Grande Entrevista João Ribeiro de Almeida

Presidente do Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P.

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João Manuel Mendes Ribeiro de Almeida nasceu em 1 de dezembro de 1962, em Lisboa. É licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Foi aprovado no concurso de admissão aos lugares de adido de embaixada (1989). Adido de embaixada, na Secretaria de Estado (1990). Adjunto no Gabinete do Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas do XII Governo Constitucional (1991-92). Secretário de Embaixada (1992). Observador da União Europeia no processo eleitoral na República da África do Sul (1994). Na Embaixada em Atenas (1995-1999) e na Embaixada em Zagreb (1999-2001). Assessor diplomático junto do Ministro dos Negócios Estrangeiros de Timor-Leste (2001). Cônsul -Geral em Benguela (2003-2004). No Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação do XVI Governo Constitucional, como adjunto diplomático (2004-2005). Na organização da Ministerial Ibero -Americana de Guimarães (2005). No Gabinete do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros do XVII Governo Constitucional, como adjunto diplomático (2005-2006), e como chefe do mesmo Gabinete (2006). Na Estrutura de Missão para a Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, como Diretor das Instalações Permanentes (2006). Diretor de Serviços da Política Externa e Segurança Comum e Correspondente Europeu, na Direção -Geral de Política Externa (2007). Cônsul -Geral em Barcelona (2011). Promovido a ministro plenipotenciário de 2.ª classe, em 2012. Embaixador em Bogotá (2013), simultaneamente acreditado como Embaixador não-residente de Portugal na República do Equador e na República da Costa Rica. Promovido a ministro plenipotenciário de 1.ª classe, em 2015. Embaixador em Buenos Aires (2017), acreditado, simultaneamente, como Embaixador não-residente na República do Paraguai. Presidente do Conselho Diretivo do Camões, I.P. desde 1 de novembro de 2020.

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Muito agradecidos por nos conceder a honra desta entrevista.

O gosto é meu e obrigado pelo vosso reiterado interesse no trabalho que levamos a cabo no Camões – Instituto da Cooperação e da Língua.

A nomeação do Senhor Embaixador a 1 de novembro de 2020 para presidir ao Camões – Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., foi uma surpresa, foi algo que ambicionava ou é apenas mais um desafio na sua extensa carreira?

A minha nomeação para gerir esta instituição, que tem entre as suas atribuições importantes tarefas, determinantes para a prossecução de algumas prioridades da política externa portuguesa, foi por mim sobretudo tida como um desafio. Trata-se de um organismo que aprendi a conhecer e a respeitar de forma especial enquanto funcionário diplomático a exercer funções no quadro externo; sabia bem da crucial importância do Camões, I.P. na dinâmica da cooperação para o desenvolvimento, na promoção e divulgação da língua e cultura portuguesas e no ensino do nosso idioma. Interpretei, pois, a minha chegada aqui como um enorme desafio, mas também uma honra que abracei com entusiasmo. Já tive oportunidade de constatar a enorme qualidade dos seus funcionários, às vezes em contextos de particular, árduo e contínuo labor e atividade, o que, como podem entender, me deixa especialmente satisfeito e motivado.

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Qual foi a primeira tarefa importante que realizou enquanto presidente do Camões I.P. ?

Lembro-me logo no dia 4 de novembro o especial regozijo que senti pela divulgação dos resultados da primeira Linha de Apoio à Tradução e Edição (LATE) que resultara, naquele ano e pela primeira vez, da fusão do programa de apoio à tradução da DGLAB/Ministério da Cultura e do programa de apoio à edição do nosso Camões, I.P. Foi uma aposta conjunta ganha e vejamos os números para que se entenda a dimensão do conseguido: apoio a 152 projetos editoriais de editoras de 44 países (um crescimento de 40% face ao anterior mecanismo), pela primeira vez com a presença de países como a África do Sul, Estónia, Irão, Moldávia ou Paraguai. Todos tiveram projetos selecionados, o que espelha bem o interesse crescente que a literatura e os autores em língua portuguesa despertam junto de novos públicos e em países onde até agora a literatura em português não penetrava tanto. Já estamos afincadamente a trabalhar com a DGLAB na segunda edição da LATE.
Outra vertente que nos ocupou logo bastante, naquela altura, foi concluir o Programa Estratégico de Cooperação (PEC) com a Guiné-Bissau para os próximos cinco anos, elaborado de acordo com as prioridades e objetivos de desenvolvimento daquele nosso parceiro, sócio próximo e irmão no universo da língua portuguesa, reconhecendo-se o valor acrescentado da Cooperação Portuguesa nas áreas da educação e cultura; justiça; segurança e defesa; saúde, assuntos sociais e trabalho; agricultura, pescas, energia e ambiente; infraestruturas, economia e finanças. O documento foi assinado pelos chefes da diplomacia dos dois países na primeira metade de janeiro do corrente ano.

“Assisti em Timor à grande pressão de potências para que a língua oficial não fosse o português”. De que forma pretende promover a língua portuguesa contra os poderes instalados, que impedem muitas vezes que a nossa língua tenha outra presença e dimensão?

O caso de Timor-Leste foi um exemplo muito particular que gosto de invocar, porquanto assisti efetivamente a movimentações nesse sentido. Mas foi de uma especificidade em toda a linha, irrepetível, pois a utilização, promoção e apropriação da língua portuguesa pelos resistentes timorenses (mais tarde dirigentes do país), fez parte desde sempre da sua identidade nacional enquanto valor inegociável e daí depois a sua consagração como língua oficial do país e o grande investimento feito na mesma (ao início com grandes dificuldades e obstáculos, dado que se tinham perdido pelo menos duas gerações, naquele país, para o português, pelas conhecidas vicissitudes históricas).
Prefiro, pois, falar em promoção da língua portuguesa enquanto política pública bem delineada, discreta, mas focada e eficaz, não concebida contra ninguém. Bem pelo contrário, a nossa estratégia é elaborada para aproximar povos e comunidades, sem esquecer nunca a interação fundamental com as comunidades portuguesas e lusodescendentes na Europa, América e África, proporcionando o acesso à língua e à cultura portuguesas por parte de vastos grupos de crianças e jovens e dinamizando, desse modo, comunidades escolares organizadas em torno desses elementos. Tudo isto é assegurado pela nossa rede EPE (Ensino de Português no Estrangeiro), com as respetivas Coordenações e um grupo excecional de docentes, umas vezes colocados pelo Estado Português (em 14 países), outras vezes conferindo àquela Rede um apoio a escolas onde a língua portuguesa é já ministrada e aos respetivos docentes (estes pertencentes aos quadros do Estado local – são 4 países nesta modalidade –a chamada Rede apoiada). Mas não podemos esquecer também a crescente integração do português nos curricula de vários países no que constitui um avanço muito significativo na valorização local e internacional tanto do português como dos seus falantes; a nossa língua passou igualmente a estar mais diretamente à disposição, neste contexto curricular, a um número crescente de (outras) crianças e jovens nacionais desses países. É sobremaneira estimulante para todos nós. E não podemos, por fim, esquecer, essa incontornável e eficiente rede de 51 leitores e 53 Cátedras em universidades estrangeiras, mas também os cerca de 300 docentes cuja contratação por instituições de ensino superior reputadas, de renome, em inúmeros países (76), conta com o apoio do Camões, I.P. participando assim da crescente oferta graduada em estudos com a componente língua/cultura portuguesa disponível hoje um pouco por todo o mundo. É obra, mas tem de ser continuada para que a presença e utilização da língua portuguesa, como um dos principais idiomas a nível global, que já o é, se multiplique. Esta não é, obviamente, uma função apenas nossa aqui do Camões, I.P., é de todo o universo da CPLP e de outros atores, mas o Camões, I.P. está e estará sempre na linha da frente na sequência desse objetivo.

O Camões, I.P. é um instituto público, sob a tutela do Ministério dos Negócios Estrangeiros, integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa, financeira e património próprio, o que lhe permite alguma liberdade de ação. Quais os grandes desafios que abraçou quando assumiu funções? Que prioridades definiu?

As prioridades são aquelas que constam do programa do Governo para a área de Negócios Estrangeiros e que são da nossa competência nós aqui executarmos e implementarmos, nas três vertentes que estão a nosso cargo; mas voltando ao que referi na pergunta anterior, os desafios passam em muito pela consolidação dos conhecidos objetivos à medida das respetivas possibilidades financeiras para a sua continuação. Temos um atual Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros particularmente atento ao que realizamos aqui, e sempre refletindo de forma substancial e compreensiva sobre as melhores vias de otimizarmos os nossos recursos que são claramente limitados para as nossas ambições, como aliás acontece em outras áreas de governação e na atividade em geral em Portugal. Este exercício é sobremaneira complexo, mas é estimulante ver que temos, da parte da tutela, compreensão pela nossa atuação, por aquilo que significa para a política externa portuguesa um Camões, I.P. estabilizado e com recursos para atuar nas diversas frentes em que está envolvido.

Quais foram as maiores dificuldades e constrangimentos desde que tomou posse?

Ter assumido estas funções no meio de uma pandemia sem precedentes e de uma emergência sanitária decorrente da Covid-19 que nos tem limitado (mas não paralisado) em algumas das nossas tarefas, seja na área da cooperação para o desenvolvimento, seja no vasto mundo do ensino e promoção da língua e da cultura. Sendo a nossa atividade dirigida para o plano externo, estamos sempre muito dependentes das conjunturas vividas nesses países, das deficiências de mobilidade e de circulação e das limitações nas dinâmicas presenciais. Dessa forma, tivemos pois que privilegiar, e inclusivamente, apostar em conteúdos digitais e interações virtuais em muita da nossa atividade.

Como avalia a herança deixada pelo anterior presidente Luís Faro Ramos?

Muito boa. Excelente mesmo. O meu antecessor com a sua conhecida proatividade, com um impressionante especial espírito de serviço público, uma dedicação e um profissionalismo que não me canso de recordar, deixou uma marca indelével no Camões, I.P. da qual eu beneficiei muitíssimo quando aqui cheguei. Desejo-lhe tudo de bom agora em Brasília, como nosso Embaixador, uma nova elevada responsabilidade que sei que levará da forma competente a que nos habituou.

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Que relações o Camões, I.P. mantém com o movimento associativo, enquanto espaços de promoção de cultura e da língua portuguesa? De que forma materializa essa relação?

Relações privilegiadas e estreitas, como não poderiam deixar de ser, tendo em conta o que são as nossas atribuições. O movimento associativo é muito variado, multifacetado e tem vindo a diversificar-se em múltiplas atividades, até de natureza política, que leva a cabo nos países onde está inserido. São cada vez mais as redes de profissionais, estudantes e académicos diplomados no Reino Unido, nos Estados Unidos, em França e na Alemanha (a título meramente exemplificativo). Além do mais, muitas das associações são já nossas parceiras em projetos de promoção e divulgação da língua portuguesa e até de ensino. Outra inovação que sentimos quotidianamente é que muitas dessas associações já se constituem como lobbies e outras associações cívicas, que já têm como missão não apenas preservar as tradições, não apenas serem um instrumento incontornável de transmissão e fomento das nossas culturas ou das de origem das suas terras, não apenas celebrarem ou continuarem as vinculações, por exemplo, aos clubes de futebol e outros grupos afins, mas também a missão mais específica de aumentarem a influência social e a representação institucional da política e da comunidade. Este caso é mais evidente nos Estados Unidos, porém já se sente, igualmente, noutras paragens.

Com a Covid-19 uma grande parte dos eventos promovidos pelo Camões I.P. e que estavam previstos para 2020 não se puderam realizar. Foram recalendarizados para este ano, ou continuam sem agenda uma vez que alguns dos países ainda continuam com restrições à circulação e nalguns casos ainda em confinamento total?

Como atrás já aludi, naturalmente que o ano de 2020 foi seriamente afetado pela crise pandémica e vimos muitos eventos cancelados ou adiados, organizados quer pelo Camões, I.P. em Portugal, quer pelas nossas missões diplomáticas no estrangeiro, nos centros culturais e nos centros de língua portuguesa espalhados pelo mundo. Isso não significou um desinvestimento na promoção linguística ou cultural, que procurámos difundir por outros meios (com especial destaque para os conteúdos digitais, como não poderia deixar de ser). Veja-se o exemplo da celebração, no ano passado, da primeira edição do Dia Mundial da Língua Portuguesa, tal como reconhecido pelo sistema das Nações Unidas, através da UNESCO, e que consistiu numa série de iniciativas televisivas e radiofónicas a celebrar este feito inédito, com grande repercussão mediática. O mesmo aconteceu recentemente, no passado dia 5 de maio com a segunda edição daquele mesmo Dia Mundial. Muitas outras iniciativas foram sendo sucessivamente adaptadas, ajustadas às conjunturas no terreno e às diversas geografias (que teimavam em ter realidades diferentes, caso a caso), feitas principalmente de forma online, incluindo ciclos de cinema, concertos, e semelhantes, basta consultar a agenda do site oficial do Camões I.P. para termos uma ideia do que foi sendo feito desde o início da pandemia.
Em 2021, o cenário alterou-se positivamente, tendo sido possível retomar alguns eventos em países onde as medidas de confinamento não foram tão acentuadas como nos países europeus, ainda que se tenha mantido uma modalidade mais assente nos eventos virtuais ou híbridos, ou que de certa forma permitiu que abrangesse um público mais vasto. Dou, novamente, como exemplo, os eventos organizados por todo o mundo relacionados com o Dia Mundial da Língua Portuguesa e, sobretudo, os atos culturais celebrados sob a égide da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, que decorre, como todos sabemos, durante o primeiro semestre do corrente ano.

No atual contexto pandémico, o ensino do português (EPE) foi afetado? Que países beneficiam atualmente desta rede do EPE?

Tal como referi anteriormente, como todas as vertentes das nossas vidas, e em especial o ensino à distância e o teletrabalho, o ensino do português na rede EPE foi também naturalmente afetado, em todos os 18 países onde essa rede está presente (rede oficial: Alemanha, Andorra, Espanha, França, Reino Unido e Ilhas de Jersey, França, Luxemburgo, Bélgica, Países Baixos, Suíça, África do Sul, Namíbia e Zimbabué; e rede apoiada: Austrália, Canadá, EUA e Venezuela).
Felizmente, a capacidade de resposta e a adaptação do Camões I.P. à(s) nova(s) realidade(s) foi rápida e eficiente, tendo-se adotado como principal medida a passagem para ensino online ou modalidades híbridas, com uma grande mobilização e capacidade de resposta por parte dos docentes EPE, muitas vezes com uma enorme originalidade, como tive oportunidade de testemunhar casuisticamente. Como dizia, o Camões, I.P. disponibilizou, desde a primeira hora, ofertas formativas e meios complementares para apoiar a rede docente e discente, e as Coordenações de Ensino elaboraram de forma inclusiva planos de contingência, prevendo a atuação na ocorrência de casos de Covid-19 em cada um dos contextos específicos, alinhados com procedimentos comuns e, principalmente, com as orientações das autoridades de saúde e educação locais, com as quais a rede interage. Devo dizer que fiquei positivamente surpreendido quando cheguei em novembro passado e verifiquei a capacidade de adaptação tanto a nível central, como dos nossos professores e alunos, procurando, com sucesso, que não se registasse um desinteresse ou desinvestimento na aprendizagem da língua portuguesa.

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Em 2010, existiam 60.000 alunos inscritos no EPE e 600 professores. Hoje temos apenas 40.000 os alunos e cerca de 320 docentes. Como analisa esta tendência e o que se propõe a fazer enquanto maior responsável pelo EPE para inverter estes números.

Os números que refere deixam de lado evoluções muito significativas que ocorreram: por um lado, em alguns países, como em Espanha, a responsabilidade do ensino transitou para as autoridades locais; por outro, introduzimos a possibilidade de inscrição online, o que resultou num maior rigor na gestão da rede. E não só: no período referido temos de ter presentes outros fatores, houve um grande ajustamento da oferta e procura e, mais recentemente, registámos flutuações nos fluxos migratórios para e entre diferentes países e, por sua vez, a alterações da composição demográfica desta população, o que tem naturalmente impacto nos números que referiu relativos à rede EPE.
Dito isto, o Camões, I.P. está atento a este cenário complexo e tem procurado, de forma dinâmica e consistente, ajustar a sua rede EPE para corresponder às necessidades identificadas, assinalando-se um crescimento constante da rede. Refira-se que, este ano, mesmo nas condições adversas da pandemia por que atravessamos, reforçámos a rede com mais 3 professores: dois em França, onde se regista uma procura menos satisfeita, e um no Reino Unido, para apoio ao projeto de implementação da escola bilingue de Londres, uma realidade desde setembro passado e que muito nos apraz igualmente registar.

Foi recentemente discutida a petição “Português para todos! Pelo direito das nossas crianças e jovens a um Ensino de Português no Estrangeiro”, em que, entre muitas sugestões, defende o ensino do português como língua materna e não estrangeira e também o fim das propinas. Subscreve estas duas sugestões?

Os documentos de referência, nomeadamente o QuarEPE, foram desenhados, ainda sob tutela do Ministério da Educação, para atender à realidade linguística observada em contexto desta segunda vertente do EPE, entendendo-se atualmente, entre a comunidade científica, o conceito de língua de herança (LH) como aquele que melhor atende ao perfil linguístico heterogéneo de crianças e jovens em situação semelhante à da maioria das nossas comunidades.
A orientação do Camões I.P. à sua rede é, pois, sem entrar em polémicas e debates infindáveis, a de que é em face do perfil linguístico dos aprendentes que devem ser definidas as abordagens mais adequadas, razão pela qual é incentivado (e tem o Camões IP vindo a fazer um investimento forte nesse âmbito ao nível da formação dos docentes) o ensino diferenciado.
Um ensino que, levando em consideração contingências próprias do ensino da língua portuguesa em regime paralelo, como seja a coexistência, no mesmo grupo de alunos, de perfis diferenciados, procura criar as melhores condições para o desenvolvimento de competências de todos.
Encontra-se contemplada nesse ensino diferenciado uma abordagem de língua portuguesa como língua materna nos casos (mais raros e associados a crianças que cuja família encetou processos migratórios recentes e em momento em que dispunham já de significativa consolidação linguística) em que tal se verifique como a situação mais adequada.
Aquilo com que não podemos concordar é com uma abordagem monolítica, que não tenha em atenção os perfis linguísticos diferenciados dos alunos e abordagens didáticas que, consequentemente, não correspondam aos seus melhores interesses.

Assumindo o domínio da língua portuguesa como um elemento da nossa identidade cultural, mas também um importante “trunfo” (a vários níveis), a favor das nossas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. De que forma é que entende esta afirmação?

A língua portuguesa é um ativo global. Os indicadores são conhecidos: é uma língua falada por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco continentes, o que equivale a 3,7% da população mundial, com ótimas perspetivas de crescimento: em 2050 serão quase 400 milhões e em 2100 serão mais de 500 milhões, segundo estimativas das Nações Unidas.
É a língua mais falada no hemisfério sul; é a língua oficial dos 9 países membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e em Macau. As 9 economias da CPLP, em conjunto, valem cerca de 2,7 biliões de euros, o que faria deste grupo a sexta maior economia do mundo, se se tratasse de um país (fonte: FMI). O trabalho do Camões, I.P. passa também por desenvolver e fomentar o sentido de pertença dos seus falantes à sua comunidade de origem, ao desenvolvimento identitário e, desse modo, a uma cidadania ativa e transnacional.
Sem contarmos com os valores da aprendizagem do Português pelas comunidades portuguesas e lusodescendentes espalhadas pelo mundo, o Português é uma língua de futuro: como já tive oportunidade de referir, estamos a falar aproximadamente de 260 milhões de falantes. É um universo de países lusofalantes em expansão demográfica, expansão esta a que acresce os estudantes de português como língua estrangeira, e todo este bolo abre portas nos principais setores económicos dos nossos tempos, que passam sobretudo pelo digital: a cultura, a comunicação, a ciência, a economia, a literatura, a educação, e por aí em diante.
É impressionante o impacto que se adivinha para os desenvolvimentos em curso em domínios como a robótica, os sensores, as comunicações, a ciência de dados, ou as tecnologias da língua. As tecnologias da língua e a investigação científica sobre as línguas naturais podem dar um contributo decisivo para se ultrapassarem barreiras linguísticas. No futuro, quando combinada com dispositivos e aplicações inteligentes, esta tecnologia ajudará falantes de diferentes línguas a comunicarem naturalmente entre si – e os sistemas entre eles. Imaginem até onde poderemos ir e o que poderemos alcançar.

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Concorda certamente que o direito à língua é um direito fundamental. Como se compreende então, termos 35 inscritos (mas há mais interessados), que estão há 8 anos à espera de um curso de português. Local: Saint Gratien – a 17 km de Paris. (fonte: LusoJornal)

Temos registo de uma procura não correspondida pela rede EPE em França. Procuramos colocar os professores no terreno para assegurar a melhor cobertura, mas não temos ainda capacidade para ter um curso em cada localidade, embora muito nos preze a procura e devemos ter orgulho nisso. Repare que, no caso que refere, existe um curso em Groslay, localidade a 7 km de distância – e que é certamente uma distância inferior àquela que muitos alunos em Portugal têm de percorrer para frequentar a sua escola.
Estamos a estudar, com a nossa missão diplomática e diversas associações, a possibilidade de criação de projetos que explorem outras vertentes para reforçar a resposta que temos no terreno para corresponder a esta necessidade. Até lá, existem diversos meios disponíveis digitalmente, os quais temos vindo a reforçar desde que começámos a viver esta realidade pandémica, e que podem servir de recurso para casos, como este, em que infelizmente a nossa capacidade de reposta não satisfaz, ainda, a procura.

A Guiné Equatorial adotou o português como uma das suas línguas oficiais em 2007, sendo admitida na CPLP em 2014. No entanto, a língua portuguesa naquele país é um mito. Não existe, não se fala. Quer comentar?

É inegável que uma implementação real e estruturada da língua portuguesa enquanto língua oficial na Guiné Equatorial está aquém do que foram as nossas intenções quando foi acordado integrar o país como 9.º membro da CPLP. Isso não significa que não têm vindo a ser dados passos concretos para tornar o “sonho realidade”, quer por parte do Camões, I.P., quer por parte de outros parceiros, como o Secretariado Executivo da Própria CPLP e o Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) que têm igualmente uma responsabilidade particular neste domínio.
Importa mencionar que existe um “Programa de Apoio à Integração da Guiné Equatorial na CPLP”, aplicável de 2020 a 2022, cujo primeiro eixo é precisamente a promoção da Língua Portuguesa, e que inclui três objetivos concretos: a inserção da Língua Portuguesa nos diferentes níveis de ensino no país; a implementação de um programa de professores de Língua Portuguesa e a inclusão progressiva da Língua Portuguesa nas áreas centrais da cidadania e na administração pública.
Para implementar este programa no terreno, não posso deixar de referir o exaustivo e louvável trabalho da Leitora do Camões, I.P. que temos em funções no país desde 2018, especializada no ensino da Língua Portuguesa, colocada na Universidade Nacional da Guiné Equatorial (UNGE) e junto da Embaixada de Portugal em Malabo. A Professora Ângela Carvalho tem vindo a ser a interlocutora privilegiada junto das autoridades equato-guineenses, nomeadamente o Ministério da Educação, para a concretização dos referidos objetivos e incluindo, ainda, o início de uma Licenciatura em Ensino da Língua Portuguesa na UNGE.
Com estes esforços, acredito que iremos paulatinamente ter, a médio prazo, uma classe política e administrativa fluente e conhecedora da nossa Língua Portuguesa, objetivo que se estenderá, a longo prazo, à população em geral através da inclusão do ensino da nossa língua em todos os níveis de ensino e que esta dificuldade será ultrapassada através do esforço concertado de todos os parceiros envolvidos, incluindo o Camões, I.P.

Que ferramentas, meios de atuação, modalidades e políticas ativas o Camões, I.P. tem atualmente no terreno (pelo mundo), para além do EPE, para a promoção da língua portuguesa no estrangeiro? Quantos países são abrangidos por esta rede?

Ao nível do ensino superior, o Camões, I.P. está presente em 74 países, através da sua rede de Leitorados (51), Cátedras (53), Centros de Língua Portuguesa (83), Protocolos de Apoio à Docência (cerca de 300) e Programas de Bolsas de Língua e Cultura Portuguesas, bem como diversas plataformas online disponíveis. Este conjunto de instrumentos conjuga-se e declina-se para corresponder aos objetivos que temos para cada um dos países e das regiões onde se inserem. É a nossa “linha da frente”.

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Dentro do que pode revelar, quais os grandes projetos do Camões, I.P. para 2021?

Como o ano anterior demonstrou, as estratégias e projetos de cada Instituto estão sempre em constante mutação, de acordo com as limitações e exigências que foram impostas, como foi o caso do ano passado, em que a situação pandémica nos obrigou a rever uma série de prioridades e eixos de atuação. Por exemplo, obrigou a um redirecionamento de uma grande parte dos nossos esforços para o pilar do apoio ao desenvolvimento e cooperação europeia de combate à pandemia, sem que significasse necessariamente um desinvestimento nos pilares da Língua Portuguesa e da Cultura. No que respeita especificamente ao nosso papel de internacionalização da Língua Portuguesa, as estratégias do Camões, I.P. articulam-se em 3 eixos principais: a consolidação da sua rede de Ensino Português no Estrangeiro, não só ao nível do ensino básico e secundário, como também ao nível dos instrumentos de apoio ao ensino superior, destacando um aumento assinalável do número de cátedras; o reforço da oferta digital de serviços e de conteúdos que concorram para a internacionalização da LP como língua de ensino/aprendizagem, de comunicação e de ciência, através de instrumentos de formação e de certificação, em parceria com universidades e centros de investigação portugueses; e o apoio ao desenvolvimento de projetos de cooperação bilateral e de cooperação delegada, envolvendo a Língua Portuguesa. Assim haja recursos financeiros para o que propomos.

O ano passado a AILD, Associação Internacional dos Lusodescendentes promoveu um colóquio que se realizou na FCSH, cujo tema foi “Pare de dizer Diáspora!”, palavra muito usada pelos políticos e diplomatas. Revê-se nas conclusões deste Colóquio em que se defende claramente o uso de outras designações, nomeadamente “Comunidades” em vez do “exílio da Diáspora”?

O colóquio em questão, realizado em outubro de 2020, contou com a participação da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, a quem mais compete a discussão epistemológica desta discussão. Do meu ponto de vista, que não se afasta dos argumentos discutidos na ocasião, a carga etimológica associada à palavra diáspora – que se associa indelevelmente a uma ideia de perda ou dispersão, ou mesmo exílio – tem fortes raízes históricas, centenárias, que não se esgotam na realidade portuguesa. É verdade que as conotações que acarreta caracterizaram a realidade migratória que se registou sobretudo nos anos 50 e 60 do século passado. Hoje, tentando despir a noção de diáspora da sua conotação negativa, há uma crescente tendência, incluindo na classe política, para substituir esse termo pela noção mais adequada de “comunidade” que, como foi referido no evento a que se refere pelos diversos intervenientes, designa um sentido de comunhão e pertença a um “espaço identitário e linguístico no qual confluem realidades, memórias e experiências múltiplas e heterogéneas”, para utilizar as palavras do Professor Doutor Carlos Carreto, da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, e nas quais me revejo totalmente. Tem existido um esforço no conjunto da política externa portuguesa, por via da Secretária de Estado das Comunidades Portuguesas e das missões diplomáticas portuguesas no estrangeiro, e também por parte do Camões, I.P., no sentido de tornar esse sentido de comunidade portuguesa que partilha uma cultura, uma língua e valores comuns, e uma forte ligação ao nosso país, uma realidade. A transição etimológica é, no entanto, um processo gradual e, repito, a utilização do termo diáspora não deixa de refletir uma realidade da história da emigração portuguesa que ainda hoje tem uma enorme relevância; não tem necessariamente de ser depreciativa ou negativa, mas entendo a observação.

Deseja fazer uma saudação especial dirigida aos leitores da Descendências Magazine espalhados por todo o mundo, que vão ter o gosto de ler a sua entrevista?

Um abraço muito fraterno em língua portuguesa para todos e para cada um dos muitos leitores espalhados pelos quatro cantos do mundo, muitos deles, sei, também com especial atenção ao que fazemos no Camões I.P..

A Descendências Magazine agradece-lhe novamente a honra desta entrevista.

Foi um gosto. Até uma próxima oportunidade.

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