Comunidade portuguesa em França
Redescobrir a importância da união e solidariedade

A emigração “a salto” (que implicava ultrapassar não apenas fronteiras, mas também obstáculos legais impostos pelo regime, que não queria perder mão de obra nem homens tendo em conta a guerra nas colónias) para França durante o período do Estado Novo em Portugal (1933-1974) constitui um capítulo significativo na história das migrações portuguesas. Sob um regime autoritário que impôs censura e repressão, muitos cidadãos viam na emigração não apenas uma oportunidade económica, mas uma fuga da opressão política e social.
O Estado Novo, apesar da sua propaganda oficial que alardeava a estabilidade, ocultava um cenário de desigualdade e miséria. O trabalho agrícola era escasso e as políticas urbanas não favoreciam o desenvolvimento das classes mais pobres, levando muitos a considerar a emigração como única solução. França, com a sua crescente demanda por mão de obra na reconstrução pós-guerra, tornava-se um destino atrativo. Os emigrantes muitas vezes organizavam-se em grupos, reunindo recursos e informações para atravessar as fronteiras sem serem detetados. Muitas das rotas utilizadas eram perigosas e envolviam travessias ilegais, as passagens eram adquiridas por preços exorbitantes, e os viajantes enfrentavam não só os riscos físicos, mas também a questão da identificação, expondo-se a detenções e deportações. No entanto, no meio desses desafios, prevalecia um forte espírito de união entre os emigrantes. As comunidades que se formaram em terras francesas eram notórias pela sua solidariedade e apoio mútuo. As associações de emigrantes, muitas vezes baseadas em laços regionais ou familiares, proporcionavam uma rede de segurança essencial. Esses grupos organizavam eventos, ajudavam na inserção no mercado de trabalho e ofereciam assistência nas dificuldades da adaptação a uma nova cultura.
A partilha de experiências e desafios fortaleceu os laços entre os emigrantes, criando um senso de identidade coletiva. O sentimento de pertença a uma comunidade tornava-se ainda mais forte diante da adversidade, promovendo a preservação das tradições portuguesas e contribuindo para o enriquecimento cultural da sociedade francesa. A solidariedade entre os emigrantes não apenas facilitou a adaptação a um novo país, mas também ajudou a construir uma rede de apoio essencial para enfrentar os desafios da vida no exílio.
Em contraste com a fértil solidariedade da década de 60, a atual comunidade portuguesa em França apresenta uma realidade diferente. Embora existam empresários bem-sucedidos e iniciativas isoladas, em muitos casos, um espírito mais individualista parece ter predominado. Em vários momentos, tem-se verificado uma falta de mobilização conjunta para causas que beneficiariam a comunidade em geral. Um exemplo disso é a dificuldade em conseguir apoio para campanhas de solidariedade, como a da Santa Casa da Misericórdia de Paris, que atualmente enfrenta desafios financeiros significativos. Em vez de se unirem para garantir a continuidade de uma instituição que tem estado ao serviço da comunidade portuguesa durante décadas, muitos empresários optam por caminhadas isoladas, focando-se apenas no seu sucesso pessoal. Esse comportamento reflete uma mudança nas dinâmicas sociais e na perceção da identidade comunitária, onde o individualismo prevalece sobre o coletivo. A perda da identidade comunitária pode significar que os valores que antes uniam os emigrantes estão a desaparecer, ou senão já não existem mesmo. A celebração de tradições culturais, a partilha de experiências e o apoio mútuo são fundamentais para a preservação da identidade cultural portuguesa em França. É crucial que a comunidade portuguesa em França redescubra a importância da união e da solidariedade. A formação de alianças entre empresários, a promoção de iniciativas conjuntas e o apoio a instituições que servem a comunidade, não são apenas benéficos para a coesão social, mas também essenciais para garantir que a herança cultural portuguesa continue a florescer no futuro. A aliança e o apoio mútuo que foram fundamentais para os emigrantes portugueses nos anos 60 precisam ser revitalizados. Apenas através da união será possível enfrentar os desafios contemporâneos e preservar não apenas a cultura, mas também o bem-estar e os direitos da comunidade portuguesa em França.