O lítio
Esse grande Cavalo de Tróia
O lítio tem sido uma espécie de Cavalo de Tróia que a coberto de belos e inflamados discursos, vai entrando sorrateiramente portas adentro, albergando no seu ventre o grande plano de fomento mineiro do Governo. A par e passo, vai cavalgando, serras acima, em nome de uma suposta transição energética, ancorada na descarbonização e na digitalização. Todavia, ao contrário do que sucedeu na lenda, os troianos de hoje não dormem o sono dos justos e não aceitam presentes de gregos – o cavalo de pau que transpuser as muralhas, será usado como madeiro de Natal!
A mineração a céu aberto não é uma inevitabilidade para a transição energética, como querem fazer crer alguns governantes. Há alternativas. Essas alternativas passam pela utilização de outros elementos menos prejudiciais na construção das baterias. Já existem e estão em franco desenvolvimento. O sódio, por exemplo.
Além disso, urge a alteração da actual prática corrente das empresas, assente na obsolescência programada dos equipamentos. A constante necessidade de lançar novos modelos no mercado para obtenção do máximo lucro, tem levado o consumo de recursos a um nível de exaustão. É o mercado a funcionar, dirão alguns, o capitalismo desenfreado, contraporão outros. Seja o que for, não há planeta que aguente este modo de vida.
Por outro lado, é preciso alterar os padrões de consumo e de utilização, sobretudo em termos de mobilidade. Mais transportes públicos, menos automóveis individuais.
Chegamos a um ponto em que, a mineração terrestre parece já não ser suficiente para alimentar os apetites vorazes dos investidores. Segue-se a mineração nos oceanos, que já é uma realidade em vários locais e, a mineração no Ártico, que está a sofrer um novo impulso. Depois será a vez da Lua, de Marte e dos asteróides. É o absurdo.
Aqueles que querem a todo o custo esta estranha forma de desenvolvimento, consubstanciada na criação de uns parcos postos de trabalho e que almejam uma suposta criação de riqueza, que não será seguramente para os locais, em contraposição, alegam hipócrita e
simultaneamente, a necessidade de garantir a salvaguarda da protecção ambiental e a preservação do modo de vida das populações. Como se isso fosse possível conciliar. Não é. Eles desconhecem que a protecção do ambiente e a preservação do modo de vida das populações, são, per se, os verdadeiros agentes promotores do desenvolvimento, os reais geradores de riqueza para os territórios e para as pessoas e os grandes responsáveis pela criação e manutenção dos postos de trabalho, esses sim, sustentáveis e duradouros.
Estes são os que pretendem agradar a gregos e a troianos. Pois bem nem agradarão a uns, nem a outros.
Tal como na mitologia, é impossível agradar às duas partes em oposição, pois nenhuma delas ficará satisfeita.
Ao longo dos tempos, o Cavalo de Tróia sempre esteve associado ao engano, ao disfarce, ao embuste, ao falso aspecto inofensivo e ao ataque sorrateiro à falsa fé.
Do classicismo da Ilíada, Odisseia e Eneida, para a contemporaneidade, mais concretamente, para o surgimento da informática, aos vírus que se introduzem nos softwares para detectarem fragilidades e abrirem portas para os hackers infectarem e controlarem os sistemas operativos, são conhecidos como os “Cavalos de Tróia” (Trojan Horse). A colagem à lenda grega é evidente: o vírus vem escondido dentro de outro programa, sem que o utilizador se aperceba da sua presença. Com razão lhe foi atribuída aquela designação.
Tal como aconteceu na Antiguidade Clássica e na modernidade do mundo tecnológico, também agora, o Cavalo de Tróia do lítio tem servido como porta de entrada para o incremento da exploração de terras raras e de todos os outros minerais associados, muitos deles críticos para a União Europeia, sob a chancela da inevitabilidade da descarbonização e da digitalização.
Contudo, apesar das várias tentativas utilizadas para ludibriar as populações, a cada dia que passa, a mobilização ganha força, ora pela oposição constante dos movimentos e associações anti-mineração, ora pelo incentivo dos protestos internacionais, ou pelos pareceres negativos das autarquias em Portugal, que se sucedem em catadupa. Por mais teimoso que seja, o cavalo de pau da mineração, não passará!