Luís Sequeira
Nasceu em Toronto, filho de uma estilista de vestidos de noiva portuguesa, é hoje um dos figurinistas mais bem-sucedidos da indústria do cinema.
Um lusodescendente a fazer sucesso em Hollywood!
Iniciou a sua carreira no mundo da moda, mas rapidamente envergou por um caminho diferente. Comecemos a nossa conversa por conhecer um pouco melhor o seu percurso pelo mundo da moda.
A minha mãe sendo designer de vestidos de noiva em Lisboa, a moda fez parte da minha vida desde muito cedo. Enquanto ela trabalhava na sua máquina de costura de pedal, eu brincava com lantejoulas em copos de vidro, muitas vezes misturando-as para criar combinações de cores e padrões, que deixavam minha mãe louca! Lembro-me de fazer roupas simples para meu G.I. Joe (boneco masculino). Lembro-me de mais do que uma vez deixar a minha mãe maluca cortando uma saia dela para fazer uma longa capa preta! Foi dramático em muitos aspetos! Esta foi a génese do meu percurso na moda.
Mais tarde, sempre tive uma opinião sobre outras roupas que a minha mãe fazia para nós, incluindo roupas desportivas e roupas de viagem – sim, isso era uma coisa de antigamente. Esse amor pela moda alimentou o meu desejo de me tornar um designer de moda. Antes de qualquer formação formal, como jovens com pouco dinheiro, a alta moda era financeiramente inalcançável. Sem ter o sistema fast fashion de hoje, a única outra opção era fazer as próprias roupas. Isso tornou-se uma angularidade para os meus amigos terem roupas legais e irem aos clubes noturnos. Estas sempre foram um pouco exuberantes com um toque de alta costura.
Decidi abrir um atelier chamado ‘Parallel’, apresentando a minha própria marca ‘Collective’ e apresentando outros jovens designers canadenses. Foi nesse espaço que conheci compradores de figurinos e figurinistas de cinema que ficaram impressionados com a minha criatividade e os meus designs. Eles encorajaram-me então a entrar no cinema e na TV.
Anos mais tarde, a paixão pelo desenho fundiu-se ao gosto pelo cinema e hoje é um dos grandes nomes do universo dos figurinos. Como descobrir esta paixão pelo figurinismo?
Quando adolescente, sempre adorei cinema – eu faltava à escola e passava o dia no cinema a ver 3 a 4 filmes. Nunca pensei que poderia fazer parte dessa indústria. Foi um sonho em construção.
Comecei numa série de TV de terror ‘Friday the 13th‘ como estagiário. O projeto teve vários episódios com bruxas, canibais e mortos vivos. Foi um projeto de base ampla que aproveitei em muitos aspetos do figurinismo.
Com uma estrutura de apenas 3 pessoas – havia muitas habilidades que foram ensinadas e aprendidas rapidamente. Um aspeto que adorei foi o envelhecimento das roupas. Esta foi uma forma de contar histórias através do desgaste.
Além de trabalhar em duas produções, eu já tinha um emprego a tempo integral garantido. Com alguns anos a trabalhar em diferentes cargos, incluindo designer assistente, cenógrafo e artista têxtil, ganhei uma posição como figurinista.
A criação do guarda-roupa e o universo dos figurinos têm um método trabalhoso. Em que momento se inicia este processo e como se desenrola?
Tudo começa com o roteiro ou esboço. Na minha primeira leitura , se a história for boa – posso começar a imaginar os personagens, o ambiente e o mundo ao seu redor. Se não for, então fica muito difícil até mesmo terminar o roteiro.
A partir daí – a pesquisa torna-se o caminho principal para começar a reunir ideias para o projeto. Isso começa essencialmente com a busca e coleta de imagens. A leitura de livros e artigos relacionados também desempenha um papel importante no mergulho no mundo retratado no roteiro.
O “Mood board” é então montado para cada personagem e também para os grupos principais que teremos. Esta é a base da comunicação. Imagens articuladas e abstratas com paletas de cores ajudam a comunicar tanto ao diretor quanto à minha equipe.
Apesar de ter de seguir algumas linhas orientadoras é necessária uma boa dose de inspiração. Onde a encontra?
Encontro inspiração em todos os lugares. Na arte, na fotografia, na moda, na música. Tudo o que alimenta a alma criativa é alimento para o meu trabalho. No caso de um projeto datado, eu mergulho na linha do tempo que estamos criando. Eu circulo antes e adiante para entender o momento do design.
Nascido no Canadá, filho de portugueses, o sangue lusitano corre-lhe nas veias. As suas raízes portuguesas influenciam a forma como produz a sua arte?
As boas memórias das minhas viagens de infância a Portugal ajudaram-me a compreender o contexto da história. Visitar a aldeia da minha família ajudou-me a entender a vida rural. Posso ter-me tornado cidadão português aos 40 anos, mas a ligação estava lá desde a minha primeira viagem aos três anos de idade, da qual me lembro claramente.
Artigos dão conta de que já utilizou algumas peças compradas em Portugal em figurinos de grandes filmes internacionais. É verdade?
Sim, de facto, é verdade. Estou sempre em busca de peças específicas para os meus projetos ou para manter a minha coleção. Pesquiso livros e revistas de anos atrás à procura de roupas e acessórios vintage maravilhosos. Como mencionei, estou sempre a procurar inspiração em todos os lugares.
Em 2018 foi nomeado para o Óscar de Melhor Guarda-Roupa pelo seu trabalho no filme “A Forma da Água”, de Guillermo del Toro. Quatro anos depois, em 2022, repetiu o feito, desta vez com “Nightmare Alley – Beco das Almas Perdidas”, do mesmo realizador mexicano. Qual a sensação de estar entre os melhores?
Sinto-me abençoado por ter feito parte desses dois projetos maravilhosos. Quando se trabalha com mesmo diretor repetidamente, ganhamos facilidade na comunicação e entendemos a estética e a criatividade de forma muito mais fluída.
Além das produções com del Toro, assinou ainda, por exemplo, o guarda-roupa dos filmes “The Christmas Chronicles”, “It – Capítulo 2”, “Monster Problems” e colaborou na série “Lock & Key”. Qual o projeto mais desafiante até ao momento?
Acho que terá sido IT – Capítulo 2, porque envolveu múltiplos figurinos em diferentes cenas, em alguns casos ultrapassávamos os 50 figurinos. Além disso, como nunca filmamos em continuidade direta, foi um grande quebra-cabeça ter todos prontos quando filmávamos.
Considera que o figurino tem a incrível capacidade de transmitir informações que, muitas vezes, ficam subentendidas, como a personalidade do personagem ou o humor?
Acho que o meu trabalho é ajudar cada ator a sentir o seu papel de forma natural. Ajudar a contar a história nos momentos de maior e menor ação também é fundamental. Isso pode ser feito com cores, texturas ou mudanças nas silhuetas. Tudo isso possibilita a arte de contar histórias no que se refere aos cenários, à cinematografia e, por fim, à visão do diretor.
As roupas presentes num filme são muitas vezes um dos principais aspetos responsáveis por tornar uma produção um ícone inesquecível. Na sua carreira qual figurino ocupa essa posição?
Tanto em “Shape of Water” quanto em “Nightmare Alley”, os figurinos e cenários foram cuidadosamente elaborados para literalmente dançarem uns com os outros. Grande atenção às cores do cenário e ao próprio cenário foi a chave para o que fizemos com os figurinos. Visualmente, acho que se destaca quando se assiste ao filme, mas sem nunca nos distrair do drama que se desenrola em cada um desses filmes.
Em que projeto teremos, brevemente, a possibilidade de encontrar um figurino desenvolvido pelo Luís?
Terminei um maravilhoso filme contemporâneo para a Netflix chamado “A Family Affair” com Nicole Kidman, Zac Efron e Joey King, com lançamento previsto para o próximo Natal. No momento estou a trabalhar numa nova série chamada “Welcome to Derry” com o diretor Andy Muscheietti, com quem já tive o prazer de trabalhar antes.
Uma mensagem para todos os artistas do mundo.
Encontre a sua paixão, navegue na onda da autodescoberta e do desenvolvimento, mantenha-se fiel ao seu coração, aproveite a vida e saiba que cada projeto diário é um presente a ser valorizado.