Os três pilares básicos da ação diplomática

A diplomacia é o instrumento privilegiado para concretizar pacificamente a política externa de um Estado ou de uma Comunidade de Estados. Posto esta afirmação de princípio, devemos adiantar que não há política externa digna desse nome se não existir previamente uma estratégia nacional. Essa estratégia deve ser suficientemente globalizante para permitir definir consistentemente uma diplomacia nos diferentes setores que integram uma política externa, isto é, no setor político, setor económico e financeiro e no setor cultural.
Tendo em consideração estes aspetos prévios, poderíamos dizer que a diplomacia no mundo global em que vivemos é cada vez mais uma atividade profissional e técnica e não se compadece com qualquer forma de amadorismo. Os avanços tecnológicos do mundo, designadamente o que hoje poderíamos chamar o mundo digital, não constituem uma dificuldade ou barreira às práticas diplomáticas, bem pelo contrário. O mundo sempre avançou através de saltos tecnológicos e o homem não tem mais do que acompanhar e adaptar-se a eles, não transformando os grandes objetivos da diplomacia, que continuam a ser a resolução de conflitos por meios pacíficos – mas somente transformando as metodologias em função dos novos instrumentos que os avanços tecnológicos põem à sua disposição. Estas circunstâncias dão igualmente uma maior exigência a quem deve definir a estratégia nacional em que a diplomacia se vai basear.
Não nos vamos aqui debruçar sobre a ausência de paradigma mundial que constitui o acontecer político no mundo dos nossos dias, especialmente quando olhamos para as crises, que se multiplicam em várias áreas geográficas e que cada vez são de maior dificuldade de previsão, com diversos atores entre os quais os Estados Unidos, a China, alguns países do Médio Oriente, etc. Mas não podemos esquecer quanto mais difícil é, nestas circunstâncias, definir uma estratégia para uma política externa consistente a médio e longo prazo e, consequentemente, uma diplomacia consentânea com este quadro. Dadas estas circunstâncias, importante é ter presente quais são os três pilares básicos da diplomacia, que definiríamos como: 1 – A Imagem; 2- A Informação; 3 – A Negociação.
A Imagem
A imagem que o representante diplomático cria do seu país é absolutamente fundamental. Essa imagem deve transmitir elementos como seriedade, simpatia e confiança.
São, de resto, imagens comuns às que o representante de uma empresa multinacional deve transmitir. Esses elementos são essenciais tanto para os colegas de outros países com quem o diplomata trabalha cada vez mais em conjunto, como para as entidades que são “decision makers”, ou os que os podem influenciar no país junto de quem o diplomata está acreditado. Chama-se, normalmente, a este aspeto da diplomacia, diplomacia pública.
Num determinado momento da história há países com uma imagem negativa, veja-se a imagem da Alemanha ou do Japão a seguir à II Guerra Mundial; há hoje países com falta de imagem – daremos como exemplos o Canada e Portugal; não daremos, por razões óbvias, exemplos de países com imagens negativas. É evidente a importância da estratégia e da correspondente atividade diplomática necessária para promover a imagem do país que o diplomata representa.
Seria interessante ver o esforço e os modos como, por exemplo, o Japão soube gerir estes factos depois da II Guerra Mundial e que corresponderam a uma estratégia governamental e integrada, que fez com que a imagem do país para as gerações mais novas é completamente positiva.
A aposta na cozinha, nas modas, nos filmes, nas histórias para os jovens foi uma tática extraordinariamente bem-sucedida. Julgamos inútil sublinhar a importância desta imagem no Pilar da negociação.
As Informações
O diálogo entre os Serviços de Informação, a Intelligence e a diplomacia é fundamental.
Sem um conhecimento vasto e exato das circunstâncias políticas de um país onde o diplomata está acreditado torna-se extremamente difícil a sua atuação diplomática e muito especialmente definir as condições para levar a bom termo o terceiro e mais importante pilar da diplomacia – uma negociação. Saber distinguir claramente o que diz respeito aos Serviços de Informação e o que diz respeito à Diplomacia é também absolutamente essencial, embora o diálogo seja indispensável. Há países onde não é evidente nem claro onde reside o poder estratégico, quem são os verdadeiros decision makers ou aqueles que, interna ou mesmo externamente, os podem influenciar. Normalmente caberá aos Serviços de Informação fornecer esses dados à equipa diplomática acreditada nesses países.

A Negociação
A negociação bilateral ou multilateral, certamente o Pilar mais importante da diplomacia, pois é através dela que não só podemos melhor defender os interesses nacionais, como num quadro de crise, alcançar uma “Win-Win Negotiation”, em que se maximizam os interesses dos parceiros e, em certos contextos, se pode evitar o recurso à força e alcançar uma situação de paz. Numa negociação bilateral ou multilateral, os dois primeiros pilares – a imagem e a informação – são absolutamente indispensáveis.
Os instrumentos que esta época digital nos põe à disposição são essenciais. Este facto, porém, leva a que a negociação seja cada vez mais complexa e exija, da parte do diplomata negociador, uma técnica apurada e que se não compadeça com amadorismos. Se analisarmos muitos dos fracassos de várias negociações que têm tido lugar na cena internacional, chegaremos facilmente à conclusão de que eles se deveram ou devem ao facto de não terem sido confiadas à diplomacia e terem sido levadas a cabo por entidades políticas, muitas vezes sem preparação para as mesmas ou porque visavam outros interesses, por vezes oculto, que se encontravam à margem das negociações.
Basta referirmos, entre outros casos, o que se tem passado com a Coreia do Norte, com a Síria ou mais recentemente com o Irão. Como já aludimos, a diplomacia hoje, tendo em consideração a complexidade crescente que o mundo das relações internacionais apresenta, exige cada vez mais um domínio profissional das técnicas de negociação.
Não é mais possível negociar sem conhecer alguns elementos de base, a saber: estar de posse de Instruções claras e ter consciência das condições do Multiculturalismo; a necessidade de conhecer em cada caso as Posições de Recuo dos negociadores; aperceber-se da chamada “ZOPA” (Zone of Possible Agreement) – Zona de Possível Entendimento -; e muito especialmente da chamada BATNA (Best Alternative to a Non Agreement) – Melhor Alternativa a um Não-Acordo. Vejamos um pouco estes elementos básicos para conseguir uma negociação, seja ela num quadro bilateral ou multilateral. Quando se começa uma negociação, a primeira coisa essencial é estar de posse de instruções claras baseadas em dois elementos: o objetivo específico da negociação e a sua integração numa estratégia global, que defina o interesse nacional. Em segundo lugar, conhecer bem o nosso parceiro de negociação. Não negociamos com um norte-americano usando as mesmas táticas do que se negociamos com um chinês ou com um indiano. Por isso, regra geral, um chinês não tem pressa e faz frequentemente preceder a negociação de contactos protocolares, de eventuais almoços ou jantares, a fim de melhor conhecer o parceiro com quem vai negociar, ao contrário de um norte-americano, que, regra geral, tem pressa na negociação e pretende realizar uma “Yes or No Negotiation”.
Conhecer o parceiro e estabelecer uma relação são essenciais. É fundamental, também, ter em consideração o contexto da multiculturalidade.
O próprio objetivo específico de uma negociação tem muito a ver com a atitude dos países nela envolvidos. A saber, se ela se insere numa estratégia a curto prazo ou numa estratégia a médio ou longo prazo. Se compararmos, esquematicamente, os objetivos de um parceiro chinês e de um parceiro ocidental, pode facilmente verificar-se que o segundo quer frequentemente obter um resultado específico, isolado, enquanto que o primeiro está fundamentalmente interessado em, para além de obter também um resultado específico, integrá-lo num contexto a médio ou longo prazo. Isto é, o parceiro chinês está fundamentalmente interessado em estabelecer uma relação de amizade e confiança a prazo, na qual se integra o objetivo específico que o parceiro ocidental queria ver realizado. Do quadro das instruções é fundamental estarmos cientes das nossas posições de recuo, isto é, ao propormos 100, sabermos que podemos recuar até 80 nas nossas propostas. Durante a negociação, devemos procurar conhecer igualmente as posições de recuo do nosso parceiro. Numa negociação multilateral, a título de exemplo, poderíamos citar as negociações sobre a Síria iniciadas em Genebra, em 2014 e que não resultaram, pois vários dos parceiros essenciais não tinham posições de recuo ou não as tinham definido. Pior do que isso, tinham BATNAS diversas e alguns não tinham sequer equacionado as suas BATNAS.
Além do mais, era uma negociação em que o objetivo da mesma era diferente para os Estados Unidos, para a Rússia, para a União Europeia, para não referir mais do que estes parceiros fundamentais. Para uns era destituir Assad; para outros era apoiá-lo na luta contra o Estado Islâmico; para outros era criar um clima de negociação e paz, para que o povo sírio pudesse ultrapassar a luta fratricida em que se encontrava na altura e em que continua ainda hoje mergulhado. No decurso de qualquer negociação séria e sem pressas desnecessárias, devemo-nos aperceber de um dos momentos mais difíceis da mesma – a ZOPA. Quando uma das partes reconhece uma ZOPA, deve saber aproveitá-la.
O aproveitamento desse momento deve ter em conta as táticas do nosso parceiro. Por vezes é necessário ter presente o chamado Princípio de Doha (nome derivado do local onde ele foi pela primeira vez enunciado, nas Conferências da OMC) e que hoje tem sido citado nas conversações do BREXIT. Ou seja, “Nada é acordado antes que tudo seja acordado”. Pretende-se, assim, evitar que a concessão de uma pequena parte do que se negocia venha implicar outra pequena concessão do parceiro, sem que alguma das partes importantes do bloco negocial venha a obter satisfação.
Este princípio foi frequentemente usado, por exemplo, nas negociações sobre Macau, negociações com um caráter verdadeiramente de win-win e cujos resultados até hoje se têm mostrado extremamente positivos tanto para a República Popular da China como para Portugal.

No nosso atual mundo global, nas tensões aparentemente regionais, que se avolumam criando cenários de perigos eminentes, cabe precisamente à diplomacia um papel, que não cabe necessariamente aos políticos desempenhar, na área das negociações. Para que haja ZOPAS ou BATNAS é indispensável conhecermos os verdadeiros atores em jogo: os visíveis, os aparentes e os invisíveis. Cabe precisamente à diplomacia definir, o melhor possível, este quadro. Para que a negociação (o terceiro pilar da diplomacia) se torne possível, é indispensável o segundo pilar – as Informações.
Não referimos ainda a chamada Diplomacia Secreta. Se a diplomacia pública é uma vertente fundamental da prática diplomática, como já dissemos, a diplomacia secreta é por vezes essencial. A diplomacia secreta foi muito usada em certos países, durante o período que se seguiu a uma época de um governo ditatorial. A inexistência durante algum tempo de serviços de intelligence credíveis, isto é, sujeitos a um controlo democrático, obrigou a atividade diplomática a assumir atividades que mais caberiam a um Serviço de Informações.
Tivemos exemplos desse facto em países de Leste, assim como em Portugal do pós-25 de Abril e antes de, com grande dificuldade, termos finalmente podido criar um serviço de informações, que se veio a chamar SIRP. Este Serviço, como é tradicional, veio a ter duas vertentes, a civil e a estratégica ou militar. Eu próprio, como diplomata, fui encarregue de missões ligadas a Moçambique e à República da África do Sul, que poderiam ou deveriam ter sido levadas a cabo por serviços de intelligence. Por outro lado, um governo pode decidir que prefere levar a cabo certa missão secreta por via diplomática e não a entregar aos serviços secretos. O exemplo mais antigo, geralmente referido, foi o famoso “Quebec Agreement”, de 1943, cujo nome de código era o Acordo sobre “Tube Alloys”. Na realidade foi um Acordo sobre armas nucleares e seu eventual uso. Este acordo assinado ao mais alto nível em Quebec, por Roosevelt e Churchill, só mais tarde é que veio a ser conhecido tanto pelo então ministro da Defesa americano James Forrestal como pelo ministro dos Negócios Estrangeiros Dean Acheson.
Numa época mais recente, esta face da diplomacia foi igualmente bem conhecida com a viagem secreta de Kissinger à China, em 1971, no quadro das negociações secretas com Zhou en Lai e que levaram ao restabelecimento das relações diplomáticas entre os Estados Unidos e a República Popular da China e que culminou com a visita de Nixon a Pequim.
