Programas de incentivo do Estado português – Miragem?

Multiplicam-se, em Portugal, programas de incentivo com propósitos diversos e promessas generosas, mobilizando verbas públicas significativas sob o desígnio de “estimular a economia”. À primeira vista, o quadro é sedutor: comparticipações a fundo perdido, taxas bonificadas, majorações por objetivos, um léxico de oportunidade que parece alinhar vontades e resultados. Mas, ao escrutinar o percurso real de um promotor desde a candidatura até ao recebimento efetivo dos fundos, a miragem revela-se: O estado absorve a maior parte dos incentivos apesar ser o setor privado a transformar melhor cada euro investido, ao passo que o Estado, através de organismos frequentemente sobrecarregados, altera prazos, reescreve avisos e atrasa pagamentos que eram, no papel, previsíveis.

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O empresário que entra neste circuito depressa percebe que o apoio técnico é irregular e que os mecanismos de decisão carecem de cadência. O calendário administrativo não se confunde com o calendário de tesouraria: um investimento tem fornecedores, salários, rendas e dívidas que vencem religiosamente; já as dotações públicas, prometidas para fases determinadas, escorregam meses — por vezes quase um ano — sem que tal implique consequências simétricas para quem falha. Ora, o fluxo de caixa não tolera metafísica. Quando o dinheiro não entra, a empresa financia-se, adia outras decisões, paga mais por crédito e carrega o custo reputacional de um projeto que aparenta não cumprir metas que, na verdade, dependem de terceiros. O resultado é perverso: um incentivo concebido para acelerar a execução passa a fator de risco financeiro e operacional.

A instabilidade normativa acrescenta entropia. Critérios de elegibilidade retocados, prazos reprogramados, grelhas de pontuação reponderadas no decurso do jogo corroem a previsibilidade — ativo crítico de qualquer decisão de investimento — e criam custos ocultos: consultoria extra, reformulação de planos, recontratação de equipas e, não raro, conflitos com parceiros cuja disponibilidade não é elástica. A isto soma-se uma máquina pública com défice de recursos humanos qualificados, sujeita a greves, rotação e desmotivação. Falta quem esclareça em tempo útil, quem licencie com pragmatismo, quem fiscalize sem paralisar, quem autorize sem labirintos, quem pague sem labirintite.

Importa, por isso, ajustar expectativas. O selo “financiado pelo Estado” não esteriliza riscos; pelo contrário, introduz camadas adicionais — risco de pagamento, risco regulatório, risco de execução numa interface público-privada complexa, risco reputacional se o projeto for reavaliado à luz de critérios mutantes. O investidor prudente modeliza cenários adversos, admite que o “cliente Estado” tem ritmos próprios e protege a liquidez com almofadas adequadas. Estrutura o plano como se o incentivo fosse um bónus contingente, e não o pilar do modelo financeiro. Negocia marcos objetivos com contrapartidas por atraso, documenta a todo o momento, exige mecanismos de garantia quando possível e preserva margens para absorver derivas temporais inevitáveis.

Os incentivos podem, ainda assim, ser valiosos. Há projetos que, sem essa alavanca, tardariam a sair do papel. Mas convém recusar a ingenuidade: o Estado não é um financiador privado com relógio suíço, e a sua natureza burocrática, por mais bem-intencionada, é fonte de fricção. Entre a promessa e a execução, medeia um terreno onde sobrevivem os planos robustos, preparados para incerteza e dotados de disciplina financeira. Vistos assim — como complemento e não como tábua de salvação —, os programas deixam de ser miragem e podem tornar-se numa vantagem competitiva real.

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