A tempestade perfeita

A atividade económica de construção, tem um ciclo longo. Entre a decisão de avançar com um empreendimento imobiliário e a sua venda podem passar-se 10 anos, é por isso uma atividade que exige muitos recursos financeiros, mão de obra, materiais e muita fé nas condições de mercado existentes na fase final do projeto. Portugal já teve uma época de ouro na construção de habitação nova, e não há tantas décadas quando isso. Nessa altura os privados construíam muito, o Estado também dava a sua ajuda, mas concentrava-se essencialmente nas obras públicas. Nessa década de ouro, a moda do número de casas novas chegou aos 175.000 e foi sempre acima das 100.000 casas.
Para termos uma ideia, nos últimos 8 anos o maior número de casas que se construíram num ano foi de 25.000.
Esta situação explica-se muito pelo impacto da intervenção da Troika e do COVID, que retirou poder de compra à classe média portuguesa, tendo mesmo o Estado deixado de realizar investimento público. Quem não se lembra o anúncio do “Enorme aumento de impostos” em 2022. Estes níveis de receitas nunca baixaram até hoje, havendo sim uma sucessiva diminuição dos impostos diretos e um aumento sucessivo dos impostos indiretos o que cria uma aparente sensação de que os impostos diminuem, mas, no entanto, a receita é cada vez maior. Os portugueses têm visto de forma irremediável o seu poder de compra diminuir, e as entidades públicas têm feito de tudo para tornar difícil o acesso ao crédito bancário, com o aumento do imposto de selo e impondo condições restritivas no seu acesso. Por outro lado, os aumentos das taxas de juros tornam praticamente impossível comprar-se hoje uma casa com o recurso ao crédito bancário. Mas o Estado ainda não está satisfeito com isso, estudando neste momento o aumento muito significativo do IMI, que afetará de forma irremediável a aquisição de habitação nova. O mercado habitacional está sujeito às mesmas regras que os outros setores, está, portanto, sujeito à Lei da oferta e da procura, sendo o número casas novas escassas no mercado é natural que os seus preços aumentem cada vez mais.

Se bem se recordam, a Troika provocou uma paragem abrupta no sector da construção, levando milhares de técnicos desta área a sair do país o que provocou o aumento significativo do custo da mão de obra em Portugal, ora este facto a juntar ao preço da energia, que não tem parado de subir, e à subida exponencial do custos dos materiais explica em grande parte a subida de preços das habitações novas e a escassez de habitações para venda no mercado, o que faz com que os preços das habitações antigas também subam.
Se nestes últimos anos, se tivessem construído, pelo menos o mínimo da década de ouro, teríamos mais 1.000.000 de habitações nestes últimos dez anos. A classe baixa teria sido beneficiada com habitação social, a classe média teria mais opções e embora os ricos nunca tenham problemas de habitação, porque podem pagar sempre mais do que os outros, não são os culpados pela falta de habitação. A falta de habitação está diretamente ligada à lei do mercado.
O Estado não tem capacidade para administrar o seu património imobiliário, nem sequer sabe o que tem, não consegue colocar no mercado todo o seu património imobiliário que está devoluto, nem consegue realizar obras públicas. Não tem também capacidade para aumentar significativamente na próxima década a oferta de habitação social, e para ajudar não consegue criar as condições para que o sector privado produza habitações para os portugueses. Resta ao sector da construção continuar a construir hotéis, escolas privadas, hospitais privados e habitação para não residentes com grande poder de aquisição, caso contrário teriam de encerrar a sua atividade. Os portugueses se quiserem aumentar o seu poder de compra, só mesmo indo trabalhar para fora do país. Não sendo preciso ir muito longe, bastariam mudar-se para Espanha e podiam até continuar a trabalhar em Portugal que teriam ganhos significativos no seu poder de compra.

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