O nosso futuro


Em 2021, tive o imenso privilégio de ser pai pela primeira vez, e única até agora. Obviamente, com a esta nova etapa da minha vida, vinham muitas perguntas. Havia as perguntas habituais: Estarei eu preparado? Como vai ser para dormir? Será que ele vai comer bem? E como posso eu ajudar a mãe quando regressar ao trabalho? Que posso eu fazer mais? Depois de obter as respostas a estas questões básicas, veio a questão da língua. Como iria eu ensinar em casa o português ao meu filho? A minha esposa é canadiana e em casa falamos francês. Ela entende o português e até fala bem quando perde a vergonha de o fazer. Na escola, ele vai aprender o inglês a partir do 1º ano de escolaridade. Então como posso eu introduzir o português no meio da rotina habitual? O meu filho tem hoje 3 anos, ainda não consigo resposta a esta pergunta. Hoje, faço no entanto um esforço quotidiano para falar nem que seja 10 minutos com ele por dia em português. No carro, quando o vou buscar à creche, e antes de chegar a mãe dele, ouvem-se os Anjos, o Tony Carreira, os Xutos e Pontapés, o Jorge Palma, o Rui Veloso, a Mafalda Veiga, a Carminho, o João Pedro Pais, e outras tantas e tantos artistas da cultura portuguesa. Isto tudo até pode parecer banal e fútil. As dificuldades do quotidiano e a rotina transformam a aprendizagem do português para o meu filho em momentos especiais, em momentos únicos em que ele sorri e fica orgulhoso de saber dizer: bom dia, beijinhos, boa tarde, cão, banana, gato, pato, por exemplo.
Onde quero eu chegar com isto? Ao nosso futuro. Não ao do meu filho, da minha esposa ou da minha casa, mas ao nosso futuro como comunidade portuguesa no estrangeiro onde cada vez mais as dificuldades na transmissão da língua são obstáculos à nossa sobrevivência como comunidade.

Que fazemos nós? Quais são as nossas soluções? Teremos nós a hipótese de reverter este caminho da assimilação? E se mudarmos a ideia que somente pela língua vamos sobreviver. Vamos dizer que, por exemplo, continuamos a manter vivas tradições, associações, jornais, programas de rádio e de televisão, grupos folclóricos, bandas filarmónicas, restaurantes, comércios mas fazendo isto tudo em inglês ou em francês? Será crime para o Império? Ou somente manteremos vivas as nossas raízes com um toque diferente, (estranho certo), mas simplesmente diferente. Eu continuarei o ouvir a Mafalda, o Rui, o Jorge e os outros no meu carro, e continuarei a incentivar todos os jovens da minha comunidade a fazer igual. Eu creio no entanto que a nossa luta pela sobrevivência tem de tomar um rumo diferente, um rumo com uma outra perspetiva. A luta pela nossa sobrevivência tem 500 000 perspetivas (Número de portugueses residentes no Canadá). O esforço de sobrevivência comunitário coletivo passa ele unicamente pelo esforço linguístico individual? Parece-me a mim um pouco complexo analisarmos isto por esta única perspetiva. Deixo no entanto a questão pendente porque eu próprio depois de 8 anos como Conselheiro, e 3 como pai, ainda não encontrei resposta sobre o futuro da minha comunidade, e quase todas elas pelo mundo fora atravessam estas mesmas dificuldades. Acredito que nem com outros 8 anos de mandato chegarei a uma visão e a uma resposta sobre este tema.
Só me resta dizer que fico mesmo muito feliz quando olho para o meu filho dizer «vóvó» quando olha para minha mãe.

2 Comentários

  • Luis Pereira
    8 meses ago Publicar uma Resposta

    Não tenho a experiência de criar um filho fora das fronteiras, apenas a de ter trabalhado como expatriado em três países, mantendo sempre a família em Portugal. Assim a minha opinião carece da experiência de estar fora com a família, vale o que vale, cá vai. Nós somos aquilo que vivemos, o meio envolvente é determinante na formação de cada um. Se somos assimilados esquecemos quem nos proporcionou chegar até aqui, somos ingratos. Se queremos manter as tradições dos nossos antepassados, somos ingratos com quem nos recebeu. Ser emigrante é ser desenraizado, é uma inquietação permanente entre as raízes e a sociedade onde vivemos. O simples facto de sentires essa inquietação e pensares no que podes fazer já é meio caminho. Creio que não haverá uma receita para a resposta ideal a esta questão. Vai passando a inquietação de ser português a quem puderes, só isso já vale a pena.

  • Fernanda silva
    8 meses ago Publicar uma Resposta

    Daniel, tens aqui um belo artigo com duas questões que, apesar de estarem intimamente interligadas, são, na minha opinião, questões distintas.
    Por um lado a afirmação da comunidade portuguesa, tanto pela língua, como pelas suas raizes e costumes, no estrangeiro e por outro lado a educação do teu filho.
    Uma criança aprende muito mais pelo exemplo do que pelo ensino.
    Se vibrares com os jogos do Benfica é mais provável que ele venha a ser benfiquista.
    Se sentires orgulho na língua e na comunidade portuguesa e lhe fores dando essa envolvencia, ele também sentirá esse chamamento.
    Quanto a questão do português no mundo, compreendo que não seja fácil manter a ligação entre as gerações mais recentes de luso descendentes, à lingua e cultura portuguesa visto que vivem uma realidade completamente diferente.
    Até em Portugal sentimos que se está a perder a essência do ser português.
    Adotamos com muita facilidade expressões, costumes e rotinas de outros povos.
    A situação mais gritante será mesmo a falta de respeito com a nossa língua.

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