Nathalie Afonso

© Philippe Martins

Nathalie Afonso é uma artista plástica lusodescendente, nascida em Vichy, França, filha de pais portugueses — o pai natural de Almeida e a mãe da Póvoa de Varzim. Desde os anos 70, vive na região parisiense, onde construiu uma carreira artística marcada pela diversidade de técnicas e pela celebração da cultura portuguesa. Formada pela prestigiada École Boulle em Paris, especializada em artes aplicadas, arquitetura de interiores e design, Nathalie desenvolveu um percurso eclético que inclui experiências profissionais em Portugal, Itália, Canadá e Estados Unidos. A sua obra abrange pintura, escultura e conceção de mobiliário, estando representada em coleções particulares e oficiais, incluindo instituições como a Mairie de Paris, a Marie de Créteil e a Mairie de Villeneuve St Georges, onde uma das suas esculturas ocupa uma rotunda junto ao hospital. Nathalie é conhecida pela sua profunda ligação à cultura lusitana, frequentemente retratada nas suas exposições. Em outubro de 2022, Nathalie Afonso foi distinguida com a Medalha de Vermeil pela Academia Francesa das Artes, Ciências e Letras, uma honra concedida a personalidades que se destacam nos campos artístico, literário e científico.

Como nasceu a sua paixão pela arquitetura?

A minha paixão pela arquitetura nasceu muito cedo, ainda criança, quando observava as construções antigas da minha terra. Ficava fascinada pela forma como os espaços podiam contar histórias, como cada linha e cada volume tinham um propósito. A arquitetura ensinou-me a ver o mundo de forma estruturada, a compreender que a beleza e a funcionalidade podem caminhar juntas. Foi esta base sólida que mais tarde me permitiu explorar outras formas de expressão artística.

É verdade que as artes plásticas surgiram para pagar as contas?

Sim (risos), confesso que no início foi uma necessidade prática. A arquitetura nem sempre garantia a estabilidade financeira que precisava, e a pintura tornou-se uma forma de complementar os rendimentos. Mas o que começou como uma solução económica rapidamente se transformou numa verdadeira paixão. Descobri que através da tela podia expressar emoções e visões que a arquitetura, por vezes, não me permitia. Foi uma das melhores “necessidades” da minha vida!

Qual é a sua maior paixão? A arquitetura ou a pintura?

É como perguntar a uma mãe qual é o filho preferido! Ambas se complementam de forma extraordinária. A arquitetura deu-me disciplina, rigor técnico e a compreensão do espaço. A pintura trouxe-me liberdade, cor e a possibilidade de capturar a alma das coisas. Hoje não consigo imaginar uma sem a outra. São duas linguagens diferentes para expressar a mesma sensibilidade artística.

© Philippe Martins
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Quais foram as suas maiores influências nas artes?

As minhas influências são muito diversas. Nos mestres clássicos, admiro profundamente Velázquez pela sua técnica impecável e Caravaggio pelo uso dramático da luz. Em Portugal, sinto-me muito ligada a Columbano Bordalo Pinheiro e José Malhoa pela forma como retrataram a nossa identidade. Mas também me inspiro no quotidiano – um rosto numa tasca, a luz dourada sobre os campos do Ribatejo, as mãos calejadas de um pescador.
A vida é a minha maior escola.

É visível em toda a sua obra a influência e o retrato de Portugal. É uma missão de perpetuar em tela as tradições, paisagens e pessoas portuguesas?

Absolutamente. Sinto uma responsabilidade profunda em preservar e celebrar a nossa identidade cultural. Portugal tem uma riqueza humana e paisagística única que merece ser eternizada. Cada ruga num rosto de um idoso conta a história do nosso país, cada paisagem reflete a nossa alma coletiva. Não é apenas pintura, é um ato de amor à nossa terra e às nossas gentes. Quero que as futuras gerações vejam nas minhas telas quem fomos e quem somos.

Como é o seu processo de pintura e escultura?

O meu processo começa sempre com a observação. Passo muito tempo a estudar o motivo, seja uma paisagem, um rosto ou uma cena do quotidiano. Faço esboços, anoto as variações de luz, sinto o ambiente. Na pintura, trabalho por camadas, construindo gradualmente a profundidade e a textura. Na escultura, é um diálogo constante com o material – cada golpe de cinzel revela algo novo. Ambos os processos exigem paciência e respeito pelo tempo da obra.

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Para além de pintar também ensina. Nos seus 3 ateliers como se desenrola o processo de aprendizagem?

Cada atelier tem a sua personalidade própria. Acredito que ensinar arte é despertar o que já existe dentro de cada pessoa. Não imponho um estilo, mas ajudo cada aluno a encontrar a sua própria voz. Começamos sempre pelos fundamentos – desenho, composição, cor – mas rapidamente passamos à expressão pessoal. O ambiente é de partilha e descoberta mútua. Muitas vezes aprendo tanto com os meus alunos como eles comigo.

Conte-nos o que é o projeto que tem com alunos autistas. Como tem sido essa experiência?

Este projeto é uma das experiências mais enriquecedoras da minha vida. Trabalhar com jovens autistas mostrou-me uma forma completamente nova de ver a arte. Eles têm uma sensibilidade e uma autenticidade únicas, sem filtros ou preconceitos. A arte torna-se para eles uma linguagem pura de comunicação. Ver os seus progressos, a forma como se expressam através da cor e da forma, é profundamente emocionante. Eles ensinam-me todos os dias sobre a verdadeira essência da criação artística.

Projetos e exposições para o resto de 2025 e para 2026. O que nos pode revelar?

Tenho vários projetos emocionantes em preparação. Para o final de 2025, estou a trabalhar numa série dedicada aos ofícios tradicionais portugueses – uma homenagem aos nossos artesãos. Para 2026, planeio uma grande exposição itinerante que percorrerá várias cidades portuguesas, levando a arte a quem nem sempre tem acesso a ela. Também estou a desenvolver um livro que combina as minhas obras com reflexões sobre o processo criativo. E, claro, continuarei o trabalho com os jovens autistas, que pretendo expandir.

Uma mensagem para todos os artistas do mundo.

A todos os artistas do mundo, deixo esta mensagem: nunca desistam da vossa verdade. A arte é uma das linguagens mais poderosas da humanidade, capaz de unir culturas, despertar consciências e tocar corações. Num mundo cada vez mais digital e
acelerado, a vossa sensibilidade é mais necessária do que nunca. Pintem, esculpam, criem com coragem e autenticidade. Lembrem-se que cada obra é um legado para as futuras gerações. A arte não é um luxo, é uma necessidade da alma humana. Continuem a sonhar e a fazer sonhar os outros.

© Philippe Martins

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