As armas de Portugal
Uma identidade nacional multissecular
O XXIII Governo decidiu alterar o símbolo institucional que representa a República Portuguesa, e, por tal, perpetrou um sério atentado contra o Património Identitário Histórico de Portugal e infringiu a Lei Portuguesa.
A novel e inconspícua imagem institucional da República Portuguesa consiste em “dois retângulos – um verde e outro vermelho – separados por um círculo amarelo. Foram eliminadas as Armas de Portugal, cujo escudo, de ponta redonda e referido como “escudo Português”, é de prata, com cinco escudetes de azul postos em cruz, cada qual carregado com cinco besantes de prata postos em sautor ou aspa, bordadura de vermelho com sete castelos de ouro. O escudo é sobreposto a uma esfera armilar de ouro; sob pretexto de criação de uma imagem mais “inclusiva, plural e laica”, capaz de “responder de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital, dinâmica e por uma consciência ecológica reforçada”, conforme defende o Governo. A imagem foi implementada há meses nas plataformas digitais do Governo, sem que o gabinete autor do emblema ou os responsáveis pela imagem do Governo tivessem percebido que a solução visual encontrada é inequivocamente semelhante à bandeira nacional da República do Mali.
As Armas de Portugal, apesar de serem o mais constante símbolo do País, desde há muitos séculos, não estão referidas na Constituição da República Portuguesa como um dos Símbolos Nacionais, a qual considera apenas como tais o Hino e a Bandeira Nacional. Não obstante, o Código Penal, no Livro II, Título V, Capítulo I, Secção II, Artigo 332.º protege especificamente “as armas ou emblemas da soberania portuguesa”, punindo “Quem publicamente, por palavras, gestos ou divulgação de escrito, ou por outro meio de comunicação com o público, ultrajar a República, a bandeira ou o hino nacionais, as armas ou emblemas da soberania portuguesa, ou faltar ao respeito que lhes é devido, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias”.
Já em 2011, o XIX Governo de Portugal, havia modernizado a imagem governamental, seguindo o exemplo de países europeus como a Holanda e a Alemanha. Em termos gráficos, a marca era constituída por um símbolo e por um logótipo. O primeiro assumia-se como o elemento mais forte e, na forma de uma bandeira em movimento, pretendendo chamar a si a força de diversos significados. “Representa um país em acção, motivado e mobilizado em torno dos seus valores e símbolos mais fortes – as cores, a esfera armilar e o escudo de armas da bandeira de Portugal”, segundo o Gabinete do Ministro Adjunto e dos Assuntos Parlamentares à Marketeer. No logótipo era dado, também, destaque à palavra “Portugal”.
Enquanto em 2011 se pretendia com a modernização da imagem «reforçar a auto-estima dos Portugueses e o orgulho em Portugal», já em 2023, sob a influência da cultura de cancelamento institucionalizada – fenómeno com conotações negativas e de censura -, foram removidos os símbolos nacionais históricos para “responder de forma mais eficaz aos novos contextos, determinados pela sofisticação da comunicação digital, dinâmica e por uma consciência ecológica reforçada”, pretendendo ser mais “inclusiva, plural e laica”. Todavia, esta narrativa é suportada por falsos pressupostos e sem substância, quando o Governo afirma que o novo símbolo, sem “castelos conquistados aos mouros” e sem a esfera armilar, é mais inclusivo e até mais “ecológico” – argumentação refutada pela Heráldica, um sistema histórico de identificação visual e simbolismo criado na Europa no século XII, e, também, pelos factos históricos.
Outros países da União Europeia, embora modernizando a sua imagem institucional, conservaram os símbolos nacionais, tal como se havia feito em Portugal, em 2011. Atente-se ao caso da República Federal da Alemanha que mantém a figura heráldica da águia, um dos mais antigos símbolos nacionais da Europa e um dos mais antigos do Mundo. As monarquias Sueca e Espanhola preservam os escudos régios, estando reguladas a sua forma e uso por lei. Já o Reino Unido ostenta a Coroa Imperial do Estado estilizada. Por seu lado, a França optou por uma abordagem mais criativa, usando a bandeira tricolor como base e aproveitando o branco (prata) para delinear Marianne, a figura alegórica de uma mulher que representa a República Francesa, sendo, portanto, uma personificação nacional.
Pelo exposto, corroborado pelos ilustres signatários, o Escudo de Armas de Portugal, principal emblema heráldico do País e resultante de uma evolução histórica de mais de 700 anos, que remonta pelo menos, ao séc. XIV, na Crónica Geral de Espanha de 1344, compilada por Pedro Afonso (1287 – 1354), conde de Barcelos e filho natural do rei D. Dinis de Portugal (1261 – 1325), considerada a mais importante das crónicas historiográficas Portuguesas anteriores ao século XV e um marco da prosa medieval em língua Portuguesa; representam Portugal, e estão assinaladas em todo o Património Monumental Nacional, e como símbolo tem de ter densidade semântica apenas gerada na memória colectiva ao longo do tempo: só assim adquire reconhecibilidade. Sendo símbolo identitário da comunidade, tem esse reconhecimento de ser explicit(ad)o, não lhe podendo ser meramente atribuído. Por tal são ostentadas nos edifícios e veículos do Estado, militares, navios, etc., bem como uma indelével presença patrimonial nacional no mundo – exempli gratia, a bandeira de Ceuta, procedente da conquista Portuguesa de Ceuta, na manhã de 22 de Agosto de 1415 e, segundo Gomes Eanes de Azurara, nessa altura, foi pedido a D. João Vasques de Almada que a hasteasse; e também nas grandes Ordens Militares e Honoríficas estrangeiras – Insigne Ordem do Tosão de Ouro, Nobilíssima Ordem da Jarreteira, etc.; bem como nos edifícios históricos estrangeiros, como no Salão Nobre da Câmara Municipal de Ghent, na Bélgica, etc.
O Escudo de Armas de Portugal perpetua a percepção das quinas (cinco escudetes que constituem o elemento central do escudo) como símbolo nacional, levando a que as mesmas sejam associadas a outros elementos que simbolizam Portugal, como é o caso das seleções nacionais de vários desportos referidas por “selecções das Quinas”. As cinco quinas são usadas intrinsecamente como um emblema não contidas em qualquer escudo, como acontecia nos uniformes da Selecção Portuguesa de Futebol usados até à década de 1960 ou actualmente nos cartões de cidadão, e em marcas Portuguesas de reputação internacional.
As figuras geométricas cromáticas em referência no conjunto adoptado pelo Governo de Portugal são, portanto, destituídas de significado e de referencialidade histórica; o que cria uma irredutível clivagem entre o XXIII Governo e toda a Nacionalidade cristalizada e espelhada na sua monumentalidade e Essência Identitária Nacional.
João Micael
Presidente da Matriz Portuguesa – Associação para o Desenvolvimento da Cultura e do Conhecimento
O autor não aderiu ao novo acordo ortográfico