Grande Entrevista Augusto Santos Silva
Ministro dos Negócios Estrangeiros
É casado, pai de três filhos e avô de (por enquanto) três netos. A sua formação política fez-se, nos princípios dos anos 70, no contexto das lutas estudantis contra a ditadura. Frequentava, então, o ensino secundário. Foi, depois, dirigente da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras do Porto, onde se licenciou em História. Participou em diferentes movimentos de natureza cívica e política, tendo aderido ao Partido Socialista em 1990. Desempenhou várias funções políticas, incluindo como deputado à Assembleia da República (2002-2005 e 2011) e membro de governos de António Guterres, José Sócrates e António Costa (1999-2002, 2005-2011 e desde 2015). No plano profissional, doutorou-se em Sociologia pelo ISCTE–IUL e fez a agregação em Ciências Sociais na Universidade do Porto, de cuja Faculdade de Economia é professor catedrático. Ocupou diversos cargos de gestão universitária, entre os quais o de presidente do Conselho Científico da sua Faculdade e o de pró-reitor da sua Universidade. É autor de vários livros no domínio da epistemologia das ciências sociais, da sociologia da cultura e do desenvolvimento, e do pensamento político.
Quais foram os grandes desafios que enfrentou e as grandes bandeiras que ergueu enquanto Ministro dos Negócios Estrangeiros ao longo destes destes dois mandatos?
Os grandes desafios, diria que foram três, entendendo desafios como problemas. O primeiro foi o facto de, quando tomámos posse, Portugal se encontrar ainda no procedimento por défice excessivo, e, portanto, a nossa consolidação orçamental estava por fazer. O segundo grande problema que enfrentei ao longo deste mandato, e que, de resto, ainda enfrento, é o do agravamento da situação económica, social, política e humanitária na Venezuela. Essa tem vindo a ser a minha preocupação principal, no decurso de 2017, 2018 e 2019, período durante o qual se agravaram as condições políticas e institucionais nesse país. Nós temos uma comunidade portuguesa e luso-venezuelana muito grande, que estimamos em cerca de 200 a 300 mil pessoas. Evidentemente, ela tem sofrido muito com o agravamento das condições de vida na Venezuela e isso é uma preocupação constante para nós. O terceiro grande problema que enfrentei e enfrento, desde de junho de 2016, é o Brexit. Nós também temos 309 mil cidadãos portugueses com números de segurança social britânicos, isto é, trabalhando no Reino Unido. Os seus direitos e o seu estatuto, depois de saída do Reino Unido da UE, são uma fonte de preocupação. Era suposto estar resolvido, mas, como sabem, o processo Brexit é um processo inacabado. Do ponto de vista das bandeiras, a bandeira número um foi tornar a política das comunidades um eixo transversal a todo o mundo do Ministério dos Negócios Estrangeiros. Ainda me recordo a surpresa que causei na primeira vez que fui à Comissão Parlamentar dos Negócios Estrangeiros com a circunstância de ter sido eu a responder à primeira ronda de perguntas sobre postos e funcionários consulares. Não era habitual que o ministro respondesse, ele próprio, pelos consulados. A segunda grande bandeira foi termos uma participação mais ativa, e penso que conseguimos. Basta pensar no facto de o presidente do Eurogrupo ser [à data da entrevista] o Ministro das Finanças de Portugal; no protagonismo que o ministro assumiu aquando das decisões sobre os cargos de topo da EU; basta ver a forma como Portugal é apontado como exemplo de país que não tem nenhuma hesitação quanto às questões de reforma de união económica e monetária; da política das imigrações; do acolhimento dos refugiados e do combate às alterações climáticas, entre outras. Diria que a terceira grande bandeira foi a de reforçar a dimensão da cidadania da CPLP. A CPLP tem provado como uma organização intergovernamental, isto é, como um espaço de cooperação entre diferentes estados, pode funcionar bem. Por exemplo, toda a CPLP nos apoia nas grandes candidaturas internacionais, mas faltava uma dimensão de cidadania. Faltava transformar a CPLP num espaço vantajoso. As vantagens têm de ser facilmente identificáveis. Julgamos que o novo regime de mobilidade próprio da CPLP fará esta mudança. A quarta grande bandeira, no sentido de escolher apenas quatro, foi a de conseguir trazer as vantagens associadas a Portugal para o palco internacional. A imagem positiva de Portugal que prevalecia na cena internacional traduzia-se em factos. O principal desses factos foi nós termos conseguido que a nossa candidatura a secretário geral das Nações Unidas, cargo mais importante da cena internacional, tenha sido bem-sucedida. Mérito do candidato, evidentemente: António Guterres. Também uma vitória da nossa diplomacia.
As Comunidades Portuguesas são tuteladas e apoiadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, através da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. Considera que tem sido dada a importância e atenção devida a estes nossos concidadãos, em sede de rede consular, rede de ensino da língua portuguesa, promoção da cultura, entre outros?
A minha resposta é muito simples: tem sido dada muita atenção. Se isso é suficiente? Não. Nunca é suficiente. As nossas comunidades merecem sempre melhor. O movimento associativo é muito variado e tem vindo a diversificar-se em sede de atividades eruditas e até de cariz político. São cada vez mais as redes de profissionais, de estudantes e de académicos diplomados no Reino Unido, nos Estados Unidos, em França e na Alemanha (nestes dois últimos, já há vários anos). Estão em formação noutros países como a Suíça ou a Austrália. Isso é uma inovação. Outra inovação que se nota muito bem, por exemplo, na cena norte-americana, são as associações que já se constituem como lobbies, e outras associações cívicas que já têm como missão não apenas preservar as tradições, não apenas cultivar o folclore da sua terra de origem na sua terra de residência, não apenas celebrarem, continuar as vinculações, por exemplo, aos clubes de futebol e outros, mas também a missão mais específica de aumentarem a influência social, a representação institucional da política e da comunidade, neste caso nos EUA.
A participação cívica e política dos portugueses residentes no estrangeiro é um processo que tem vindo a evoluir, assistindo-se hoje por exemplo a uma rede de eleitos bastante significativa, de políticos de origem portuguesa, mas também académicos, artistas, empresários. Considera que Portugal tem valorizado convenientemente esta realidade, reconhecendo a sua importância para a afirmação de Portugal no Mundo? Que políticas e iniciativas têm sido desenvolvidas nesta matéria?
Considero que Portugal tem valorizado, e que pode e deve valorizar mais. Entre as iniciativas mais relevantes destaco as organizadas pelas próprias redes e associações de luso eleitos, por exemplo em França e nos EUA. Também é de destacar o exemplo de uma ação bem-sucedida, aquela empreendida regularmente pela Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento.
A pandemia trouxe uma nova realidade a esse movimento associativo, nomeadamente, muitas dificuldades e constrangimentos financeiros. O que tem sido possível fazer para apoiar esta realidade?
Recordo que lançámos em 2020/2021 dois programas específicos de apoio: um para os órgãos de comunicação social de Língua Portuguesa no estrangeiro, e outro para as associações e instituições que desempenham funções sociais junto da nossa diáspora. Por outro lado, o programa específico de apoio ao associativismo teve em conta as condições específicas da pandemia na avaliação do cumprimento de objetivos e planos de ação contratualizados por parte das associações financiadas.
Assumiu a pasta dos Negócios Estrangeiros em 2015, depois da vigência de um Governo de coligação PPD/PSD e CDS/PP, num momento em que Portugal saía de uma grande crise económico-financeira que obrigou à intervenção da troika. Recuando cerca de 6 anos, como avalia hoje, a herança que recebeu e o rumo que imprimiu na sua governação, concretamente, na pasta dos negócios estrangeiros?
A política externa em Portugal, felizmente, é uma de uma grande continuidade. Estamos praticamente todos de acordo com as grandes prioridades da política externa portuguesa, que basicamente são a União Europeia, o elo transatlântico e, designadamente, a NATO, a CPLP e a relação muito mais próxima que temos com os todos os países de língua portuguesa e as nossas comunidades no estrangeiro. A essas prioridades procurei acrescentar outras duas, que me parece muito importante destacar. Uma é o nosso empenhamento no multilateralismo, em particular dentro do sistema das Nações Unidas. E o outro é a internacionalização da nossa língua, cultura e economia. Por isso é que existe um grande consenso sobre as grandes prioridades. Devo dizer que evitei sempre, ao longo destes quatro anos, queixar-me da herança ou fazer uma avaliação negativa sobre os meus antecessores, e vou terminar o meu mandato nessa atitude. Defendo que estamos em 2021 e que o balanço que havia a fazer foi já feito em devido tempo. Não vamos repisar assuntos entretanto esclarecidos. Quanto ao rumo, permito-me remeter para os meus livros “Argumentos Necessários” e “Evoluir”, que descrevem sistematicamente as grandes prioridades de política externa dos meus mandatos: construção europeia, ligação transatlântica, CPLP, relação com as comunidades portuguesas, internacionalização da economia, da língua e da cultura, e compromisso com o multilateralismo.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros é o departamento governamental responsável pela formulação, coordenação e execução da política externa. Considera que num mundo cada vez mais global e globalizado, e com uma enorme dependência da Europa, a pasta dos Negócios Estrangeiros assume hoje um papel reforçado na sua importância diplomática?
Sim. A pasta dos negócios estrangeiros sempre foi uma pasta muito importante, visto que é tipicamente um ministério da soberania e de uma política do estado. Essa importância tem crescido por quatro razões: a primeira razão prende-se com a influência global do nosso país, seja através da projeção da nossa língua, seja através do reconhecimento do nosso contributo para as grandes organizações internacionais, seja até através do protagonismo que portugueses como António Guterres ou António Vitorino têm hoje nas grandes organizações internacionais, e nessa medida a influência global do nosso país tem crescido. A segunda razão é que tem aumentado muito a importância das comunidades portugueses: hoje temos registo de portugueses vivendo em cento e setenta e oito países do mundo. A terceira razão é que, com a globalização, as questões internacionais também são cada vez mais questões internas: o que se passa hoje no mar do sul da China ou no Golfo atinge diretamente os nossos interesses. Como sabem, hoje em dia, debatemo-nos com um problema de segurança delicado no estreito de Ormus. Ora, 18% do petróleo que Portugal importa vem através desse estreito, portanto é uma questão que nos toca diretamente. Finalmente, a quarta razão é que tendo o Ministério dos Negócios Estrangeiros a tutela da política europeia, a nossa pertença à UE e o progresso da intervenção da UE fazem com que cada vez mais seja difícil separar o que é política externa e política interna, na dimensão da União Europeia.
No estrangeiro prefere falar na língua do país visitante ou falar em português e solicitar um tradutor, ainda que saiba a língua?
Falar português, designadamente para aqueles que têm uma relação próxima com o hemisfério sul, é uma grande vantagem, visto que a Língua Portuguesa é a língua mais falada no hemisfério sul. Tão importante quanto é, para mim, saber falar e ler espanhol. Isso permite-me ter um à vontade num grande universo Latino-Americano, que não teria se o espanhol me fosse uma língua completamente estranha. Sempre que vou ao estrangeiro e tenho um encontro com a comunidade portuguesa residente nesse país, falo, naturalmente, português. Muitas vezes, depois, em contexto de interação social, para me fazer entender bem, falo outras línguas: inglês, caso vá ao EUA; ou francês, em França. Dependendo muito dos interlocutores, habitualmente nós falamos inglês nas reuniões informais quando estou em países francófonos; quando estou em países de língua espanhola, ouço em espanhol e falo aquela língua muito curiosa a que chamamos portunhol. Quando se trata de reuniões formais, falo português, como acontece nas reuniões formais da União Europeia. O português é uma das 21 línguas oficiais da União Europeia.
O número de estudantes emigrantes e lusodescendentes colocados este ano na primeira vaga de colocações no ensino superior em Portugal cresceu 6%, relativamente ao ano anterior, ou seja, passando de 396 para 419, e um aumento de 151% face a 2015. Como avalia esta mudança e adesão dos estudantes emigrantes e lusodescendentes a quererem vir estudar para Portugal? O que tem feito o governo neste sentido?
Felizmente, essa medida vai sendo cada vez mais conhecida das nossas comunidades e consequentemente mais utilizada. A formação de estudantes oriundos das comunidades em Portugal é, além do mais, outro fator de estreitamento da relação entre Portugal e a sua diáspora.
Que consequências positivas pode este fenómeno trazer para Portugal no imediato e a médio prazo?
Uma das principais riquezas de um país é o seu capital humano. O aumento da qualificação média das novas gerações sinaliza o desenvolvimento da sociedade portuguesa. Isto, que é válido em território nacional, é ainda mais válido na diáspora, quando os jovens qualificados representam um recurso essencial, quer para a integração na sociedade de acolhimento, quer para os projetos de regresso a Portugal ou de mobilidade circular.
As exportações são um indicador relevante da balança comercial na sobrevivência e no crescimento das empresas e no crescimento económico do país. Nos últimos 6 anos como têm evoluído as exportações? Que políticas ativas têm sido implementadas junto das empresas para estimular a exportação?
As exportações tiveram um crescimento muito significativo até 2019, e foram, naturalmente, muito afetadas pela crise pandémica. Mas, em 2021, têm tido uma recuperação forte, que no caso específico dos bens até significou um aumento face a 2019.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros integra e tutela, hoje, a AICEP, Agência para o Investimento e Comércio de Portugal. A AICEP já esteve sob tutela do Ministro dos Negócios Estrangeiros entre 2011 e 2013. Quando esse ministro passou à posição de vice-primeiro ministro, a AICEP acompanhou-o, digamos assim. Portanto, já houve a experiência de um Ministro dos Negócios Estrangeiros ter também a tutela da AICEP. Foi uma experiência positiva porque valorizou muito, no ministério, a chamada diplomacia económica. Este governo fez mais: como as instituições são mais importantes do que as pessoas, colocou a AICEP sob a tutela do Ministério dos Negócios dos Estrangeiros, não dirigida ao ministro, mas ao ministério na sua totalidade. Julgo que essa mudança veio para ficar. Se correu bem, deve ficar. Nós até temos um Secretário de Estado da Internacionalização, pela primeira vez no ministério, exatamente porque é a pessoa que tem diretamente a seu cargo as questões ligadas ao investimento direto estrangeiro em Portugal, ao investimento português no estrangeiro e ao comércio externo e, portanto, o comércio externo e o investimento passaram a ser uma preocupação prioritária e também uma preocupação do ministro. Aliás, ainda há pouco podia ter acrescentado esta bandeira da internacionalização da economia. Como resultados, a melhor maneira de os ver é pensar no seguinte: comparar dois números. Há 10 anos o peso das exportações na riqueza nacional era inferior a 30%. Hoje valem 44%. Em 10 anos, cresceram mais 15 pontos.
Quando olhamos para as exportações de bens e serviços, atualmente, em Portugal, vemos que o primeiro setor é o das viagens e turismo, mas o segundo setor é o das máquinas e aparelhos. E depois vêm os setores dos veículos automóveis e outros veículos de transporte. Muita gente ainda pensa que as nossas exportações são sobretudo cortiça, calçado, têxtil e vestuário, mas elas não estão dentro dos quatro primeiros setores de exportação de Portugal.
O têxtil, o calçado, a cortiça e o vestuário que exportamos é hoje completamente diferente do que era tradicionalmente. Já somos conhecidos não propriamente por inundar a Europa com camisolas de baixo custo, mas, sim, pelos fatos de natação de competição mais velozes, pelo têxtil técnico, designadamente aquele que vendemos para a NASA, pela nossa cortiça, que para além de permitir conservar bem os vinhos em garrafas fechadas serve hoje como isolamento térmico, nos guarda-chuvas, na decoração de interiores, entre outros. Um dos setores que mais se transformou e modernizou foi o setor agroalimentar. A qualidade do nosso azeite, dos nossos vinhos, das nossas hortas, da nossa agricultura, é completamente diversa (para melhor) do que há 10 ou 15 anos. A lição principal que aproveitamos da crise é: nós não podemos fazer assentar a nossa competitividade apenas em baixos salários. Porque aí haverá sempre, na Ásia, em África e na América Latina, quem tenha salários ainda mais baixos. Também na China e na Índia. Tem de se assentar o desenvolvimento em valor acrescentado, qualificação, tecnologia e talento. Isso foi a lição que principal que aprendemos todos.
Pode dizer-se que a AICEP é um motor da diplomacia económica, sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros?
A diplomacia económica é uma tarefa de todos os serviços centrais, embaixadas e consulados do Ministério dos Negócios Estrangeiros. A AICEP tem a missão específica de atrair investimento estrangeiro a Portugal, promover o investimento estrangeiro português e apoiar os exportadores nacionais.
Com que países, estrategicamente, tem estabelecido relações mais estreitas com vista a aumentar, estimular e desenvolver o comércio? Que novos mercados e países se encontram hoje na futura equação dos mais importantes para Portugal?
Diria que nós funcionamos por uma lógica de quatro círculos: o primeiro, o mais próximo, é o da economia da Península Ibérica. O grande resultado económico da integração de Portugal e de Espanha foi a integração das respetivas economias. Espanha é o primeiro cliente e fornecedor de Portugal. Um facto pouco conhecido, mas verdadeiro, é o de Portugal, sozinho, nas exportações, valer mais do que todos os países latino-americanos de língua espanhola juntos. Cerca de ¼ a 1/5 do que exportamos, fazemo-lo para Espanha. E cerca de 1/3 a ¼ do que importamos, importamos de Espanha. Depois, há um segundo círculo que é o da Zona Euro e da União Europeia. O principal investimento estrangeiro que temos vem de França e da Alemanha. A França e a Alemanha estão entre os três primeiros clientes e os primeiros três fornecedores. Mais de ¾ do nosso comércio externo faz-se no âmbito da UE, que, de resto, é natural porque a União Europeia é um mercado único. Há um terceiro círculo, onde se situam os mercados extraeuropeus que são muito importantes para Portugal. Quando olhamos do lado das exportações, vemos os Estados Unidos, o Brasil e Angola. Quando olhamos do ponto de vista das importações, os Estados Unidos, e temos de acrescentar a China e, em certos anos, por causa do petróleo e do gás, a Rússia. Depois, há um quarto círculo, que é o das várias regiões do mundo onde nós vamos tendo parcerias comerciais e económicas importantes. Vão desde o Canadá à América do Norte, à Colômbia, ao Peru, ao Chile, à Argentina, à Venezuela, desde a Costa do Marfim à África do Sul, Marrocos, Tunísia, Argélia, (em África). À China, à Índia, ao Sudeste Asiático (na Ásia). Isto significa que nós conseguimos diversificar muito as nossas exportações. Quando nós olhamos para um setor como o do mobiliário (que as pessoas associam ainda a um setor tradicional, trabalhando para a procura interna), por exemplo, verificamos que as nossas empresas de mobiliário, ou como agora se diz, de produtos para a casa e de decoração, exportam para mais de 100 países diferentes.
As relações multilaterais e bilaterais de política externa entre Portugal e o mundo são asseguradas através da sua rede externa de embaixadas, missões permanentes e postos consulares. Considera que tem havido uma evolução na forma de estar, de intervenção, ação e de relação, por parte dos nossos diplomatas? A exigência versus resposta tem hoje para si uma avaliação positiva dos nossos diplomatas?
De forma muito sumária, a diplomacia portuguesa é um corpo profissional muito qualificado. Muito exigente, quer do ponto de vista de entrada, quer do de carreira, muito qualificado. Muito bem treinado nas questões político-diplomáticas. Nos últimos 20 anos os nossos diplomatas foram, crescentemente, assumindo a importância da diplomacia económica, e por isso foram, paulatinamente, compreendendo que têm de trabalhar também com as delegações da AICEP ou com o Turismo de Portugal. Eu diria que o meu modesto contributo foi o de acrescentar a esta qualificação tradicional de vertente político-diplomática, esta qualificação mais recente na vertente diplomacia-económica.
A ação externa do MNE em matéria de cooperação para o desenvolvimento e promoção da língua e da cultura portuguesas, é prosseguida pelo Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I. P., sob a superintendência e tutela do seu Ministério. Como avalia as políticas e evolução das mesmas nesta matéria, sendo que a nossa língua viva é cada vez mais falada no mundo? A rede de ensino de português no estrangeiro tal como existe actualmente é suficiente? As coordenações de ensino de português espalhadas pelo mundo têm dado a resposta necessária?
Penso que aquilo que tem acontecido é uma consolidação de desenvolvimento, à qual chamamos, tecnicamente, incremental, prosseguindo e avançando no trabalho do Instituto Camões. Se eu olhar para a rede de ensino português no estrangeiro, ela tem hoje mais estudantes, mais professores e mais escolas do que tinha em 2015. A presença da cultura e língua portuguesas no ensino superior está hoje em mais de 30 países, temos 76 centros de Língua Portuguesa em todo o mundo. Quando nós olhamos para outro indicador muito importante, que é o número de países em que o português gera hoje uma língua estrangeira por opção curricular no ensino secundário, o número desses países também tem aumentado. Nós sabemos que existem, no presente, cerca de 70 mil estudantes frequentando escolas financiadas ou apoiadas pelo Instituto Camões através da nossa rede de ensino português no estrangeiro. Contudo, ainda é maior o número de estudantes de Língua Portuguesa nas escolas secundárias em países como o Senegal (40 mil), Espanha (que também tem outras dezenas de milhares), a Costa do Marfim, a República Checa, a Tunísia, a Argélia, a Polónia, a Hungria, e por aí fora. E é muito importante que, ao mesmo tempo, preservemos o nosso ensino do português no estrangeiro, a responsabilidade das nossas coordenações de ensino no Luxemburgo, na Bélgica, na Holanda, na Alemanha, na Suíça, nos Estados Unidos, entre outros países. Ao mesmo tempo, mantemos essa rede e consolidamo-la. Temos de ver a expansão do português como uma linha internacional. Da mesma forma que, na nossa escola secundária, quem quer aprende francês, espanhol ou alemão, a comunidade de professores que nós formamos, e a quem pagamos, é também muito importante que cresça num maior número de países, e finalmente que o português seja também a língua que as pessoas querem aprender não só por serem portugueses ou descendentes, mas, simplesmente, também por interesse e curiosidade em aprender a nossa língua.
O Conselho das Comunidades Portuguesas é um órgão de proximidade, face ao conhecimento da verdadeira realidade local por parte dos conselheiros e é um órgão de consulta do Governo e de colaboração com a Assembleia da República. Como avalia esta relação entre Governo e CCP? Que trabalho conjunto tem sido desenvolvido? Considera que a tutela do CCP está bem no seu ministério, ou entende que estaria melhor sob a tutela da Assembleia da república como alguns defendem?
A relação entre o Governo e o CCP é bastante boa, daí resultando benefícios claros para a política das comunidades. O Ministério dos Negócios Estrangeiros conduz todas as atividades na frente europeia e externa e, por isso, não faria sentido, na minha opinião, retirar da sua “tutela” o CCP.
A respeito dos Gabinetes de Apoio ao Emigrante (GAE), o Senhor Ministro veio a público elogiar e reconhecer como sendo uma boa política do anterior Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e que deve ter continuidade. E a verdade é que tem vindo a dar continuidade, aumentando o número de GAE pelo país. Quantos existem hoje constituídos em Portugal? Como tudo na vida, o que é mensurável é passível de mudança e de melhoria. Existem dados de uma avaliação dos resultados, do impacto, do trabalho desenvolvido, da efectiva e eficaz resposta e da importância destes gabinetes, que resultam de uma parceria entre o governo central e as autarquias locais?
Primeiro, sim, foi uma boa ideia lançada em 2002, no governo de Durão Barroso. Portanto, as boas ideias devem ser continuadas, independentemente de quem as tomou. Pensar o contrário é de um provincianismo atroz. Quando nós chegámos ao governo havia 100, nestes quatro anos o que nós fizemos foi aumentar e neste momento são 157. O nosso objetivo, na minha opinião, deve ser estendê-los, eventualmente, a todos os municípios de onde saem emigrantes, que são, aliás, quase todos os municípios portugueses. Também fizemos duas coisas que me pareceram importantes. A primeira foi estender a rede de gabinetes de apoio ao emigrante às regiões autónomas, e não só considerar os municípios, mas também as freguesias. Hoje, como sabemos, há freguesias que têm mais população do que 4 ou 5 municípios juntos. Aquilo que faz o ministério — através da Direção Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas — é formar os funcionários e informar permanentemente o serviço na autarquia sobre assuntos a alterar respeitantes às comunidades, sobre regulamentos, e outros assuntos. As autarquias têm constituído um bom serviço. Em algumas, mais pequenas, estes serviços significam uma pessoa, noutras são várias pessoas, sempre numa localização precisa. Para que servem os gabinetes de apoio ao emigrante? Para dar apoio a todos os emigrantes em todos os ciclos de emigração. Quando uma pessoa decide partir, é muito importante que saiba que vai partir para um país cuja lei deve conhecer, cuja língua deve conhecer ou estar disponível para aprender, mas sobretudo deve saber para onde vai trabalhar, quais são os seus direitos, quem são os seus empregadores.
Relativamente ao Pacto Global das Migrações, foi já possível desenvolver e aplicar planos nacionais de implementação do pacto? Em termos operacionais qual é o ponto de situação de Portugal?
O plano tem um programa de ação muito vasto, pelo que é impossível dar aqui conta da sua aplicação. Destaco, por isso, apenas 3 exemplos na área de intervenção direta do MNE, que me parecem particularmente significativos, no sentido e no alcance do plano. O Acordo de Mobilidade na CPLP, o Acordo Multilateral com a Índia sobre mobilidade laboral, e a renovação do Programa Regressar.
Considera que o fortalecimento da cooperação transfronteiriça permite o desenvolvimento de uma estratégia comum, recuperação económica e um desenvolvimento mais coeso e inclusivo destas regiões? O que tem ganho Portugal com esta cooperação?
A avaliação dessa cooperação será um dos pontos principais da próxima Cimeira Luso Espanhola, o que me permite remeter para a respetiva declaração conjunta.
O que reserva o PRR em matéria de política externa e comunidades portuguesas?
Reserva o financiamento do novo modelo de gestão consular, o processo de digitalização do ensino do português no estrangeiro e a melhoria da segurança e operacionalidade da rede de comunicações do MNE.
Considerando que possamos estar na reta final da pandemia Covid-19, pelo menos com a possibilidade de começarmos a retirar progressivamente as medidas impostas, e tendo presente as mudanças que esta pandemia trouxe ao mundo e à vida de cada um, que análise faz atualmente, em jeito de balanço, às consequências e ao impacto desta pandemia? Que impacto trouxe em termos dos mercados, das relações comerciais entre países, das exportações/importações e dos preços finais para o consumidor?
A pandemia provocou uma crise económica muito grave em 2020. Felizmente, mercê das políticas postas em prática pela UE e pelos seus estados-membros, foi possível relançar a economia, com muita pujança, já em 2021. Tudo leva a crer que a economia portuguesa e a europeia terão uma retoma muito rápida e melhorarão o seu nível de resiliência.
Ao longo do exercício das suas funções como Ministro dos Negócios Estrangeiros, recorda alguma situação que gostasse de partilhar?
Do lado positivo, evidentemente, nunca me esquecerei do dia 6 de outubro de 2016, pelas 14h30, no pátio aqui em baixo. Ouvi as primeiras palavras da intervenção do então Presidente do Conselho de Segurança, o embaixador russo, proferindo que o António Guterres tinha sido eleito. Do lado mais negativo, evidentemente, que notícias como a do atentado do Sri Lanka, no qual faleceu um português que estava em lua de mel. Essa e todas as notícias semelhantes. Depois, há milhares de histórias de pessoas que vão completamente à aventura, não conhecendo a língua, e que apenas pelo seu talento, singram.
Deseja deixar alguma mensagem aos leitores da DESCENDÊNCIAS Magazine, espalhados pelo mundo fora?
Que tenham boa saúde – que a pandemia nos recordou ser um bem muito precioso.