Adelino Fernandes

Adelino Fernandes foi selecionado para emprestar as suas memórias sobre a moda e concursos de beleza nos anos 70, por razões imprevistas o seu depoimento não foi realizado a tempo de constar na primeira fase deste projeto durante a redação do livro “A Juventude Angolana no Período Pós Colonial: Contribuição à Análise Qualitativa.” Entre outros famosos da Vila Alice, como os cantores Nany e Tito Fontes, Gustavo da Conceição, Matamba e outros, um dos promotores do sector da moda e concursos de beleza residiu em uma das travessas que vai dar ao largo José Régio.

© História Social de Angola

Conheci os seus familiares e estes amigos foram educados de forma rigorosa e acompanhamos a trajetória deste angolano, nascido em Cabo Verde, residiu temporariamente no seu país e em Portugal e a maioria da sua vida na travessa Almeida Garrett, tal como muitos angolanos viveu na residência onde passou a sua infância e juventude até muito pouco tempo e por isso assistiu às mudanças sociais na Vila Alice e foi a partir da sua casa que fomentou a sua entrada na moda nacional. Por isso o desafiamos a partilhar as suas memórias que revelam sua dedicação as danças, programas infantis de rádio e televisão e a moda, conta factos históricos das agências de modelo, dos concursos de beleza,da participação no grupo infantil Chocolates e em outros movimentos culturais nacionais marcantes que nos primeiros anos de Angola entretinham o povo angolano de Cabinda ao Cunene e onde foram forjados músicos, compositores e grupos musicais como as Gingas do Maculusso.

Este depoimento apresenta pouco dados antes da independência demonstrando os limites da memória no tempo, porém contextualiza profundamente aspetos da sociedade Luandense da época como os soldados voluntários e os poucos estabelecimentos de formação extracurricular como a Academia de Música de Luanda, programas infantis de rádio e televisão e as diversões dos adolescentes que fomentaram a organização do sector da moda e beleza nacional, ao final do dia, cada angolano participou na construção da nova sociedade angolana de acordo as suas habilidades muitas das vezes incentivadas pelos pais, comunidade e aquele momento histórico de um novo país, conheça algumas destas figuras e o seu papel na construção da identidade cultural nacional.

© História Social de Angola

Contexto

Vou começar dizendo o que me consigo lembrar é importante, eu sou o Didi é o nome que as pessoas conhecem-me na rua, mas chamo-me Adelino Fernandes, sou filho de Olimpia Amaral Fernandes e de Adelino Fernandes, tinha seis irmãos agora tenho cinco em virtude do falecimento de um deles, portanto a minha mãe teve sete filhos e um deles era militar e morreu em 1992 nos confrontos, sou o penúltimo dos sete e faço cinquenta e cinco anos em 2023. A minha mãe nascida em Angola, casada com um cabo verdiano que naquele tempo se atreveu a ir viver para Angola, visto ter nascido em Cabo Verde e no regime colonial concorreu para aquelas posições mais altas que eram dadas às pessoas de cores e mesmo assim na época colonial chegou a Administrador de Posto, eu não sei o que isto quer dizer de facto se hoje fizermos uma leitura aos postos actuais, eu nao sei dizer que nível se compara, o que é certo é que ele foi Administrador de Posto até a independência em 1975. As pessoas que o conheceram e conhecem a família dizem que somos aquele tipo de pessoas que a bem ou mal foram privilegiados naquela altura devido ao estatuto adquirido de ambos. A minha mãe angolana, meu pai cabo-verdiano, conheceu-a, casaram e viveram parte do tempo em Angola, Três dos sete filhos nasceram em Angola e os outros nasceram em Cabo Verde que é o meu caso.

Colonial
A infância em Cabo Verde e Portugal, até 1975

Antes da guerra em Angola nos anos 1960, a minha mãe agarrou os três filhos mais velhos e mandou-os para Cabo Verde para não terem qualquer tipo de problema durante aqueles confrontos, portanto mandou os mais velhos e ficou em Angola com o meu pai. Pouco tempo depois, vão para Cabo Verde porque tinham a necessidade de encontrar os filhos e manter a família em constante progressão e daí vem os outros últimos filhos. Eles transferem-se para Portugal onde vivemos até Abril de 1975, quando se sabe que Angola eventualmente está quase a tornar-se independente e as pessoas deste tempo queriam estar no momento da independência em Angola para presenciarem a mudança de regime. fomos para Angola, aconteceu a independência e uma das minhas irmãs…

Pós Independência
Os soldados voluntários, Angola, 1975-1985

O meu falecido irmão Olavo que faleceu na guerra e um primo meu o Jorge Togas foram voluntariamente para tropa, tinham quinze anos nesta altura e fugiram de casa, alistaram-se e a minha mãe voltou a vê-los dez anos depois em 1985, ele foi e os meus pais não sabiam, estiveram desaparecidos durante dez anos, conhecia o meu irmão, mas quando tu és pequeno e o teu irmão desaparece por este período, quase te esqueces da existência desta pessoa. Até ao belo dia em que estávamos em casa e aparece-nos ao portão um indivíduo de barba, militar e a minha mãe aos prantos porque ela estava a ver em frente dela o filho que ela não via há quase dez anos. Ele foi em 1975 quando houve aquela avalanche de irem para tropa, quando recrutaram em massa, ele foi nessa leva e voltou nesta época, o Olavo e o Jorge que é filho do irmão mais novo do meu pai e a vida continuou.

O ambiente social de Luanda
Primeiras eleições em Angola, 1992

O meu primo Jorge depois foi para a pilotagem comercial porque foi trabalhar para a SONANGOL e o Olavo continuou nas forças armadas até morrer porque ele morreu em 1992 naquele confronto durante as primeiras eleições, onde se recebeu de braços abertos a UNITA para haver a grande transição para a democracia, só que em 1992 houve aquela grande guerra civil, eu lembro-me dele recrutar os rapazes jovens do bairro porque havia uma ameaça de…. a nossa casa estava cheia de material de propaganda e armamento do MPLA, o meu irmão foi um dos mobilizadores de jovens, o meu irmão Rui também esteve nesta frente de bairros, no caso era um civil. Era preciso senhas para se passar pelos bairros e quem não tivesse senha era aprisionado ou abatido, havia confrontos e morriam soldados e civis, foi o caso do Olavo, perguntou a senha aos soldados da UNITA e houve o confronto, foi abatido com onze tiros em frente a farmacia Luanda, no passeio da residência da família Riqueza, muito próximo a nossa casa.
O nosso irmão Rui estava com ele e também foi alvejado com sete tiros e fingiu estar morto. Pois os soldados da UNITA antes de prosseguirem a sua fuga asseguravam estarem todos mortos, quando se sentiu em segurança conseguiu arrastar-se até a nossa casa. A minha mãe viúva levou o Rui até ao hospital militar e no dia seguinte conseguiu com que a força aérea militar o transportasse para um hospital em Lisboa. os médicos em Lisboa dissera–lhe que ele ter chegado na hora exacta pois tinham extraído x quilos de pus do corpo que se degradava rapidamente.
O Rui hoje vive na Inglaterra e visita regularmente a nossa mãe em Lisboa mas jamais regressou a Angola, ele fala sobre o país, mas não fala em visitar, provavelmente para esquecer o drama de ver o irmão morto e pela incapacidade de o conseguir salvar.
A nossa mãe tinha chegado a Luanda uma semana antes das eleições de 1992 após a morte do esposo decidiu residir em Lisboa, ficou um longo período sem regressar a sua terra, mas recentemente tem visitado periodicamente.


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