Quanto vale a região de Barroso?

© Vítor Afonso

Situada no extremo Norte de Portugal, paredes-meias com a Galiza, a região de Barroso compreende a totalidade dos concelhos de Montalegre e Boticas, numa extensão de mais de 1100 Kms2, onde se destacam a orografia serrana, a água pura e o clima agreste. Lamentavelmente, as suas paisagens, de beleza ímpar, vêem-se agora ameaçadas por mais de duas dezenas de potenciais projectos de exploração mineira.

Todavia, importa relembrar que, a actual ameaça que paira sobre estas terras, não é de hoje. Fazendo uma retrospectiva ao início do século passado, as populações assistiram à instalação de várias explorações mineiras nos seus territórios. Cerca de um século depois, uma nova incursão, desta feita, através do famigerado plano de fomento mineiro do Governo. Daí constatamos que, não se aprendeu com os erros do passado e, mais uma vez, a história repete-se, como diria Karl Marx, primeiro como tragédia, depois como farsa.

Ainda não se curaram as feridas na alma do povo e as cicatrizes nas paisagens, mas já se querem abrir novas minas. Os solos contaminados, esses, permanecem intactos desde o fim da anterior laboração. As “soluções” para os recuperar, oscilam entre a musealização dos passivos mineiros ou a abertura de novas minas, imagine-se, com a justificação de, por essa via, se recuperarem os passivos ambientais das antigas explorações.

Perante tal desaforo, urge perguntar quanto valem os rios, as cascatas e as barragens? Quanto valem os campos, as serras e as paisagens? Quanto vale o ar puro, a vida e a saúde das pessoas?

Haverá fórmula que quantifique o valor intrínseco das classificações – “Património Agrícola Mundial” e “Reserva da Biosfera Transfronteiriça Gerês-Xurés”? Ou podemos, simplesmente, correr o risco de as perder, por uma série de decisões imponderadas?

© Vítor Afonso
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Grosso modo, quantas toneladas de carbono sequestram os lameiros de Barroso e as florestas nativas? E como calcular as toneladas de carbono que ficariam por sequestrar, ad aeternum, nas futuras áreas de concessão mineira e nas suas envolventes?

A mesma fórmula se aplica aos empregos – Quantos empregos reais e temporários criariam as minas, e quantos dos actuais se extinguiriam, permanente e consequentemente? Que efeitos se fariam sentir em termos de despovoamento?

E, no plano do património imaterial, quanto valem os usos e costumes, as tradições, as memórias, as estórias e a alma de um povo que, ao longo de vários séculos, vivenciou e preservou valores ancestrais e modos peculiares de amanho da terra, num misto de subsistência e resiliência perante as agruras dos nove meses de inverno e dos três meses de inferno?

Importa questionar qual o valor reputacional estimado das “marcas” – Montalegre e Boticas, isoladamente, e do “Barroso”, no seu conjunto – enquanto territórios turísticos de natureza? E, quanto valeriam os mesmos, como zonas mineiras? Como sabemos, as “marcas” são eleitas ou rejeitadas pelos “consumidores” em função de um grande número de factores equacionáveis, que ultrapassam, não raras vezes, os limites da razão. A emoção apresenta-se, cada vez mais, como decisiva nos processos de escolha ou rejeição de uma determinada “marca”. Nesse sentido, as opções de desenvolvimento local deverão ser muito bem ponderadas e tomadas num âmbito de consenso bastante alargado, caso contrário, o futuro da região poderá ficar, irremediavelmente, hipotecado. A sabedoria popular diz-nos que, a cada porta que se fecha, há uma janela que se abre. Assim sendo, a região de Barroso precisa fechar, em definitivo, as portas à exploração mineira e, abrir uma janela de novas oportunidades, assente num modelo de desenvolvimento local sustentável e responsável.

A actividade mineira é tida como o último uso a dar aos solos, quando todas as outras possibilidades se esgotam. Isto porque, após essa utilização, os solos ficam inaptos para outras utilizações, devido às alterações profundas operadas nos mesmos e à inevitável contaminação.

Perante esta situação de futuro incerto, pergunta-se quantos sonhos foram adiados indefinidamente? Quanto investimento produtivo, gerador de riqueza e de postos de trabalho, está suspenso à espera de melhores dias? Quais as perdas reais e efectivas que esta situação está a provocar nestes territórios? Este debate precisa ser feito, com urgência.

O discurso em favor da descarbonização, assente na mineração, tem tido uma enorme dificuldade em se sustentar, porque está baseado em mentiras e propaga inúmeras falácias.

A vontade de dar resposta a um desígnio europeu não poderá ser um salvo-conduto para devassar a região de Barroso.

Que desenvolvimento é esse que, em nome da descarbonização da cidade, preconiza a “carbonização” do campo?

Os eventuais interesses pessoais, a carência de bom senso e a falta de visão estratégica, poderão levar à aceitação de modelos de desenvolvimento indesejáveis e desadequados para a região em causa, e isso, é muito preocupante.

O futuro da região de Barroso deve centrar-se na salvaguarda dos valores históricos, culturais e patrimoniais, caracterizadores de um modo de vida distinto que lhe valeu a honrosa classificação de “Património Agrícola Mundial”, atribuído pela FAO, única no país; assim como, deve assentar na transformação e valorização dos produtos locais de excelente qualidade, na protecção das paisagens e no incremento de um turismo sustentável, em harmonia e equilíbrio com o modus vivendi das populações locais. Estes sim, são os verdadeiros valores desta região, aqueles que, por tanto valerem, não são passíveis de serem quantificados, mas uma certeza paira no ar – precisam ser preservados e potenciados!

O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico

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