Calane da Silva

Ainda ao Meu Irmão Carlitos


Mano
envolveram-te em chumbo
como se blindada
a tua voz de vez se calasse.
Mas tu estás aqui
nas minhas palavras
nos meus gestos
no meu sorriso.
Continuas vivo
para além do chumbo
e da terra coalhada de cruzes.
Lembras-te
de quanto odiávamos a injustiça?
Lembras-te
de quanto odiávamos os mortos inúteis?

Hoje
és mais um entre eles.
Na Malanga
alguns dos teus e meus grandes amigos
desapareceram para sempre.
Partiram ao teu encontro
sem balas no corpo
mas bem recheados de bacilos e álcool.
O sítio onde crescemos
morreu também.
Pás escavadoras roubaram todos os trilhos
e na próxima primavera
não haverá mais malmequeres
na ladeira de Minkokweni.
Restarás apenas tu
com a minha voz.

Calane da Silva

Calane da Silva

Nascido na então Lourenço Marques (20 de outubro de 1945), dotado de forte personalidade, Raul Alves Calane da Silva marcou a vida cultural moçambicana no último meio século e viveu as grandezas e as tragédias do seu país.
Foi condecorado, em 2011, em Maputo, com a Comenda da Ordem de Rio Branco e em novembro do mesmo ano foi vencedor do Prémio José Craveirinha, o maior galardão literário moçambicano, que distinguiu a sua carreira na literatura e no ensaio e a sua contribuição para o desenvolvimento das artes e letras em Moçambique.
Faleceu a 29 de janeiro de 2021.

Esta rubrica pretende dar a conhecer ao mundo o melhor da poesia por diversos autores lusófonos. Os poemas são selecionados por Gilda Pereira, uma fã incondicional de poesia.

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