, pura, intocada, Mãe dedicada. Mas o filho de Deus encarnou a figura de um homem. E os Doze Apóstolos eram homens. As contradições sucedem-se, mas revelam que existiu sempre uma certa supremacia masculina. Podia ser diferente?
O instinto de sobrevivência é imanente a todos os seres vivos. E há ainda muito de hominídeo na memória genética da raça humana. Quem concebe a vida é o homem e a mulher, juntos. Quem guarda a criança no ventre é a mulher. Quem cuida das crianças e prepara os alimentos é a mulher. Quem assegura as condições de consumo dos alimentos é a mulher. Quem protege dos perigos externos é o homem. Biologicamente, as mulheres e os homens desenvolveram capacidades diferentes, complementares. As mulheres possuem um olfacto mais desenvolvido, naturalmente capaz de detectar amargor (presente nos alimentos deteriorados) e aromas que só com muito estudo os homens conseguem acompanhar. Os homens têm um perímetro de visão mais largo e detectam movimentos à distância sem qualquer esforço inerente, ficando alerta. Nenhum dos géneros é melhor do que o outro. Ambos são fundamentais para a sobrevivência. Mas numa sociedade bélica, na caça e num período recente em que a agricultura proporciona alimentos suficientes, é fundamental proteger o território. E aí o homem ganha uma utilidade sem par. Hoje, é diferente. As empresas (como a sociedade) estão a transformar a sua filosofia. A territorialidade perde campo de acção. A justiça, a inteligência emocional e a sensibilidade ocupam um espaço crescente. E as mulheres têm naturalmente as armas que a sociedade exige para colocar os valores dominantes em prática. É impossível, por isso, que as mulheres continuem com um papel subalterno. E ainda bem: sou tendencialmente feminista e sobretudo a favor do equilíbrio e da justiça entre os Homens.

O mundo dos vinhos tem sido dominado pelo lado masculino. Entre gestores de topo e enólogos, os homens têm vindo a ocupar as principais posições no sector. Mas também aqui as transformações sucedem-se. Dona Antónia Adelaide Ferreira – figura máxima do Douro – e a baronesa de Rothschild, uma das mais importantes personalidades mundiais do vinho, foram abrindo caminho, como exemplos, a uma organização tendencialmente paritária (apesar dos atrasos).
Suportada por estudos científicos, está a garantia de que as mulheres têm mais células olfactivas no cérebro do que os homens – o que facilita a percepção dos aromas do vinho em provas sensoriais. E o que invalida uma concepção enraizada de que os vinhos mais fáceis, mais doces e mais aromáticos têm o perfil das mulheres. O que sucede é que na curva de aprendizagem, quem começa a experimentar vinhos prefere-os com essas características. E, hoje, há mais mulheres do que nunca a iniciar o ciclo de aprendizagem na prova de vinhos.
Por fim, há um outro factor que está a transformar o mundo dos vinhos: empresas lideradas por homens têm desenhado a oferta de vinhos a pensar no publico masculino, ignorando que no mercado há mais mulheres a comprar vinho do que homens. E se muitas mulheres estão numa fase inicial de aprendizagem (o que pode transformar a oferta), também há estudos de acordo com os quais o design das garrafas, a prescrição e a recomendação têm mais influência no mundo feminino do que no masculino.
Os homens são diferentes das mulheres. As mulheres estão a ganhar peso social e influência nos mercados. E por isso está na hora de mudar paradigmas. Com bom senso, com paridade, com justiça e equilíbrio.

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