Maria do Céu

CEO Pacheca Group

© Descendências/Vera Bondar

No coração do Douro, onde o tempo parece medir-se em vinhas e em histórias de gerações, nasce o Pacheca Group, um projeto que alia tradição, inovação e paixão pelo terroir português. À frente deste legado, Maria do Céu não fala apenas de vinhos: fala de pessoas, de experiências únicas e de um compromisso firme com a excelência. Entre expansão cuidadosa, investimento em inovação e um olhar atento à preservação do que já foi conquistado, revela-nos uma visão clara: o sucesso é fruto de dedicação, equipa e autenticidade. Nesta entrevista, Maria do Céu revela não só a estratégia de crescimento do grupo, mas também a filosofia que transforma cada visita, cada garrafa e cada colaborador, que se tornam parte integrante de uma história maior, onde Portugal se sente em cada detalhe.

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A Quinta da Pacheca é um dos projetos de enoturismo mais emblemáticos do Douro, e a sua liderança transformou um espaço histórico num ecossistema vivo de experiências vínicas, culturais e ambientais. Gostava que recuássemos a 2012 e nos explicasse: quando olhou pela primeira vez para a Pacheca, o que é que viu para além das vinhas? Que sonho foi este que a levou a transformar o projeto numa marca de referência nacional e internacional?

A primeira vez que entrei na Quinta da Pacheca senti, de imediato, que não teria recursos suficientes para a comprar. Pensei para comigo: “isto não é para mim”. No entanto, quando aprofundámos o negócio e começámos a dialogar com a família e com os credores — porque havia, de facto, um problema financeiro — percebemos que poderia ser possível avançar. O grande desafio era o tempo: tínhamos apenas de 24 de abril a 26 de maio de 2012 para concluir a operação. Caso contrário, o banco avançaria para contencioso com a família. Foi um processo exigente e intenso, sobretudo pela necessidade de concretizar tudo em apenas um mês. Mas conseguimos. Quando nos focamos numa oportunidade e acreditamos nela, não desistimos até a tornar realidade.

© Descendências/Vera Bondar
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Tendo adquirido a totalidade do capital em 2013, decidiram não só preservar o património, mas também ampliar as fronteiras físicas, simbólicas e empresariais da Quinta. Quando se olha para esse percurso — da compra ao nascimento do Pacheca Group em 2025 — que marcos destacariam como determinantes na transição de uma Quinta para um Grupo com identidade própria, várias localizações e uma missão transversal no país?

Em 2012, quando comprámos a Quinta da Pacheca, ficámos inicialmente com 75% do capital e, no ano seguinte, conseguimos adquirir os restantes 25% à família, passando a deter 100% da propriedade. Um dos aspetos mais marcantes desse processo foi o facto de a Dona Teresa Serpa Pimentel, antiga proprietária, ter feito questão de continuar a viver na Quinta. Para o meu sócio, Paulo Pereira, essa situação gerou alguma hesitação, mas consegui convencê-lo de que permitir-lhe usufruir da casa até ao fim da vida seria um gesto de respeito e continuidade. Para mim foi um orgulho, porque não só preservámos a memória de quem construiu a história da Pacheca, como também tive a oportunidade de aprender muito com ela. Esse conhecimento transmitido foi fundamental.
Ao mesmo tempo, encontrámos vinhas em mau estado, negligenciadas nos anos anteriores. E uma vinha sem cuidados vai, pouco a pouco, morrendo. Tivemos de reformar completamente as vinhas — que para nós são o verdadeiro jardim da Quinta — porque quem visita o Douro espera encontrar vinhedos cuidados e vivos. Investimos tudo o que ganhávamos em França para reerguer este património, e já em 2015 tínhamos vinhas renovadas e um espaço transformado, onde a paisagem voltava a ser motivo de orgulho. Esse foi o primeiro passo essencial.
Mas, naturalmente, falar de vinha é falar também de vinho. Entre 2010 e 2012 a marca tinha perdido consistência de qualidade, e tornou-se urgente reafirmar o nome Pacheca. Apostámos numa nova imagem, numa nova filosofia e, sobretudo, em qualidade. Começámos pelo mercado nacional, mas logo em 2014 conquistámos França, aproveitando a confiança que já existia na Agriberia. Isso abriu-nos portas no retalho — Auchan, Carrefour, Intermarché — e na restauração, onde muitos empresários, orgulhosos de ver um emigrante português a investir no Douro, compravam os nossos vinhos quase como gesto de apoio. Foi assim que França se tornou o nosso primeiro grande mercado internacional.
Paralelamente, percebemos que o Douro vivia uma crise hoteleira: vários hotéis de referência tinham fechado ou estavam em dificuldades. Na altura, muitos diziam-me: “Maria do Céu, não invistas, o Douro só funciona três ou quatro meses por ano”. Mas percebi que a ausência de turistas se devia, sobretudo, à falta de oferta estruturada. Não havia hotéis de qualidade, não havia serviços, nem transporte para o aeroporto. Faltava um ecossistema de hospitalidade. Foi então que vislumbrei a oportunidade de criar um projeto turístico ligado ao vinho.
O enoturismo, na época, era praticamente inexistente na região. Decidimos, por isso, abrir as portas da Quinta, receber visitantes, mostrar-lhes o que tínhamos. Começámos por trazer amigos e clientes de França, que ficaram impressionados com o potencial e viam na Pacheca um verdadeiro diamante em bruto. Esse entusiasmo deu-nos ainda mais força. Assim, em 2014, avançámos para a hotelaria. Não tinha experiência nessa área, mas encontrei quem tivesse: o Álvaro, que viria a tornar-se meu marido e que trouxe o seu know-how. Iniciámos com 15 quartos, mas sempre com o objetivo de crescer para 50, porque só assim o projeto teria dimensão.
Trabalhámos com um arquiteto local, valorizando desde sempre a ligação à comunidade. O processo foi exigente e burocrático, por estarmos em zona classificada como Património Mundial, e aquilo que planeávamos concluir em 2017 só ficou pronto em fevereiro de 2020. O timing não poderia ter sido mais desafiante: inaugurámos o hotel um mês antes da pandemia. Com a equipa já contratada, fomos obrigados a fechar de imediato. Mas transformámos a dificuldade em oportunidade. Criámos um site de e-commerce, montámos a nossa central de reservas, reforçámos a comunicação direta com clientes e mercados internacionais. Isso permitiu-nos crescer mesmo em tempos de incerteza. Enquanto muitos produtores que dependiam apenas da restauração sucumbiram, nós soubemos ler o momento. Em plena pandemia, aproveitámos para expandir: adquirimos a Caminhos Cruzados, no Dão, e a Quinta do Ortigão, na Bairrada. Já tínhamos a Quinta São José do Barrilário, desde 2015, e a Quinta Dona Adelaide, em Valpaços. Mais tarde, em 2022, comprámos duas propriedades no Alentejo: a pequena Herdade da Rocha, no Crato, e uma quinta de 100 hectares na Vidigueira, já equipada com tecnologia avançada.
Hoje, o Grupo está presente nas principais regiões vitivinícolas do país, sempre a unir vinho e turismo. E é essa escala que nos dá força: uma equipa central para exportações e reservas, a mesma capacidade de vender vinhos de várias regiões num único contentor, a mesma estratégia para levar turistas a diferentes quintas. Ainda esta manhã, um cliente brasileiro sublinhava a vantagem de trabalhar connosco exatamente por isso. É um modelo que exige muito trabalho e investimento, mas que se tem revelado vencedor.

A Quinta da Pacheca foi pioneira na produção e engarrafamento de vinho com marca própria no Douro. Hoje, a vossa gama abrange vinhos DOC de excelência, vinhos do Porto envelhecidos, edições especiais, e rótulos premiados internacionalmente. Como conciliam o respeito pela tradição vínica com a exigência contemporânea de inovação constante, sobretudo num contexto em que o consumidor valoriza tanto a autenticidade quanto a diferenciação?

Para nós, o vinho tem de ter história. Quando o vendemos, não oferecemos apenas uma garrafa — oferecemos alma, identidade e memória. Esse é o nosso ADN e algo que nunca poderemos perder. Mas, ao mesmo tempo, sabemos que o setor exige evolução e adaptação constante.
É por isso que, mantendo a tradição, procuramos também responder às novas tendências e ao que os consumidores de hoje valorizam, sobretudo os mais jovens, que preferem vinhos mais leves, com 12 ou 13 graus. Lembro-me, por exemplo, quando desafiei os nossos enólogos a produzir um rosé muito clarinho. Olharam para mim como se estivesse a propor algo impossível em Portugal, porque aqui simplesmente não se fazia. A minha resposta foi simples: se é isso que o mercado procura e se temos uvas com esse potencial, porque não? Fomos aprender com os franceses, que são referência nesse estilo, e conseguimos criar os nossos rosés, fiéis ao nosso território mas alinhados com as expectativas do consumidor.
Acredito que, se não inovarmos, corremos o risco de estagnar. E não queremos isso. Queremos crescer, explorar novos mercados, perceber as suas especificidades. Por exemplo, os países nórdicos dão grande importância à sustentabilidade e valorizam garrafas leves — e nós apresentamos a nossa de apenas 340 gramas. Já no mercado americano, a procura centra-se mais na tradição e na narrativa: rótulos com brasão, vinhos com história. Mas, em paralelo, também apreciam inovação e soluções sustentáveis. O segredo está em compreender cada mercado e adaptar a oferta, sem nunca perder a essência.
A nossa filosofia é essa: não ficamos fechados em Portugal, à espera. Estamos sempre atentos, sempre à procura, sempre dispostos a aprender e a abrir horizontes. Só assim conseguimos continuar a escrever a história da Pacheca, honrando a tradição mas sem medo de evoluir.

Sabemos que o terroir duriense é insubstituível, mas que as outras regiões onde estão presentes oferecem potencialidades singulares. Como definem a filosofia enológica do grupo?
Existe uma linha unificadora entre os vinhos do Dão, Bairrada, Alentejo e Trás os Montes, ou cada um afirma-se de forma absolutamente autónoma dentro da casa mãe Pacheca?

Cada um afirma-se de forma autónoma dentro do Grupo Pacheca, com enólogos dedicados a cada região, pois acreditamos que cada terroir exige o seu especialista. No Alentejo, por exemplo, trabalhamos com o Paulo Laureano, um enólogo de referência, detentor de uma sabedoria notável. Ele conhece profundamente as principais castas da região, como Antão Vaz, Alicante Bouschet e Syrah.
Na Caminhos Cruzados, temos a Carla Rodrigues, especialista na produção dos vinhos do Dão. Já no Douro, onde a produção é mais diversificada, contamos com três enólogos. O João Silva e Sousa é um grande especialista em vinhos do Porto; a Maria Serpa Pimentel, membro da família, trabalha connosco desde o início e foi professora de enologia na UTAD, trazendo um conhecimento profundo sobre o Douro e os seus vinhos; e temos ainda uma enóloga de Vila Real, responsável pelos blends, fundamentais dado que no Douro trabalhamos também com monocastas de Touriga Nacional, Tinta Roriz e Sousão.
Esta diversidade reforça a nossa convicção de que cada região deve ter o seu especialista. Tem sido esta a nossa estratégia, e é exatamente assim que queremos continuar.

O vosso posicionamento vincadamente premium implica uma abordagem meticulosa à qualidade — desde o trabalho nas vinhas até à apresentação final. Como trabalham atualmente a questão da diferenciação no mercado internacional, onde o vinho português é cada vez mais reconhecido, mas onde a concorrência é feroz e a narrativa de marca se torna essencial para criar valor?

A narrativa de marca é a Pacheca. A Pacheca funciona como a locomotiva de todas as outras marcas do grupo. Sempre que nos apresentamos internacionalmente – seja em França, nos Estados Unidos, no Brasil, na China ou na Noruega – é a Pacheca que predomina. Qualquer pessoa nos reconhece pela Pacheca, pelas barricas e pelo enoturismo. A Pacheca é, de facto, o elemento central da nossa identidade. Depois, esse prestígio facilita também o reconhecimento e a compra dos vinhos das outras quintas, precisamente por serem parte da Pacheca. Até há cerca de um ano, o nosso grupo não se chamava Grupo Pacheca; era o Grupo Terras e Terroir. Decidimos alterar o nome porque a marca Pacheca vende e transmite confiança – seja a quem compra os nossos vinhos, seja a quem nos visita. A Pacheca traz prestígio e credibilidade. Naturalmente, o nosso objetivo é continuar a fazer evoluir a marca Pacheca. Já estamos a planear o desenvolvimento da Pacheca Collection, abrangendo Dão, Alentejo e Trás-os-Montes.

A transformação da Pacheca num destino de enoturismo de referência começou com o Wine House Hotel, expandiu-se com os wine barrels — hoje ícones de design e experiência sensorial — e ganhou uma nova dimensão com a recente ala com spa, restaurante e piscina. Como idealizaram uma experiência onde dormir no meio das vinhas se tornasse uma metáfora do contacto com a terra?

Quando conseguimos reabrir após a pandemia, uma das grandes novidades foram os Wine Barrels, os quartos em forma de barrica. Depois da Covid-19, as pessoas sentiam uma enorme vontade de sair de casa e procuravam a natureza. Já não queriam viajar para hotéis fechados; queriam um espaço que lhes permitisse descansar e aproveitar o melhor que a natureza tem para oferecer. Tivemos um verdadeiro boom, sobretudo de clientes brasileiros e americanos, e o feedback foi extraordinário. Sem dúvida, os Wine Barrels foram um grande trunfo e continuam a sê-lo — ainda hoje recebemos elogios pelo facto de termos contribuído para que Portugal se destacasse na hotelaria graças a estes quartos inovadores.
Queríamos criar algo único em Portugal. Se o nosso objetivo era atrair turistas para o Douro, precisávamos de ser diferentes e inovadores. Eu viajo muito pelo mundo a promover vinhos e produtos portugueses e, durante essas viagens, percebi que férias não significavam simplesmente estar num hotel tradicional, com um quarto e uma sala de pequenos-almoços partilhada. Era necessário algo ligado à natureza, que permitisse às pessoas caminhar, viver a vinha e sentir a terra.
A ideia surgiu quando visitei uma quinta na Alemanha, onde algumas barricas eram usadas para alojar turistas, mas sem qualquer conforto. Pensei: “E se transformássemos uma barrica num hotel de cinco estrelas?” Foi a melhor decisão que tomei. Quando apresentei a ideia ao arquiteto, ele achou que eu vinha de Marte. Custou algum esforço, mas acabou por aceitar o desafio: transformar uma barrica num quarto de luxo, com todo o requinte, permitindo aos visitantes usufruir de todas as comodidades em perfeita harmonia com a natureza, as vinhas e a envolvência do espaço. Foi assim que nasceram os Wine Barrels — fruto da necessidade de inovar e de criar algo completamente diferente de tudo o que existia até então.

© Descendências/Vera Bondar
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Hoje em dia, o turista do vinho procura mais do que provas e visitas guiadas: procura hospitalidade, memória, sentido de pertença e valores. De que forma concebem a estadia na Pacheca como uma experiência transformadora, e como é que este conceito se tem vindo a refinar com a vossa experiência direta com milhares de visitantes de todo o mundo?

O turista que nos visita procura uma experiência única, algo que ainda não tenha vivido no universo do enoturismo. Por isso, inovamos todos os dias.
Inicialmente, começámos com piqueniques à beira-rio e no meio das vinhas, algo que na altura era ainda pouco comum no Douro. Estas experiências eram sempre muito personalizadas, cuidadosamente preparadas para que o visitante pudesse desfrutar de momentos verdadeiramente ricos e memoráveis. Mais tarde, passámos a organizar workshops de cozinha do Douro, convidando turistas de diferentes partes do mundo a aprender e a cozinhar receitas portuguesas sob a orientação dos nossos chefes. Criámos também experiências que permitem aos visitantes participar na vindima: apanham as uvas, pisam-nas, almoçam como se fossem da vinha — com sardinha, sopa de cebola e pratos típicos. São momentos simples, mas transmitidos com tanta paixão que se tornam experiências únicas, deixando todos os participantes extremamente felizes.
A cada ano continuamos a inovar. No ano passado, por exemplo, adquirimos um catamarã, o Pacheca River, onde os visitantes podem navegar pelo Douro durante duas horas. Os nossos turistas vivem experiências inesquecíveis e saem daqui apaixonados. Esse é exatamente o nosso objetivo: garantir que cada visitante leva consigo a nossa marca no coração, com memórias únicas que perduram.

Muito se fala de sustentabilidade ambiental, mas a sustentabilidade humana — aquela que se traduz em relações duradouras, emprego com dignidade, valorização das comunidades locais — é muitas vezes negligenciada. Na vossa experiência enquanto líderes da Quinta da Pacheca, como têm procurado cultivar esse vínculo com o território, não só através da contratação local, mas também através da valorização da cultura, da gastronomia, da memória e do saber das gentes do Douro?

Um dos grandes desafios é encontrar bons profissionais que realmente gostem do que fazem, que apreciem o Douro e que queiram trabalhar neste território. Desde o início, procurámos mostrar que trabalhar no Pacheca Group é trabalhar com paixão. Claro que todos trabalham para receber um salário, mas a nossa cultura vai muito além disso. Somos uma equipa que se apoia mutuamente e que ama o que faz. É fundamental que cada colaborador partilhe essa paixão, vendo nos proprietários o exemplo: o nosso orgulho no trabalho, a atenção constante aos detalhes, acaba por inspirar toda a equipa.
Reter talentos no mundo de hoje é um desafio. Nós conseguimos fazê-lo através de formação contínua, de novos desafios e de um sistema de promoção interna que reconhece o mérito. Por exemplo, quando abrimos o Barrilário, promovemos o Tiago, que começou na receção da Pacheca. Depois de receber formação, tornou-se diretor do hotel do Barrilário. O Luís chegou como bagageiro, mas, graças ao seu excelente poder de comunicação, tornou-se hoje o nosso responsável de Relações Públicas. Sempre que possível, incentivamos a promoção interna, mostrando aos nossos colaboradores que aqui podem crescer profissionalmente.
Além disso, valorizamos profundamente as famílias. Muitos casais trabalham connosco — uns na Pacheca, outros no Barrilário — e já temos, inclusive, filhos e pais a integrar a nossa equipa. Esta é, de facto, a nossa forma de ser: criar um ambiente de trabalho pautado pela paixão, pelo crescimento e pelo sentido de família.

Construir um grupo com presença em múltiplas regiões vitivinícolas portuguesas, cada uma com características, ritmos e culturas muito próprias, exige uma gestão quase coreográfica entre tradição, inovação e coerência. Como estruturam essa “sinfonia regional”? Que valores unem as diferentes quintas, e como mantêm a autenticidade de cada uma sem diluir a força da marca-mãe Pacheca?

Procuramos que a Pacheca não se sobreponha todas as outras marcas. Valorizamos profundamente cada projeto, respeitando a sua região, o seu terroir, a sua história e os seus colaboradores, que vivem intensamente cada iniciativa. Por exemplo, os colaboradores do Douro cresceram a participar nas vindimas com os pais e avós; no Dão acontece o mesmo. Cada região tem o seu terroir, a sua abordagem e as suas castas, e por isso preservamos cuidadosamente estas identidades únicas.
O Grupo Pacheca tem, naturalmente, um ADN comum: respeito pela natureza e pelas pessoas, excelência em tudo o que faz e o espírito do “bem receber”. Além disso, a qualidade dos vinhos é imprescindível para nós. Se vendemos um vinho a 15 euros, este deve valer exatamente esse preço. Não podemos decepcionar o consumidor, seja com um vinho do Douro ou do Dão. A qualidade é uma regra que se aplica a todas as marcas, produtos e serviços que oferecemos. Tudo tem de corresponder ao valor cobrado. Se pedimos mais do que aquilo que entregamos, estamos a comprometer o nosso negócio. O preço tem de ser justo, e aquilo que, à primeira vista, possa parecer mais caro deve ser plenamente justificado pela experiência e pelo serviço. Cada cliente deve sair daqui com a sensação de que o valor investido valeu cada cêntimo.

Num país marcado por projetos familiares ou regionalizados, a vossa visão de grupo tem algo de pioneiro, quase federativo. O Pacheca Group pode vir a ser o embrião de uma nova forma de organização no setor vitivinícola português? Ambicionam inspirar outros produtores a unir forças e pensar em escala nacional, ou preferem manter o vosso caminho singular?

Preferimos manter o nosso caminho singular. Claro que trocamos experiências com outros produtores e reconhecemos que alguns já trilham caminhos semelhantes ao nosso. Vemos também novos talentos a chegar ao Dão e ao Douro, assim como outros a explorarem os Vinhos Verdes, uma região onde ainda não estamos, mas à qual olhamos com grande interesse. O nosso objetivo é continuar a expandir o Grupo Pacheca, mas sempre com responsabilidade, mantendo a nossa identidade, a nossa qualidade e o respeito pelo terroir que define cada região.

Com o mercado do turismo de luxo cada vez mais atento à personalização, exclusividade e autenticidade, como pretendem posicionar-se enquanto grupo? Planeiam desenvolver produtos e experiências tailored, adaptadas a nichos como o turismo de bem-estar, turismo ecológico ou o turismo sensorial?

Sim, é exatamente por aí que seguiremos. Como referi, a inovação é uma constante dentro do nosso grupo. No Alentejo, por exemplo, vamos criar um eco-resort totalmente distinto da Quinta da Pacheca, focado no turismo de natureza e na experiência autêntica do local. O nosso objetivo é ter, dentro do grupo, projetos complementares que ofereçam diferentes experiências, mas sempre únicas e memoráveis. Os turistas que visitam Portugal procuram autenticidade e simplicidade, e é exatamente isso que queremos proporcionar: experiências simples, mas com requinte e cuidado, que deixem uma marca duradoura. É esse o caminho que queremos continuar a trilhar.

Estão a incorporar soluções tecnológicas — como agricultura de precisão, automação, monitorização climática ou plataformas digitais — que permitam maior eficiência na produção, na experiência turística e na gestão dos recursos naturais? Como equilibram o avanço tecnológico com o desejo de manter a autenticidade e o espírito da terra?

Sim, estamos a investir fortemente em automação em toda a área de produção. Neste momento, temos em mãos um grande projeto na área do engarrafamento de vinhos: vamos substituir a nossa máquina atual, que produz 3.500 garrafas por hora, por uma nova capacidade de 5.000 garrafas por hora. É um passo importante para otimizar processos e acompanhar as exigências do mercado.
No entanto, há algo que não pode ser automatizado: o turismo. O turismo precisa de ter alma, precisa de ser vivido com as pessoas. Enquanto nas vinhas podemos e devemos recorrer às novas tecnologias, no turismo o que importa é manter a tradição, o calor humano e a transmissão da nossa história. Os visitantes procuram experiências que toquem, que envolvam, e isso só se consegue através do contacto direto com as pessoas, com quem lhes conta e partilha cada detalhe do nosso mundo.

O setor agrícola e o setor do turismo, em particular o hoteleiro, enfrentam hoje desafios estruturais que colocam à prova a resiliência de qualquer organização: desde a escassez crescente de mão-de-obra qualificada, passando pela sazonalidade do emprego e da procura turística, até à necessidade urgente de adaptação às alterações climáticas, que afetam diretamente a produção agrícola, os padrões de consumo e a própria experiência do visitante. Como está o Pacheca Group a preparar-se estrategicamente para enfrentar estes desafios de forma integrada, garantindo não apenas a continuidade e a competitividade do negócio, mas também a sua sustentabilidade social, ambiental e económica a longo prazo?

Uma das nossas estratégias mais importantes é garantir estabilidade à nossa equipa, mesmo durante a época baixa. Não despedimos ninguém; todos os colaboradores do nosso quadro mantêm-se connosco durante todo o ano. Não recorremos a contratos sazonais — na Quinta da Pacheca, as pessoas não vêm trabalhar só três ou seis meses. Elas sabem que fazem parte da nossa família e que, mesmo no inverno, continuam a integrar a equipa.
Obviamente, durante os meses mais calmos, o ritmo de trabalho diminui e recuperam as horas extra que deram no verão. No período alto, há colaboradores que trabalham 12 horas por dia e têm apenas um dia de descanso, para conseguirmos atender todos os visitantes. Durante o inverno, essas horas são compensadas, permitindo que usufruam de um ritmo mais tranquilo.
Este é um dos nossos segredos: investimos na estabilidade da nossa equipa, mesmo sabendo que há desafios económicos. Mantendo as mesmas pessoas durante o ano, evitamos a necessidade de recrutar e formar constantemente novos colaboradores. Isso garante também segurança e confiança aos nossos trabalhadores, que sabem que ao entrar para a Pacheca têm um emprego sólido e fazem parte do quadro permanente da empresa. Claro que existem situações pontuais, como as vindimas, em que precisamos de reforço temporário. Nestes casos, contratamos empresas especializadas, trazendo cerca de 20 pessoas por dia, remuneradas conforme os dias de trabalho, garantindo que tudo corre de forma organizada e eficiente.

Muitas vezes, no frenesim dos negócios, perde-se o sentido do porquê. Mas na Pacheca sente-se o contrário: parece que o “porquê” está sempre presente. O que vos move verdadeiramente? Quando tudo parece difícil, o que vos relembra que vale a pena continuar, investir, acreditar, cuidar?

É óbvio que o cuidado é a base de tudo. Não faz sentido querer crescer ou desenvolver novos projetos se não cuidarmos do que já conquistámos. Esta é a nossa regra número um: primeiro preservamos e valorizamos o que temos, e só depois avançamos para novas oportunidades. O mesmo se aplica à nossa equipa. Primeiro cuidamos dos nossos colaboradores, damos-lhes estabilidade, formação e reconhecimento, e só depois procuramos reforços se for necessário.
Temos vários projetos em preparação — um Centro de Congressos à porta da Quinta da Pacheca, a construção de mais 40 quartos, a expansão para os Vinhos Verdes e a procura de uma nova quinta. Tudo isso é extremamente importante para o crescimento do grupo, mas nunca pode acontecer à custa do que já construímos. Preservar e cuidar do que temos é sempre o primeiro passo; só depois podemos evoluir com confiança e responsabilidade.

© Descendências/Vera Bondar
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O que é o sucesso para a Maria do Céu? É uma distinção internacional? Um hóspede que volta com os olhos marejados de emoção? Um vinho servido num restaurante em Tóquio? Um colaborador que se sente em casa? Como medem — ou sentem — que estão no caminho certo?

O verdadeiro sucesso começa pelos nossos colaboradores. Aquele colaborador que se sente em casa, que vive o grupo como se fosse a sua própria empresa, a do pai ou do irmão. Para mim, é desse compromisso e dessa paixão que nasce tudo o resto.
Claro que há outros sinais de sucesso: ver o nosso vinho servido num restaurante em Tóquio ou receber clientes que saem daqui completamente encantados com a experiência que viveram. Mas nada disso seria possível sem uma equipa unida e dedicada. Como gosto de dizer, os nossos primeiros embaixadores são os nossos próprios colaboradores. É a paixão deles pelo projeto que transforma cada visita numa experiência memorável.
O sucesso, no fundo, é a soma de colaboradores inspirados, clientes apaixonados e o amor que todos partilhamos por este projeto.

O vosso percurso é também uma história de visão empreendedora e de coragem em tempos incertos. Que conselho daria a quem hoje olha para o setor do vinho, do turismo ou da sustentabilidade e sonha em fazer diferente, como vocês fizeram há mais de uma década?

Apostar em Portugal, apostar nas nossas regiões e no interior do país. Temos tantas pérolas escondidas que merecem ser valorizadas. Mas é preciso fazê-lo com paixão, amor à camisola e muito esforço. Não chega dizer que vamos investir – é necessário dedicação total e compromisso pessoal.
Esse seria o meu conselho: se decidires investir, entrega-te de corpo e alma, porque os resultados acabam por aparecer. Pessoalmente, sei que se tivesse continuado em França, numa empresa onde já faturávamos 60 milhões de euros, teria permanecido na minha zona de conforto. Mas esse conforto nunca teria permitido que este projeto crescesse nem que o Pacheca Group se desenvolvesse da forma extraordinária como aconteceu.

Estamos a falar de vinhos, de turismo, de sustentabilidade — mas, no fundo, estamos a falar de legado. Não apenas um legado empresarial ou agrícola, mas humano, emocional, quase invisível. O que deseja deixar ao mundo? Se um dia alguém caminhar pela vossa Quinta sem vos conhecer, que marca invisível gostaria que essa pessoa sentisse no ar, no silêncio, nos gestos de quem ali trabalha?

Que cada pessoa que nos visite se sinta verdadeiramente em casa, como nós nos sentimos todos os dias aqui. Que sinta o conforto, a serenidade, que respire este ar e se deixe envolver pelas vinhas cuidadosamente cultivadas que são o nosso orgulho. O meu desejo é manter viva esta história, continuar a partilhá-la com paixão, mas, acima de tudo, que cada cliente saia daqui com algo que leve no coração – uma lembrança de autenticidade, dedicação e emoção que só este lugar consegue oferecer.

Depois de tudo o que fizeram, conquistaram e sonharam, se hoje pudessem revisitar a vossa primeira visita à Quinta da Pacheca, que palavras diriam a essa versão de vocês mesmos? Que conselho, aviso ou promessa fariam?

Prometer que nunca mais encontraremos vinhas por cuidar, que nunca mais haverá vinhos que o consumidor não valorize. Prometer que cada colaborador se sinta motivado e inspirado a ficar, que faça parte desta história com paixão. Prometer continuar a crescer e a desenvolver o nosso grupo, sempre com a consciência de preservar o que já conquistámos, porque chegar até aqui não foi fácil e cada passo teve o seu preço.

© Descendências/Vera Bondar

1 Comentário

  • Fortunato Manuel Gonçalves Rodrigues
    3 meses ago Publicar uma Resposta

    Eu Fortunato Manuel Gonçalves Rodrigues
    Estive em França
    E servi vezes sem conta
    Esta bela senhora
    Embaixatriz de orleans
    E digo com muito orgulho
    Nunca conheci ser humano de tamanha bondade para com o proximo,sempre me tratou
    Muito bem, e sem olhar que era um simples empregado de mesa
    Um beijinho muito grande
    A senhora D.Maria Do Céu.

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