Brexit: entre Acordos como fica a Proteção Social?

A saga da saída do Reino Unido (RU) da União Europeia (UE) chegou ao fim com a entrada em vigor em 1 de Fevereiro de 2020, do Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica (AS), no âmbito do qual foi definido um período de transição até 31 de dezembro de 2020 (Período de Transição). Findo o Período de Transição, a relação entre o RU e a UE passou a regular-se pelo Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro (ACC). Enquanto Estado Membro (EM) da UE a proteção social das pessoas singulares que trabalhavam no RU ou que se encontravam destacadas em EM da EU, sendo provenientes do RU, estava regulada no âmbito dos Regulamentos (CE) n.ºs 883/2004 e 987/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho (Regulamentos). Aqui chegados, há que saber qual é o impacto do Brexit ao nível da Segurança Social, sendo certo que garantir a estabilidade do regime de proteção social é essencial para assegurar a mobilidade dos trabalhadores e a globalização das relações de trabalho. O regime difere consoante, à data do termo do Período de Transição, os cidadãos da UE e do RU, estavam ou não abrangidos pelo AS: (i) se estavam continuarão a ser-lhes aplicados os Regulamentos; (ii) se não estavam, verão a sua situação, no que à proteção social respeita, ser regulada pelo ACC. Para este efeito, considera-se que estão abrangidos pelo AS: (i) cidadãos da UE que estejam sujeitos à legislação do RU e vice-versa (um português que reside e trabalha no RU ou vice-versa); (ii) cidadãos da EU que residam no RU e estejam sujeitos à legislação de um EM e vice-versa (podem ser exemplo trabalhadores transfronteiriços); (iii) trabalhadores destacados; (iv) apátridas e refugiados com residência legal na EU ou no RU; (v)os nacionais de países terceiros em determinadas circunstâncias. A aplicação dos Regulamentos a estes cidadãos tem um impacto significativo em termos de proteção social pois que os direitos já atribuídos de acordo com a legislação do RU ou de um EM manter-se-ão na esfera jurídica do beneficiário, assim como as respetivas obrigações.

A título de exemplo:(i) totalização dos períodos contributivos (para o cômputo do período mínimo de garantia de uma determinada prestação serão considerados os períodos de garantia quer no EM, quer no RU; (ii) manutenção do pagamento da prestação de desemprego por via da exportação da prestação, a qual segue a legislação europeia em vigor a 31 de dezembro de 2020, independentemente de a situação constitutiva se verificar no RU ou num EM; (iii) nas situações de destacamento para o RU, cujo termo seja posterior a 1 de janeiro de 2021, continuar-se-á a aplicar a legislação europeia em vigor a 31 de dezembro de 2020, mesmo em caso de prorrogação do destacamento. Diferentemente, o ACC, na vertente de que aqui se cuida, visa acautelar a proteção social dos cidadãos não abrangidos pelo AS. Assim, matérias como a assistência social e médica e as prestações familiares, passarão a ser analisadas à luz da coordenação bilateral entre os Estados envolvidos, o que pode significar para os trabalhadores e/ou beneficiários, um maior risco, por ficar a decisão de concessão de tais apoios nas mãos do acordo bilateral dos Estados. Igualmente, deixa de ser possível exportar prestações por invalidez e por desemprego sem o deferimento expresso da instituição de Segurança Social competente, prevendo-se dificuldades na concessão destas prestações nas situações transnacionais. No entanto e em sentido positivo para os beneficiários, aceitou-se a totalização dos períodos de garantia. Também quanto aos destacamentos, se optou por uma aproximação dos regimes, na duração prevista do destacamento (máximo de 24 meses) no motivo e na sujeição à legislação do Estado de origem, residindo a diferença na possibilidade de derrogação das regras gerais em matéria de Segurança Social por parte de um EM. Numa lógica de internacionalização do trabalho, esta disposição colide com uma rápida e eficiente coordenação entre sistemas de Segurança Social. Pese embora os EM tendam a aceitar as disposições do ACC, as condições para essa aceitação podem revestir-se de enormes entraves burocráticos, o que dificultará as situações de futuros destacamentos.

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