Vítor Ramalho
Memórias da Conceção Universalista dos Líderes dos PALOP´s
É possível coletar e adicionar à base de dados da plataforma História Social de Angola memórias de angolanos e de nascidos em Angola que se tornaram líderes e políticos, pois ninguém nasce político? No caso de Vítor Ramalho as memórias marcantes da terra onde nasceu, Caála, Angola e dos seus tempos de estudante universitário em Lisboa envolvem a amizade com dois amigos de todos os dias , Justino Pinto de Andrade e Alexandre do Nascimento.
Neste depoimento retrata o envolvimento de ecuménicos na luta de libertação nacional e de se ter apercebido aos dezassete anos o que viria acontecer, Angola seria libertada pelos seus filhos. A religião desempenha um papel importante na sociedade civil e junto às comunidades, por isso é parte integrante da história social dos países, porém este depoimento é realizado durante um cenário pantanoso onde as novas gerações serão as maiores vítimas do maior foco atual de guerra ou genocídio do século XXI e por isso alerta às novas gerações de angolanos a afastarem-se de tomadas de posições pró potenciais e alerta a todos africanos a ponderação em contenciosos religiosos e a penetração de religiões fundamentalistas em alguns dos PALOP.
Em memórias marcantes, Vítor Ramalho recorda a presença da media em Luanda devido ao fundamento do Paquete Santa Maria e o aproveitamento dos revoltosos em realizar a revolta do 4 de Fevereiro nesta data, será um dado particular? Do período pós independência recorda a importância social do 1º Congresso de Quadros Angolanos, realizado em Lisboa, cujo maior resultado foi o regresso de quadros nacionais para o desenvolvimento económico de Angola em contexto de Paz.
Os laços com a terra onde nasceu contaram para a publicação dos 22 livros e de antologias poéticas de três países dos PALOP pela Organização que lidera a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa. Estas e outras iniciativas contribuem para a divulgação de memórias angolanas publicadas no âmbito da UCCLA em Lisboa e este colega de carteira de Estudantes da Casa do Império avisa as novas gerações “sem memória não há futuro!”
Introdução
O meu nome é Vitor Ramalho, eu sou presentemente Secretário Geral da UCCLA que é a mais antiga instituição que foi criada em 1985 pelo presidente da Câmara de Lisboa, Cruz Abecassis, já falecido e que esta associação é intermunicipal internacional e que tem neste momento sessenta cidades de todos os nossos países.
Infância e Juventude
Eu nasci na Caála, no planalto central, na altura não havia universidades em nenhuma colónia africana, o único território colonizado por Portugal que tinha ensino superior era Goa e um ensino superior com bastante mérito sobretudo na medicina e houve inúmeros médicos que estiveram em Angola .
Como não havia universidade eu tive de vir estudar para Lisboa para a faculdade de direito em 1965, neste momento tenho setenta e cinco anos, na terra onde nasci na Caála fiz o ensino primário numa escola pública e depois como não havia liceu, tive de o fazer no liceu de Nova Lisboa, Huambo, no liceu Sarmento Rodrigues que tem um nome de um almirante que foi sogro de uma personalidade de referência em Portugal depois do 25 de Abril, Gomes Mota que também era militar da Marinha.
Vim para cá estudar em 1965, acompanhei enquanto criança, pois a guerra colonial como é sabido começou nessa época, a guerra começou por volta de 1962, o MPLA foi criado nessa altura em Conacry. Sei disso porque privei muito de perto e foi meu amigo, o primeiro presidente do MPLA o Mário Pinto de Andrade com outras personalidades da luta de libertação nacional que abraçaram a luta, um de São Tomé e Príncipe mas que abraçou a luta de libertação de Angola Hugo de Meneses cujo pai aliás era também de São Tomé e um anticolonialista, o Lúcio Lara e o Viriato da Cruz pelo menos estas personalidades fizeram parte do núcleo central que acabou por dinamizar a criação do MPLA.
A Conceção Universalistas dos Líderes dos PALOP
Antes disso, em 1956 houve um manifesto em Angola que foi de alguma maneira digamos prenunciador da criação deste movimento em que também assinou Amílcar Cabral, em 1956, mais conhecido pelo Manifesto do MPLA, porquê? Porque o Amílcar Cabral na altura estava em Angola a exercer a atividade de engenheiro agrónomo, ele formou-se no Instituto superior de agronomia, depois trabalhou em Portugal, em Santarém, esteve também na Guiné e em Cabo Verde a trabalhar e em um determinado período foi colocado em Angola e dado as atitudes que ele tinha entendeu também dever participar na criação naquilo que viria a ser mais tarde o MPLA.
É significativo que na altura houve várias personalidades que não sendo propriamente angolanas, tiveram um concurso muito relevante para a criação dos partidos angolanos. Já falei de Hugo de Meneses, mas também de uma outra personalidade de São Tomé e Príncipe, Tomás de Medeiros, também já falecido. Portanto, a conceção universalista da luta das personalidades que embora originários de outro território abraçaram a luta são uma constante, não apenas em Angola, eu tenho presente que quando o Mário Pinto de Andrade teve de sair de Angola mercê da ação que passou a desenvolver com outros companheiros da Revolta Ativa ele foi para Guiné Bissau e acabou por ser Ministro da Cultura da Guiné Bissau no governo de Luís Cabral porque já tinha morrido o Amílcar Cabral.
A luta de libertação já se tinha iniciado eu era bastante jovem tinha dezassete anos na altura, mas tive a oportunidade de perceber o que se ia desenvolver em Angola, o MPLA como é sabido tinha origem no 4 de Fevereiro de 1961 que foi “uma ação de patriotas angolanos que fizeram o assalto a cadeia de São Paulo e a outras instituições policiais”.
Isto coincidiu com o assalto ao Paquete Santa Maria, paquete português, esse assalto foi dirigido por um Capitão português Henrique Galvão que tendo sido do regime depois revoltou-se contra o regime e dirigiu o assalto ao Santa Maria, com outras personalidades espanholas que é interessante a Libertação da Libéria era assim que eles os chamavam. O navio estava para ser fundeado em Luanda, era a intenção dos revoltosos levá-lo para Luanda (por razões de vária ordem que não há aqui possibilidades de o desenvolver) foi para a Baía, no Brasil.
Estou aqui a referir este aspeto porquê? Porque nessa altura, quando a comunidade internacional se deu conta, sobretudo a media, que o navio poderia ser afundado em Luanda um conjunto muito numeroso de jornalistas desembarcou em Luanda para cobrir o acontecimento e portanto daí tomaram conhecimento também da realidade que Angola vivia nesta altura já com o MPLA e também com da FNLA aliás os acontecimentos do 4 de Fevereiro do meu ponto de vista tiveram muito espontaneidade e não foi uma coisa devidamente organizada em termos de ímpeto, pensando longamente, os revoltosos aproveitaram a presença de media em Angola e aproveitaram e desencadearam esta ação junto do assalto às cadeias e as outras instituições policiais para terem eco internacional como acabou por acontecer.
Clifford J Pereira
12 meses agoUma perspectiva muito interessante dos acontecimentos nas ex-colônias.