Poesia – Eugénio de Andrade

Canção do Passeio Alegre

No inverno o vento está como deus
Em toda a parte: na cabeleira
verde dos cometas, no extenso
e turbulento sono dos rapazes,
nos cegos fundamentos da alegria.
Peço-lhe que tenha piedade,
Que seja amável com os que não dormem
Debaixo da tenha, que sorria a quem
Regressa a casa a desoras – a boca
Amarga do fermento da tristeza.
À semelhança de deus, o vento
dança indiferente nas areias.

Eugénio de Andrade

Um dos mais lidos e traduzidos poetas portugueses vivos. Contemporâneo dos movimentos neo-realista e surrealista, quase não acusa influência de quaisquer escolas literárias, propondo uma poesia elementar, cuja musicalidade só encontra precedentes na nossa lírica medieval, ou num poeta como Camilo Pessanha, que Eugénio de Andrade assume – a par de Cesário Verde – como um dos seus mestres.

Este mês escolhi este poema de Eugénio de Andrade, um dos nossos grandes  génios da poesia portuguesa, porque me pareceu bastante atual e adequado às circunstâncias que estamos a viver.

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