Diogo Rola

Diogo Rola é realizador e fotógrafo e orgulhosamente Açoriano.
A sua primeira obra de ficção é a curta-metragem Santa Rita Dream, um projeto que reflete a sua vontade de contar histórias relacionadas com os Açores. Diogo também é conhecido por ter realizado várias séries de televisão, como Mal-Amanhados – Os Novos Corsários das Ilhas, com Luís Filipe Borges, Quanto Mais Me Bates com António Raminhos, Caixa Negra, Work In Progress e Lugares da Escrita. Conta também com um vasto portefólio na área do digital, casamentos, publicidade corporativa e filmes turísticos. Um dos seus projetos com mais destaque foi a curta-metragem documental Cordas, exibida em 66 países e arrecadou 40 prémios internacionais.

Como e quando decidiu que o seu futuro passava pela sétima arte?

A verdade é que a minha entrada no audiovisual foi uma “exclusão de partes”. Procurava o meu lugar no mundo e não sabia o que queria e no secundário entrei num curso de “Audiovisual e Multimédia”, numa altura em que era difícil explicar a amigos e familiares de que se tratava o curso. Terminado o secundário decidi fazer exames nacionais e não sabia se gostava de Audiovisual e Multimédia, mas não desgostava e de tudo o resto desgostava, pelo menos não sabia ou tinha informação para me sentir de outra forma, então candidatei-me ao curso de Audiovisual e Multimédia da Escola Superior de Comunicação Social e para minha surpresa, entrei. E foi apenas no inicio do segundo ano que tive a certeza de que era no audiovisual que me iria focar e com o desejo pelo cinema, esta quase utopia, algo difícil de alcançar e de fazer com qualidade e retorno no nosso país.

O seu percurso académico foi desde logo muito criativo e fora da caixa. Primeiro fez o estágio e depois o curso?

Bem, lembro-me perfeitamente de estar numa das primeiras aulas do curso e de um professor nos ter dito para olharmos à volta porque éramos todos concorrentes uns dos outros e apenas meia dúzia iria sobreviver ao mercado depois de terminar o curso. Sabia que eram na altura várias turmas, cerca de 120 alunos (salvo erro) no primeiro ano e eu não seria o mais inteligente, por isso, na minha ótica só existia
uma forma alcançável de combater a probabilidades: trabalhar mais do que todos. No primeiro ano, ainda no primeiro semestre entrei na associação de estudantes (coisa, que na universidade funciona como uma pequena empresa) na área da comunicação e comecei a fotografar e filmar festas da nossa universidade e de outras, e semanas académicas, participei também no programa de televisão no E2 (programa de TV da ESCS), entre vários projetos, todos eles sem fins lucrativos, para ganhar experiência e aprender o máximo possível. Nos verões, de regresso aos Açores, fiz sempre estágios de verão. Comecei a fazer trabalho como freelancer no segundo ano. Recordo-me que ao terminar a licenciatura já tinha filmado e editado mais de 300 vídeos, que na altura me colocava a uma distância grande de quem apenas se tinha cingido ao trabalho escolar. Mesmo assim, ainda abaixo do nível do mercado.

Que importância teve a World Academy no seu percurso profissional?

A World Academy fez parte de todo este processo de crescimento. Ao acabar as últimas cadeiras do curso entrei como estagiário no departamento de comunicação na World Academy, fui estagiário durante um ano letivo e no ano letivo seguinte fui aluno de Realização, local onde aprimorei as minhas competências enquanto realizador nas diversas áreas documental, ficção, TV, etc., conhecia boas pessoas e a escola faz com que os diversos cursos se cruzem para os alunos de realização utilizarem os guiões da turma de guionismo, trabalharem com os alunos de produção, com os de acting, com os de câmara,… um funcionamento perto do que acontece no mercado de trabalho. O estágio foi mais uma etapa de “mãos na massa” a filmar e editar e aprender com todos os seniores da escola a quem desde já deixo um enorme agradecimento. Também foram eles que muitas vezes me recomendaram para trabalhos e fizeram diferença no meu percurso. Mas gosto de acreditar que isso também se deve ao meu esforço em fazer melhor e bem feito.

Filmar, fotografar ou realizar?

É uma questão difícil de responder. Diria que fazem parte uns dos outros, ou seja são 3 competência que tenho e que gosto de aplicar. Nem sempre tenho oportunidade de escolher, até porque muito do trabalho que faço é sozinho (para minha infelicidade porque gosto mais de trabalhar em equipa). A verdade é que, o que gosto mais de fazer depende do projeto em questão, há projetos em que quero mesmo fazer realização e filmar, noutros não me importo de filmar para alguém e a fotografia é algo que ainda hoje eu associo a descontração. Grande parte do trabalho que faço passa por filmar e quando tenho trabalho a fotografar para mim é sempre muito mais relaxante, mais leve, mais descontraído e também associo a férias, quando viajo levo sempre uma máquina e é algo que faço para relaxar e sempre para melhorar os meus enquadramentos. Posso dizer que na curta de ficção “Santa Rita Dream” custou-me não ter sido eu a filmar/ fazer a direção fotografia, mas tendo em conta que já estava a realizar e produzir, foi uma decisão bem tomada e fiquei satisfeito com o trabalho do Filipe Pantana.

Qual foi até ao momento, o projeto que mais gostou de realizar?

O que sempre quis fazer passa por ficção, embora a decisão de voltar aos Açores não abone a favor de tal coisa e me leve mais para o trabalho mais comercial. De qualquer forma os trabalhos de ficção que fiz: “Santa Rita Dream” também por ser algo que levou 3 anos a ser possível de acontecer e que fizemos com tão pouco. Acredito que havendo uma próxima oportunidade terei competências para fazer mais e melhor. Também gostei de outras experiências da ficção como um episódio piloto de uma série com o António Raminhos de nome “Parte de Mim”, pode ver-se no Youtube ou a primeira curta realizada pelo Luís Filipe Borges “First Date” a qual tive o gosto de fazer direção de fotografia/filmar e também serei o editor. Fora isso os projetos de qual gosto mais são por norma os trabalhos documentais como a curta-metragem “Cordas” ou os projetos documentais de TV que tenho feito com o Luís Filipe Borges como “Mal Amanhados – Os novos Corsários das Ilhas”, projeto que me levou a conhecer todas as ilhas dos Açores e muitas pessoas boas e outros projetos que fiz com este amigo e a equipa habitual nos últimos anos, como “Work In Progress”; “Caixa Negra” ou “Lugares da Escrita” com a Marta Silva ou a série “Quanto Mais Me Bates” com o António Raminhos para a Sport TV. Também tenho um enorme gosto pelos Açores, por isso os projetos de turismo também têm um significado especial para mim e normalmente dão-me algum gosto em realizar. Posso destacar os filmes que estou este ano a realizar para a Associação de Turismo Sustentável do Faial, sobre a Ilha do Faial nas quatro estações ou na minha ilha (Terceira) o filme “Start Living. Explore Terceira.”

Quem são as suas principais referências e que de alguma forma influenciaram a sua assinatura?

É difícil dizer, posso dizer que gosto muito dos filmes de grandes realizadores comerciais como Tarantino, Nolan, Scorcese, entre outros gigantes como a maioria de nós. Mas não sinto que quando faço algo que venha de algum deles. Acho que vem de várias coisas, de tudo o que já vi, mas principalmente de todos estes anos a filmar e constantemente a descobrir e redescobrir de que forma uma imagem me parece mais agradável na tela. Tento mudar um pouco a linguagem de projeto para projeto, mas a verdade é que tenho recursos limitados portanto posso apenas ir até certo ponto.

Como é o seu processo de trabalho enquanto Realizador? Tomemos como exemplo um magnífico filme promocional que realizou e produziu em 2021 para a Câmara de Comércio de Angra Heroísmo.

Esse filme, que na verdade foram vários, mas o de maior destaque é a versão maior (2 minutos e 31) marcam uma fase da minha vida. Uma altura em que tinha acabado de voltar aos Açores (para viver cá) depois de sete anos em Lisboa e quase um ano na Dinamarca. Ou seja, uma altura em que ainda não sabiam que eu cá estava, em que viam trabalho meu e achavam “que era alguém de fora” e na verdade foi um bom pontapé de saída. Foi abordado por um fotógrafo, Timothy Lima que se queria candidatar ao projeto para fazer a parte de fotografia e algumas imagens de drone e sugeriu que nos juntássemos. A minha posição foi a de marcar a diferença, não queria simplesmente mandar um orçamento mas fazer uma proposta mais composta e justificada. Por isso, tudo foi pensado. As cores das roupas dos intervenientes e dos locais, para que depois se pudesse separar por vários temas relacionados com determinadas cores, a vontade de fazer um vídeo com uma família em vez do típico que por norma era um casal, o encaixar todas as atividades e oferta da ilha e de que forma é que conseguiria escrever uma voz off interessante que nos contasse uma pequena história da experiência daqueles turistas na ilha. A tudo isso juntou-se a banda sonora original feita pelo Flávio Cristóvam. E foram muitos os dias em que fomos filmar ao nascer do sol e por do sol em busca da melhor luz para tentar vender o melhor dos Açores. Filmar natureza nos Açores é difícil, o clima não é previsível, ainda por cima outono/inverno que foi maioritariamente a altura na qual filmámos. E por fim muitos dias a fazer a montagem. Resumindo, é preciso muita organização, reuniões para perceber o que o cliente quer, mostrar referências visuais de tudo e explicar bem o que pretendemos fazer, planear a rodagem com todos os intervenientes. Durante a rodagem lutar contra os contra-tempos que acontecem sempre. Lidar com o feedback do cliente (que neste caso foi sempre fantástico) para acima de tudo os deixar satisfeitos e entregar o filme idealmente dentro das datas previstas. Claro que estou a colocar isto de uma forma muito simples e a saltar várias etapas, a simplicidade ou complexidade do projeto aumentam conforme a dimensão da equipa e também dimensão do projeto (que por normal está associado também à dimensão do orçamento, projetos com maior duração, maior equipa, mais gente a trabalhar, mais dinheiro a ser gasto por dia, mais pressão, logo mais preparação).

A indústria do cinema em Portugal (ainda) é só para alguns?

Logo após terminar a faculdade, lembro-me de estar a filmar um evento e ter conhecido alguém da área a quem disse que o que gostava mesmo de fazer era cinema, ao que ela me respondeu: “Cinema? É fazer.” Não posso dizer que concordo com o que ela disse, mas a verdade é que conseguimos fazer alguma coisa com pouco (pouco para cinema, não pouco para as outras artes que normalmente precisam de menos pessoas e menos dinheiro para fazer algo). É possível fazer uma curta-metragem com poucos milhares de euros ou se calhar com centenas, depende do projeto. Isto porque é possível encontrar gente interessada e que não se importa de trabalhar 2 ou 3 dias por um valor baixo (ou muitas vezes, nulo) por acreditar no projeto ou porque lhes apetece, mas isso são 2 ou 3 dias. Ninguém vai convencer ninguém a trabalhar 1 mês ou 2 ou 3 de graça, por isso para pagar a uma equipa e material e alimentação e tudo o que implica uma rodagem de um filme é preciso muito dinheiro. Acho que esse é o primeiro passo para o cinema em Portugal ser “só para alguns”. O segundo motivo é por sermos um país pequeno e onde não existe uma industria. Um filme não se paga em Portugal. Os portugueses não vão ao cinema o suficiente para um filme se pagar… Ou quando se paga são precisos 20 anos. Todos os casos de filmes que alegadamente tiveram grande lucro em Portugal, se formos ver e retirarmos os apoios do estado e fosse tudo investimento privado… teriam dado um grande prejuízo (principalmente se contarmos só com as salas de cinema). Logo, é normal que não exista muito investimento para além dos apoios habituais, que não dão para muitos, são complicados de concorrer e mais complicados ainda de ganhar para quem não está associado a uma produtora com um portefólio grande e já conhece as pessoas do meio. Dito isto, é possível. Há 30 anos era impossível, hoje posso arranjar amigos e fazer algo com a minha máquina e pouco mais. A qualidade não será a mesma mas é possível.

É um dos artistas colaboradores da MiratecArts. Como é que esta entidade tem contribuído para a evolução da sua vida no setor artístico?

A MiratecArts faz uma enorme diferença na cultura nos Açores. Não há ninguém que faça tanto com tão pouco quanto a MiratecArts faz, a maior dinamizadora cultural nos Açores. E eu, tive a sorte de fazer o documentário do Cordas, também já passei 30 dias na ilha do Pico a fazer vídeos para o festival Fringe entre outros projetos, e em Dezembro terei o gosto de estar novamente no Pico para o AnimaPIX. Para além do que me deram diretamente deram muito mais indiretamente, de todas as pessoas que conheci em eventos que presenciei, como o Encontro Audiovisual, contactos, ou quando é necessário alguma coisa. Não há palavras para descrever e não há mais entidade nenhuma que se compare nos Açores.

Projetos para 2025?

Apesar de me sentir bastante desmotivado com a área de momento, pela situação cultural, falta de apoios, poucas oportunidades,… A verdade é que há previsão de alguns projetos para o próximo ano, mas como habitual não posso confirmar nada porque só tenho a certeza, quando estiver lá. Prevê-se o regresso de uma série que fizemos para uma segunda temporada entre outros 2 projetos de dimensão semelhante que estamos a tentar levar avante. Na parte da Ficção não tenho nada previsto. Estou a aguardar para ver qual o feedback da curta “Santa Rita Dream” e não sei quando tirei forças para fazer outro projeto semelhante, não há nada mais exaustivo do que ser a pessoa responsável por fazer um projeto de ficção acontecer, mas também não há nada mais gratificante do que ver que se conseguiu. Este foi o primeiro projeto que assumi, terminei e mostrei ao mundo e se houver próximos, o meu desejo é que sejam cada vez melhores.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

A Arte é bonita se for partilhada e se tiver significado e há muitos artistas que fazem as coisas só para si. Não podemos deixar que todas as opiniões nos influenciem, mas a arte é para ser partilhada e é para inspirar, encontrem um equilibro entre o vosso gosto/ego e o que os outros gostam. Eu pelo menos, se um dia fizer uma longa espero ver uma sala de cinema cheia. Em Portugal há demasiados artistas que preferem uma fila de amigos e colegas do que uma sala cheia.
É altura de mudar isso.
Outra coisa importante é que nem todos somos artistas o tempo inteiro, não produzimos o tempo inteiro e temos que pagar contas e num país precário como o nosso, não há vergonha nenhuma em pagar as contas de outra forma e deixar a arte para nos encher a alma nos tempos livre. Ninguém é menos artista por isso.


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