Lusodescendentes do Oriente
A herança que Portugal esquece

Portugal gosta de definir-se como um país de pontes e de comunidades, mas tem falhado em apoiar quem, no Oriente, mantém viva a herança portuguesa. Em Malaca, Goa ou no Sri Lanka, sobrevivem comunidades lusodescendentes que continuam a celebrar tradições, danças, cantos e até fragmentos da língua portuguesa. No entanto, essas manifestações têm persistido com pouco ou nenhum apoio do Estado português.
O ex-secretário de Estado das Comunidades, José Cesário, admitiu recentemente que “Portugal não tem feito praticamente nada na relação com algumas comunidades de lusodescendentes da Ásia” e que “não há uma continuidade de trabalho” nessa área (Observador, 29/08/2024). A constatação é séria: as pontes culturais, linguísticas e diplomáticas entre Portugal e essas comunidades foram negligenciadas durante décadas e ainda são.
Alguns movimentos surgem de baixo para cima. Em Díli, foi dado um passo que deveria embaraçar o Governo Português, a criação da Associação das Comunidades Luso-Asiáticas (APCA), aprovada este ano, que representa um esforço de união das várias comunidades lusodescendentes da Ásia (Malásia, Myanmar, Sri Lanka, Tailândia, Goa, Indonésia, Macau e Timor-Leste) para partilhar experiências e exigir reconhecimento (O Diligente, 29/06/2025). Mas a força associativa, não substitui a ausência de políticas públicas coerentes.
O caso do Sri Lanka é talvez um bom exemplo. Como recorda Fernando Santos Pessoa no Sul Informação (01/01/2024), a presença portuguesa, deixou marcas profundas: fortalezas, léxico, nomes e tradições religiosas. “Existe uma comunidade que se orgulha da herança portuguesa, que canta, dança e festeja essas suas tradições.” Contudo, “Portugal não tem relações diplomáticas com o Sri Lanka, senão uma cônsul honorária que não sabe uma palavra de português.” O autor conclui sem rodeios: “É uma lacuna imperdoável.”. Enquanto os Países Baixos investem em museus e programas de conservação da sua presença histórica, Portugal “nunca lá investiu um escudo”. O contraste é doloroso, revelando um país que valoriza o passado marítimo, mas ignora os rostos vivos que ainda o testemunham.
Reconhecer e apoiar estas comunidades não é só nostalgia colonial, é uma responsabilidade cultural e humana, é um investimento no futuro, na criação de pontes, oportunidades de crescimento e restabelecimento de laços. O Oriente lusodescendente pede apenas presença, diálogo e continuidade. Se Portugal continuar a descurar estas comunidades, perderá mais do que laços diplomáticos: perderá parte da sua própria memória.



