Relações bilaterais Portugal-Suíça

História e atualidade

Portugal e a Suíça, nações europeias centenárias, deram os primeiros passos de aproximação política em 1815 por via do reconhecimento português da neutralidade suíça na sequência da conclusão do já longínquo Congresso de Viena. Mas a designação de um diplomata português em Berna remonta a 1872, ou seja, há pouco mais de 150 anos.
A génese da presença diplomática portuguesa na Suíça consubstanciou-se sobretudo por razões políticas, tidas pelas autoridades nacionais à época como fundamentais para promover uma maior visibilidade do País numa Europa marcada por uma profunda transformação motivada pela Revolução Industrial. A monarquia, então a braços com a fragilidade financeira em que o Reino se encontrava após a perda do Brasil e ainda hesitante com os caminhos a traçar em África, deu primazia no final do século XIX a reforçar os seus laços bilaterais com diversas nações europeias no quadro da paz negociada no Congresso já citado.

A designação em 1872 por Portugal do seu primeiro Enviado Especial Ministro Plenipotenciário na Suíça, Júlio Augusto Ferreira, Visconde de Santa Isabel, deu corpo mais estruturado ao que a história tinha vindo a sinalizar pontualmente até então, sobre a presença portuguesa na Suíça: o Conde de Ourém, primo do Rei D. Duarte, representou a Coroa no Concílio de Basileia (1436/7); esta cidade e Genebra receberam, respetivamente em 1533 e 1536, a visita de Damião de Góis; no século XVII a Catedral de Genebra passou a acolher os restos mortais de Emília de Nassau e sua filha mais velha Maria Belgia, antes residentes em Prangins junto do lago Léman; a mãe do futuro Duque de Palmela visitou em Genebra, em 1792, o Dr. Tronchin, médico de Voltaire; a Rainha D. Amélia passou temporadas em Ouchy; D. Duarte viajava no verão a Gunten, junto do lago Thun; Eça de Queiroz e Ramalho de Ortigão passaram por Glion; e António Nobre percorreu no final do século XIX, sanatórios na Suíça para recuperar de doença.

Portugal adiantou-se assim substancialmente à Suíça, que só em agosto de 1945 designaria um Ministro Plenipotenciário residente em Lisboa.

Os primeiros anos da relação diplomática foram pautados sobretudo pelo estreitamento de interesses económicos mútuos (assim se compreendendo a negociação do primeiro Tratado comercial em 1873 e sua renegociação em 1905), pela celebração de um Tratado sobre a extradição de criminosos ainda em 1873, por uma Convenção Consular celebrada em 1883, pela criação de um Tribunal Arbitral em Berna a pedido de Portugal, para ser dirimido o diferendo entre as autoridades nacionais e suas congénere britânicas e americanas sobre o caminho de ferro de Lourenço Marques (processo Delagoa que decorreu entre 1891 e 1900) e pelo reconhecimento suíço, mesmo antes da França, do regime republicano saído da revolução de 5 de outubro de 1910.

Hoje, um século volvido, as duas nações comungam de valores comuns em matéria da vivência de Estados de direito, são ambos membros das Nações Unidas, propugnam pela defesa dos direitos humanos, participam na Comunidade Política Europeia e são protagonistas de um multilateralismo ativo.

País recetor de emigração, onde um quarto da sua população residente provem do exterior, a Suíça conta hoje com cerca de 260 mil cidadãos portugueses a que acrescem perto de quarenta mil binacionais. A emigração nacional na Suíça, cujos primeiros dados estatísticos conhecidos remontam a 1880, aprofundou-se e ganhou relevância no início da década de oitenta do século XX, tendo atingido o seu número mais elevado em 2017 (quase 273 mil residentes). Plenamente integrados em todos os 26 cantões da Confederação, constituem a terceira mais importante comunidade estrangeira (11,7%), logo depois da italiana e da alemã e contribuem de forma efetiva e visível para a economia local, mas também para que a língua portuguesa seja o segundo idioma não oficial mais falado no país depois do inglês. Esperemos que em breve, aos cerca de dezasseis cidadãos nacionais já ativos na vida política comunal e cantonal, possam juntar-se os primeiros membros eleitos ao Conselho nacional na capital federal. As eleições ocorridas em outubro de 2023 já contaram com mais de vinte candidatos de origem portuguesa, todos detentores da nacionalidade suíça e de diferentes espectros políticos. Sinal do nível de integração alcançado, e de uma evolução social, conscienciosa e competente que trará certamente frutos muito proximamente.

Aqui chegados, que futuro se pode adivinhar para a relação bilateral construída de forma sólida ao longo de mais de dois séculos? No campo político, tudo convoca ao estreitamento dos laços existentes seja por um mais intenso diálogo de alto nível (e a recente visita à Suíça de uma delegação Parlamentar chefiada pelo senhor Presidente da Assembleia da República assim o sinalizou), seja por ambos os países manterem vozes próximas nos diversos fora internacionais em que participam. E isto tanto por via da troca de apoios a candidaturas nacionais recíprocas, que tem decorrido de forma exemplar, como da partilha de posições comuns em sede das Nações Unidas ou da mais recente Comunidade Política Europeia. Mas a relação pode estreitar-se, também, em matéria de cooperação para o desenvolvimento, sabendo-se como a Suíça abraça tais desígnios de forma tão sólida e comprometida, nomeadamente em países com os quais Portugal comunga numa inegável aproximação de visões e interesses. Se olharmos para a estratégia da cooperação portuguesa 2030 aprovada pela RCM n.º 121/2022, de 9 de dezembro, e para o programa da cooperação suíça que se projeta para o quadriénio 2025/2028 em consulta pública há algumas semanas (https://www.newsd.admin.ch/newsd/message/attachments/79829.pdf), facilmente encontramos diversa interseção de interesses comuns em áreas geográficas de particular sensibilidade e importância global, como sucede e cita-se como exemplo, o caso de Moçambique.

E assiste-se também no campo económico, a desenvolvimentos relevantes e promissores motivadores de uma maior intensidade na relação bilateral: a Suíça é o 11º mercado mais relevante para as exportações portuguesas de bens e serviços (o 2º de países europeus não pertencentes à União Europeia), um dos mais importantes mercados de origem de investimento estrangeiro em Portugal, em particular em áreas ligadas às novas tecnologias, setor farmacêutico e energias renováveis, e aquele de onde e para onde se mantêm elevados os fluxos de turismo e serviços, bem evidenciado pelos cerca de duzentos voos semanais que ligam ambas as nações, levados a efeito por quatro companhias aéreas ou seja, em cada dia, mais de um voo por hora.

Não há, assim, felizmente, razões para que esmoreça o contacto bilateral. Não se vislumbram obstáculos ou constrangimentos, por pequenos que sejam, que não possam ser vencidos no plano do diálogo político, económico, do investimento, do social, do ensino do português, da afirmação cultural, por forma a que todas estas vertentes contribuam para reforçar uma projeção externa da imagem de Estados modernos e inovadores, de que Portugal e a Suíça são, na prática, bons exemplos.

Júlio Vilela
Embaixador de Portugal na Suíça e no Principado do Liechtenstein

1 Comentário

  • Rogério Ornellas
    1 ano ago Publicar uma Resposta

    É notável constatar que nestes séculos de relação bilateral, se tem vindo a assistir a um aumento dos estreitamentos de laços entre ambos os países, para diferentes campos. O seu artigo representa um tópico de enorme relevância, numa atualidade em que a cooperação e a integração são essenciais.

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