Luís Pinto de Sousa
Palavra ao Associado AILD
Doutorado em Ciências Sociais e Políticas pelo Instituto Universitário Europeu de Florença, regressou a Portugal pela primeira vez com 3 anos
Quais as motivações desse regresso a Portugal?
Ao longo da minha vida, foram múltiplos os “regressos” a Portugal. O primeiro, foi mais uma vinda do que um “regresso” e mais por necessidade, do que por escolha. Como a maioria dos Portugueses oriundos das ex-colónias, fizemos um reset das nossas vidas. Depois de uma breve passagem pela Mêda e Santa Maria da Feira, fomos viver para o nordeste transmontano. Cresci em Mirandela, num bairro social, o “Fomento” como lhe chamávamos, ou o “Vietname” como nos designavam. Havia um grande espírito de entreajuda no bairro resultante de um mínimo denominador comum: retornados, deslocalizados e remediados, estávamos todos no mesmo barco, à procura de uma vida melhor. E, de um modo geral, a vida melhorou para todos.
Quando surgiu o interesse pela política?
Desde muito cedo, interessei-me por política e pelo estudo da política. Então, a ciência política e as relações internacionais em particular, encontravam-se pouco desenvolvidas em Portugal. Em 1991, decidi sair de Portugal rumo à Escócia para prosseguir os meus estudos nessa área. Graças ao esforço dos meus pais e ao apoio financeiro que obtive do departamento de educação escocês, conclui uma licenciatura em estudos políticos na Universidade de Aberdeen. A formação universitária na Escócia, casa do liberalismo social, foi marcante para a minha identidade cívica e política. No campo das relações internacionais, fui influenciado pelos trabalhos de E. H. Carr, Martin Wight, Hedley Bull, Karl Deutsch, Kalevi (Kal) Holsti; no pensamento político, por John Locke, John Stuart Mill, John Rawls; no campo da política comparada por David Easton, Giovanni Sartori, Vincent Wright, Hans Daalder, Peter Mair entre outros. Depois de uma breve passagem pela Universidade de Cambridge, decidi candidatar-me a um doutoramento em ciência política no Instituto Universitário Europeu (IUE) de Florença. Foi uma experiência única e enriquecedora a todos os níveis. O caráter cosmopolita e progressista desta instituição e a convivência com uma academia de pensamento livre e crítico, primeiro desenraizou-me e libertou-me de todas as certezas, depois despertou em mim um sentido de missão e uma perspetiva crítica da ciência política. A ciência política não podia ser meramente descritiva ou contemplativa, mas deveria procurar compreender os problemas e desafios societários, através da combinação de diferentes saberes disciplinares e metodologias científicas e da análise de dados, para que possamos informar boas decisões. Concluí o doutoramento em 2002, com uma tese sobre políticas de controlo da corrupção na esfera política. Seria difícil identificar um autor em particular que tenha sido mais influente neste percurso de formação, mas posso citar alguns, sob pena de excluir tantos outros: Charles Merriem, Seymour M. Lipset, Harold Lasswell, Pitirim Sorokin, Arnold J. Heidenheimer, Donatella della Porta, Yves Mény (o meu orientador e antigo presidente do IUE).
O regresso a Portugal em 2002 não foi programado. Surgiu uma oportunidade de trabalho numa universidade portuguesa logo após ter concluído o doutoramento. Porém, ao fim de 11 anos no estrangeiro, estava ansioso por regressar e poder contribuir para o desenvolvimento da ciência política e para a formação de novas gerações de investigadores em Portugal.
Quais os principais marcos nessa carreira pela política?
Em 2004, face à instabilidade política e à incerteza em torno dos programas de financiamento da investigação e da renovação do meu contrato, procurei alternativas de emprego fora do país. Ganhei uma bolsa de investigação na Australian National University e parti para Canberra. Entretanto, vencera o meu primeiro projecto de investigação com financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e decidi “regressar” (novamente) a Portugal.
Coordenei o primeiro grande estudo às percepções sobre ética e corrupção em democracia dos portugueses e ajudei a fundar a Transparência e Integridade, representação portuguesa da ONG Transparency International dedicada ao combate à corrupção. No seguimento de várias publicações neste domínio, tornei-me consultor internacional ao serviço da OCDE, da Comissão Europeia e do Conselho da Europa.
Quais os atuais projetos em Portugal?
Fui docente na Universidade de Aveiro e sou atualmente investigador no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. De momento coordeno dois projectos de investigação: um sobre as atitudes dos portugueses face à corrupção em contextos de austeridade e o seu impacto na legitimação democrática, com financiamento da FCT; e outro sobre auto-regulação ética na política, financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos.
Dedico-me a estes temas há mais de 24 anos, o tempo de uma geração. Penso que serão os últimos projetos que irei desenvolver neste domínio. Ajudei a colocar o tema da corrupção no mapa da investigação em Portugal, a formar uma nova geração de investigadores neste domínio e a consciencializar a opinião pública para o problema. Procurei contribuir para um debate informado sobre os riscos e as formas de os mitigar por referência às melhores práticas internacionais, mesmo que esse tenha tido mais repercussão no estrangeiro do que no meu próprio país.
Que expectativas tem relativas a Portugal?
O atual contexto de pandemia recordou-nos a fragilidade e a efemeridade da vida e a necessidade de atuarmos coletivamente. Independentemente das nossas expectativas e da forma organizada como conduzimos as nossas vidas, o poder imprevisível da natureza reduz à insignificância qualquer noção de agência. Só somos donos do nosso destino se tivermos lideranças que inspirem e que pensem e atuem em função do coletivo. Gostaria de ver um compromisso político mais sério e duradouro em relação ao ambiente e no que diz respeito à qualidade dos processos e ao funcionamento das instituições democráticas e do Estado de Direito.
Quais as dificuldades sentidas no regresso?
Os múltiplos regressos a Portugal tiveram sempre algumas surpresas. Umas boas, outras menos boas. Como já referi, regressei em 2002 e fui muito bem acolhido pelos colegas. De um modo geral, a academia portuguesa e as ciências sociais em particular, são bastante internacionalizadas. A integração na minha área profissional não foi difícil, pese embora a falta de estabilidade no financiamento à investigação e a excessiva burocratização.
Talvez o que custou mais, foi o facto de ter encontrado muitos dos problemas que no passado foram a razão de querer “ir-me embora, sem ter que me ir embora”, parafraseando José Mário Branco: a frequente relativização de condutas impróprias, tanto no setor público como no privado; o recrudescimento de paroquialismos e preconceitos; e uma modernidade de fachada, que se pavoneia à janela acenando o lenço aos certames internacionais de tecnologia e aos spin doctors da nova economia, mas que convive em casa com uma sociedade com níveis de pobreza e exclusão social dos mais altos da Europa.